terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

ATENDIMENTO A EMERGÊNCIAS HÍDRICAS

Maurício Andrés Ribeiro


 Numa emergência médica, o paciente vai para um pronto socorro onde recebe os primeiros cuidados. Sendo grave o seu estado, ele é internado numa Unidade de Tratamento Intensivo – UTI, monitorado com aparelhos sofisticados e atendido por médicos  especializadas. Quando melhora, é levado para uma unidade de tratamento semi-intensivo e depois para um quarto. Quando recebe alta, vai para casa e lá continua seu tratamento.

Nas emergências hídricas, na iminência de um colapso no abastecimento, o pronto socorro é feito em salas de crise. Salas de crise são criadas quando se acendem sinais de alerta ou alarme nos dados de chuva e vazão  que são coletados sobre as bacias brasileiras. Desde que foram criadas,  realizaram-se netas centenas de reuniões. Ali acumulou-se experiência em lidar com  eventos críticos e em resolver conflitos. São  eficientes  para o tratamento de emergências e urgências.

As salas de crise  atuam com um horizonte  de tempo curto, que inclui os próximos dias ou semanas, em função da situação conjuntural e das  circunstâncias.

Elas são espaços para encontros híbridos, virtuais e presenciais, nos quais participam os principais atores e instituições relacionados com a gestão da água numa bacia que entrou em estado crítico, seja por falta ou excesso dela. As abordagens variam, conforme as características de cada bacia: em alguns casos é necessário mudar a operação de reservatórios para liberar ou reter água (São Francisco, Paraná, Tocantins). Em outros casos, lida-se com as secas e as enchentes (rio Madeira, Pantanal) e suas consequências, como por exemplo a interrupção de rodovias ou os incêndios florestais.

 Nas salas de crise se divulgam informações qualificadas. O CEMADEN - Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais, com visão interdisciplinar e aplicada, apresenta  as perspectivas para os próximos dias. O ONS - Operador Nacional do Sistema Elétrico - apresenta como os reservatórios estão sendo operados nos vários subsistemas regionais no Brasil e o quanto de energia está sendo exportada ou importada de um sistema para o outro. O INEMET - Instituto Nacional de Meteorologia faz previsões do tempo para os próximos dias e semanas a partir de modelos europeu, americano e outros. Fazem-se previsões climáticas, avaliam-se as perspectivas de chuvas e a chegada de frentes frias, num horizonte  previsível de 15 dias. Na medida em que se aprimoram os modelos climatológicos e meteorológicos reduzem-se as imprevisibilidades.

A base de informações de boa qualidade é fundamental, para que a partir dela se construam os consensos necessários. No início de  cada reunião das salas de crise, são expostos com objetividade os dados e informações relacionados com a chuva e a vazão naquela bacia nos próximos meses. Esse nivelamento prévio de informações entre os participantes oferece um patamar comum a partir do qual podem-se propor como  solucionar os problemas diagnosticados.  Fala-se em linguagem técnica, com todo um vocabulário de hidrologuês: modelagens, curvas de segurança, afluências e defluências, modelo curva-vazão, afluências incrementais, evaporação em reservatórios. Apresentam-se gráficos, mapas, modelos, cenários climatológicos, meteorológicos e previsões.  Fala-se em energia armazenada e energia excedente, em região importadora e exportadora de energia, fechamento e abertura de comportas em reservatórios, simulações, vazão prevista, política de defluência, perspectiva de evolução do volume do reservatório.

Enquanto há crises e emergências, a frequência de reuniões precisa ser maior, diária ou semanal, pois a agilidade é essencial para enfrentar situações mais graves. Quando passa o período crítico, a sala de crise se transforma numa sala de acompanhamento. É quando a bacia  hidrográfica sai da UTI e vai para um tratamento semi-intensivo, com monitoramento para acompanhar seu estado de saúde.

Tanto nas salas de crise como nas salas de acompanhamento uma informação crucial é sobre a água em estado meteórico. A água na atmosfera é o elemento fundamental nessas análises pois ela influi nas águas superficiais, nas cheias e secas. Compreender a água na atmosfera é uma ciência cada vez mais estratégica.

As salas  de crise foram testadas durante anos e constituem uma experiência positiva em lidar com eventos críticos e com emergências hídricas. Até o presente, nas salas de crise não se propõe interferir  na quantidade de água na atmosfera por meio de geoengenharias ou hidro engenharias, bombardeamento de nuvens etc. Entretanto, no futuro, pode ser que o gerenciamento integral do ciclo da água venha a incorporar esses instrumentos e técnicas.

PREVENÇÃO DE CONFLITOS EM RESERVATÓRIOS

Maurício Andrés Ribeiro


 

No Brasil há milhares de reservatórios de  água construídos para a geração de energia elétrica, o abastecimento humano, a  agricultura, a regularização de níveis dos rios, o despejo de resíduos da mineração.

Os entornos de reservatórios, por sua beleza cênica, tornam-se atrativos para o turismo o esporte e o lazer. Em alguns reservatórios artificiais que geram energia hidroelétrica ou para abastecimento, prefeituras e empreendedores privados investiram em portos, cais, embarcadouros e infraestrutura de hospedagem. Entretanto, a operação de usinas hidrelétricas por vezes exige rebaixamentos do nível da água, ocasiões em que as margens retrocedem, inviabilizando o lazer e a recreação. As atividades turísticas e de lazer que usam os lagos como balneários se ressentem quando o nível é rebaixado, prejudicando a paisagem e a infraestrutura turística. Multiplicam-se, então, conflitos entre os usos da água para o tempo livre e os demais usos.

O maior conflito de usos no Brasil ocorreu no lago de Furnas. O reservatório foi construído para a geração de energia elétrica e, ao longo das décadas, as belezas cênicas no entorno do lago atraíram investimentos em pousadas, hotéis, resorts e todo tipo de infraestrutura de turismo e lazer. Tais atividades dependem da manutenção de uma cota adequada e há prejuízos vultosos quando o nível da água decresce, para atender a geração de energia elétrica nos anos de crise hídrica. Mais de um milhão de pessoas no entorno do lago e muitos empreendimento econômicos, situados em 50 municípios,  sofrem quando o reservatório se esvazia. Isso gerou um forte movimento a favor da manutenção de uma cota e nível de água, que envolveu usuários, empreendedores, prefeitos, políticos, o ministério público. Minas Gerais tombou o lago de Furnas  em sua constituição estadual, com a previsão da cota  mínima de 762 acima do nível do mar, para possibilitar o uso múltiplo das águas para geração de energia, turismo, abastecimento humano e outros usos. O setor de energia elétrica resistiu a essa determinação. Houve forte pressão política para manter essa cota 762.

Um plano de contingência foi elaborado para regular a operação do reservatório de modo a evitar o descumprimento da legislação estadual. A agência reguladora propôs mecanismos de liberação controlada de água que permitem maior armazenamento no período chuvoso, de modo que no período seco a cota mínima não seja atingida. Por meio de  restrições na operação dos reservatórios e de planos de recuperação de reservatórios, pode-se compatibilizar a geração de energia elétrica com os usos de turismo, lazer e recreação no lago.

Na fronteira entre o Rio Grande do Sul e a Argentina está a maior queda d’água longitudinal do mundo, o Salto Yucumã. Nos anos 1970 houve a tentativa de construir ali reservatórios para hidreletricidade, mas esses projetos foram abandonados diante das leis que previam a proteção desse patrimônio.  A regra de operação da Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó prevê um limite de até 1 mil m3 por segundo de vazão entre o meio-dia de sexta feira e o meio-dia de domingo. Isso permite que o salto se torne visível nos finais de semana.

As praias no rio Tocantins, muito frequentadas, sofriam os efeitos da operação de reservatórios que baixavam e subiam os níveis do rio. Pactuou-se, para preservar o turismo e o lazer, que os reservatórios do sistema hídrico do rio Tocantins, entre eles o de Serra da Mesa,  seriam operados de modo a não causar grandes variações de nível do rio, especialmente nos meses de alta temporada de praias, entre junho a agosto. Desse modo se conciliou a existência do turismo e lazer com a geração de energia elétrica. 

Nas cataratas do Iguaçu, o reservatório da Usina Hidrelétrica Baixo Iguaçu é  operado de modo a regular a vazão  especialmente nos períodos de estiagem e nos  finais de semana, para não prejudicar a atratividade turística daquele local. Há alguns anos as cataratas volumosas se transformaram em filetes, no período de seca.

O uso da água para fins de culto religioso pode implicar em mudar a operação de reservatórios para liberar água que permita a navegação. Assim se evita o risco de encalhe das embarcações de procissões religiosas, como no caso da procissão do Bom Jesus de Piaçabuçu, em Sergipe, no Rio São Francisco.

Atualmente, cresce a demanda social por áreas de beleza natural para serem usufruídas durante as atividades no tempo livre, como o turismo, o lazer e a recreação e os cultos religiosos. Isso tem levado à maior proteção desses locais e a um esforço de compatibilização e convivência entre essas atividades e outras ditas mais produtivas.

A operação dos reservatórios é um instrumento que pode evitar ou prevenir os riscos de conflitos quando acontece um período de seca mais rigorosa. A depender dos critérios usados para  operar os reservatórios, podem acontecer conflitos entre os vários usuários. A retenção pode baixar o nível do rio e inviabilizar a navegação; a liberação para gerar energia elétrica pode prejudicar os usos de lazer e turismo.

Ela precisa ser regulada, liberando ou retendo água, abrindo ou fechando as comportas por questões de segurança, considerando os múltiplos usos. Deve levar em conta, ainda, as perspectivas futuras, para que o reservatório não seque quando acontece um período de seca ou de baixa pluviosidade hipótese em que a crise hídrica deixa de ser apenas uma crise energética para transformar-se numa crise de abastecimento mais ampla.

SEGURANÇA DIANTE DE EVENTOS CRÍTICOS

 Maurício Andrés Ribeiro



 

“Era uma vez três porquinhos que viviam com a sua mãe.

Um dia ela lhes disse:

– Filhos, vocês têm que construir as suas casas.

O porquinho pequeno era trabalhado
r, o do meio

era trapalhão e o maior era preguiçoso.

O preguiçoso fez a casa de palha para ser rápido.

O do meio fez a casa de madeira. O mais novo

fez a sua com cimento e tijolos. Um dia, o lobo

mau derrubou com um sopro a casa do mais velho

e com outro sopro a casa do porquinho do meio.

Amedrontados, eles correram para a casa do irmão

mais novo. O lobo soprava e soprava, mas a casa

era forte e ele não conseguiu derrubá-la.

Os porquinhos ficaram felizes e fizeram uma festa.”

 

O lobo mau das crises climáticas exige reforços na construção e edificação de obras de infraestrutura, para que elas resistam aos sopros fortes dos eventos críticos relacionados com a escassez ou o excesso de água.

Frei Rosário, que viveu durante décadas no alto da Serra da Piedade, em Minas Gerais, região sujeita a fortes ventanias, tinha uma postura firme em relação às questões de segurança nas obras desse local. Ele sempre reforçava as estruturas das edificações com ferros que garantissem uma segurança extra, tal como se usava nas catedrais góticas da Idade média. Ele referia-se a esse reforço como o coeficiente monástico. Um reforço na segurança  das construções será valioso nos tempos que virão, nos quais eventos críticos ocorrerão com maior intensidade e frequência. Utilizar o coeficiente monástico e reforçar as estruturas para resistirem a tempestades é uma medida de prudência; as normas de edificação precisam ser revistas. Estruturas mais fortes resistem à força do sopro do lobo mau das emergências climáticas.

Nos anos recentes, a crise hídrica chegou às áreas mais urbanizadas, densamente povoadas e industrializadas do país e acendeu-se uma luz de alerta sobre o tema.

No mundo contemporâneo a água se tornou um tema vital que afeta a segurança, a saúde, a economia, a moradia, o dia a dia das pessoas.

Cada setor de atividade precisará se adaptar: assim, as estruturas construídas em regiões costeiras evitarão áreas de alto risco; os lugares costeiros propensos a danos por tempestades podem ser usados para recreação ou conservação e serem mantidos sem edificações.

Os eventos críticos colocam em destaque o tema da segurança hídrica, que envolve a garantia do abastecimento e a redução da exposição a riscos oriundos desses eventos.

Por meio de trabalho coordenado e planejado é possível reduzir os danos causados por esses problemas. Algumas formas de prevenir as consequências críticas dos desastres são a previsão do tempo detalhada localmente; ações da Defesa Civil, com alertas e medidas mitigadoras; comunicação à população para entender as mensagens de alerta e nelas confiar, agindo de forma a reduzir danos; elaboração de planos anuais de prevenção de desastres; bem como a ação participativa e com alto conteúdo técnico na operação de reservatórios. A coordenação é essencial em momentos de crises e na sua prevenção.

 

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2023

Ecologizar a defesa

Maurício Andrés Ribeiro

Porta aviões São Paulo no Livro Branco da defesa, de 2012.

Em janeiro de 2023, portaria do Ministério da Defesa criou grupo de trabalho para atualizar o Livro Branco de Defesa Nacional. Ele contêm a visão de defesa que o país  adotará no próximo quadriênio. Também se propõe a estimular a discussão pela sociedade sobre a defesa e  promover o conhecimento sobre ela pelas nações vizinhas, evitando conflitos e construindo confiança mútua.

É bem vinda a iniciativa de atualizar o livro branco da defesa, de 2012, pois nessa década muito evoluiu na consciência sobre as questões  de defesa e de segurança. Uma visão integrada e holística das questões da defesa considera duas componentes: a defesa militar contra agressões armadas vindas do exterior; e a defesa civil, que inclui a segurança interna e a  defesa econômica e cultural.

A versão do livro elaborada há uma década não valorizou questões climáticas, ecológicas e ambientais, que foram mencionadas  apenas superficialmente.

O ambiente estratégico no século XXI precisa incorporar  as ameaças globais climáticas  capazes  de afetar profundamente a economia e a sociedade. No século XXI avolumam-se ameaças e riscos à defesa nacional de natureza distinta das que existiram em séculos anteriores.

Uma foto do navio aeródromo São Paulo abre o seu capítulo 2, sobre o ambiente estratégico no século XXI. Essa foto revela a necessidade da atualização conceitual, pois esse porta-aviões foi afundado em 2023 no oceano Atlântico com toneladas de amianto.

No capitulo 4, sobre Defesa e sociedade relacionam-se ações subsidiárias e complementares de contribuições para o  desenvolvimento nacional e a defesa civil, que precisam ser mais valorizadas.

Caso a minuta do novo livro branco da defesa venha a ser compartilhada amplamente, e sua elaboração for aberta para a participação e sugestões da sociedade, ele passará a ter uma melhor sintonia com os anseios e necessidades percebidas socialmente. O componente não militar da defesa poderá ser mais valorizado.

A sociedade brasileira precisa reconhecer a importância dos assuntos da defesa, incluindo a defesa não militar contra a insegurança climática ecológica, ambiental e hídrica.

Em cada um des seus capítulos, o livro branco de defesa  é passível de ser ecologizado, ou seja, de valorizar e reconhecer os novos riscos e ameaças. O conceito e as dimensões da segurança precisam ser ecologizados, para que a estratégia de defesa seja abrangente. Do mesmo modo, o livro precisa incorporar a avaliação do ciclo de vida da infra estrutura, instalações e equipamentos utilizados na defesa, do seu design até o seu descarte final, para evitar que em qualquer das etapas desse ciclo de vida provoquem impactos ambientais negativos.

As  tecnologias, recursos e orçamento para a defesa precisam priorizar esses enfoques. É desejável que a  formação da consciência dos profissionais da área da defesa nos institutos, academias e escolas adote uma abordagem integrada e holística da questão. Nos inúmeros centros de formação, a ecologização dos currículos e das disciplinas precisa assumir papel de destaque, para que os jovens profissionais tenham consciência clara sobre esses temas emergentes.

A defesa precisa ser transformada a partir desses novos conceitos de segurança e de riscos. O orçamento e a economia da defesa precisam refletir esse entendimento atualizado. Desse modo o livro branco da defesa estará sintonizado com os reais problemas presentes no século XXI.

 

quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

ÁREAS ÚMIDAS

 


Maurício Andrés Ribeiro 

Brejos, veredas, pântanos, charcos, várzeas inundáveis, leitos de inundação de rios são alguns dos tipos de áreas úmidas existentes. Elas têm importante papel para a vida e oferecem serviços ecológicos, como pontos de parada de aves migratórias e outras espécies. Em geral situadas em  áreas planas e em lugares mais baixos, elas recebem as águas que drenam das partes mais altas das bacias hidrográficas em que se localizam.  Em geral são ambientes com águas em movimento lento ou quase parado, propício como berçários para diversas formas de vida. As áreas úmidas contêm 2,6% do total das águas doces na superfície no planeta e tem um papel biológico relevante como sítios de reprodução de espécies. Elas podem ser de pequeno, médio ou grande porte.


Os sítios Ramsar (Ramsar é a cidade no Irã onde se aprovou a convenção internacional sobre o tema, da qual o Brasil e signatário desde 1996) são as zonas úmidas classificadas como de importância ecológica internacional, reconhecidas como merecedoras de proteção. No Brasil, o Comitê Nacional de Zonas Úmidas  (CNZU) classificou  áreas  em parques nacionais e estaduais, reservas biológicas, estações ecológicas, áreas de proteção ambiental. O Pantanal mato-grossense é uma das mais conhecidas.

Como os pântanos e charcos se associam áreas pouco salubres onde proliferam vetores de doenças, são frequentes os movimentos para eliminá-los.

Intervenções humanas sobre as áreas úmidas, visando seu aproveitamento econômico imediato e para expandir os terrenos para produção agrícola e para a pecuária, levam a intervenções equivocadas ao não considerarem a importância dessas zonas úmidas. No Brasil, na década dos anos 70, implantou-se um programa denominado Programa nacional para aproveitamento de várzeas irrigáveis - Provárzeas, que drenava as áreas pantanosas para liberá-las para o plantio e uso. Normas que permitem a drenagem de áreas úmidas para viabilizar o seu aproveitamento agrícola continuam a ser adotadas, o que provoca prejuízos e efeitos colaterais indesejáveis.  Para protege-las um pré-requisito é reconhecer e valorizar os serviços ambientais e ecossistêmicos que elas prestam.

 

DRENAGEM

 

Trabalhando na drenagem - Fonte Wikipedia.

Maurício Andrés Ribeiro

Drenar é fazer escoar água, esgotar. A drenagem natural se faz a partir da força da gravidade, pela qual as águas escoam de pontos mais altos para pontos mais baixos de um terreno. Por meio dela as chuvas escorrem pela superfície em enxurradas ou infiltram-se no solo. Solos arenosos ou porosos são mais permeáveis e facilitam a drenagem natural; já os solos argilosos em geral são menos permeáveis. A compactação do solo em estradas, em áreas agrícolas trabalhadas com máquinas pesadas e sua cobertura com asfalto ou cimento também o tornam impermeável, dificultam a infiltração de água de chuva e aumentam as enxurradas.

Terrenos acidentados e com alta declividade permitem o escoamento mais rápido de água. Dependendo da força das enxurradas, há erosão e carreamento de solos. Terrenos planos nas partes baixas, áreas úmidas, pântanos, várzeas, terrenos em fundos de vales são o destino dessas águas.  Quando não se valorizam os serviços ambientais prestados por essas áreas, são propostas e realizadas drenagens, para  aproveitar economicamente esses espaços. Há danos ecológicos e prejuízos econômicos, quando os leitos de inundação dos rios são ocupados e as águas extravasam.

Nas áreas rurais, a construção de barraginhas e de drenos em curvas de nível  ajudam a reter água de enxurradas e a fazê-las infiltrar nos solos. Em ambientes urbanos, é frequente se construírem soluções de engenharia tais como redes de drenagem, piscinões, jardins filtrantes, pavimentação  permeável, para regular a drenagem e reduzir riscos de cheias.

Planos diretores, planos de saneamento local e planos de drenagem são alguns dos instrumentos de que dispõe o município para lidar com a drenagem e as inundações que trazem prejuízos.  

Alagamentos frequentemente são de curta duração. Acontecem durante um pico de chuva e em pouco tempo vão embora, deixando um rastro de destruição. Um padrão de uso do solo que evite a pavimentação impermeável numa grande superfície reduz riscos de enchentes.

A micro drenagem difusa e descentralizada no território da bacia hidrográfica permite que a água se infiltre no solo mais poroso.

Jardins filtrantes distribuídos no território prestam esse serviço de infiltração. Isso reduz a necessidade de construir piscinões ou grandes reservatórios para armazenar a água durante os períodos de pico de cheias.

No que se refere à ocupação do solo, leis urbanísticas em várias cidades não permitem índices excessivos de impermeabilização dos terrenos, que agravem inundações. Esse tema é de difícil fiscalização, já que um proprietário de terreno, depois de conseguido o alvará de construção, pode cimentar até 100% da área. Mas existem meios, por fotointerpretação, de identificar os índices de impermeabilização.

As enchentes urbanas têm uma componente climática, que é associada ao aumento das chuvas e uma componente não climática, como, por exemplo, o entupimento de redes de drenagem pelo lixo ou o escoamento superficial aumentado devido à impermeabilização dos solos.

A capacidade de escoamento da rede de águas pluviais é dimensionada conforme o tempo de recorrência das chuvas isto é, o tempo em que um volume de chuva alto volta a ocorrer. Quanto maior o tempo de recorrência adotado, maior deve ser a dimensão das redes de drenagem.

A operação e manutenção do serviço de drenagem tem custos que precisam ser recuperados ao longo do tempo. Isso implica em definir uma taxa ou tarifa. Diante disso, há prefeitos que preferem não gerenciar a  drenagem,  porque a disposição a pagar dos contribuintes é baixa e ele pode ter desgastes eleitorais. Isso traz prejuízos materiais, riscos de vida e outros custos.

Nas periferias urbanas de cidades  sensíveis à água, quando novos loteamentos  são desenhados,  o desenho urbanístico precisa considerar a existência de nascentes e córregos. Em cidades pouco sensíveis à água, os parcelamentos do solo maximizam o número de  lotes e não consideram as nascentes, para aumentar os ganhos econômicos. Na busca de lucros, ignoram-se  os prejuízos  ecológicos e hídricos. Pratica-se o desenho ganancioso, sem limites ou cuidados ecológicos.  Manter parques e áreas verdes permeáveis nesses parcelamentos ajuda a reduzir os danos causados por inundações.

Nas cidades brasileiras e nas franjas entre as áreas urbanas e rurais pratica-se uma ocupação irregular em que governos fecham os olhos para práticas de invasores e ocupantes. Posteriormente as condutas passam a ser regularizadas em termos de ajustamento de conduta e as ocupações oferecem algumas compensações, mas os danos ecológicos já foram causados. Os problemas decorrentes de má drenagem, alagamentos, inundações, se multiplicam.

O cuidado com a drenagem é um componente chave das cidades sensíveis à água. Aprender com a natureza os processos da drenagem natural pode inspirar soluções de planejamento urbano que reduzam  os problemas de drenagem em áreas construídas.

 

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2023

O FUTURO DA ÁGUA NA TERRA

Mauricio Andrés Ribeiro 

Em termos de quantidade, a água no planeta Terra não terá grandes variações ao longo do tempo. Pequenas quantidades podem vir  se somar caso um cometa ou um corpo celeste gelado se choque com  a Terra e deixe aqui  a água com que viaja pelo universo. No limite, o futuro da água na Terra é o mesmo do futuro do planeta, quando o Sol se transformar numa estrela gigante vermelha daqui a 4,5 bilhões de anos.

 Num futuro mais próximo  de nós, mas ainda na escala dos ciclos longos e de uma visão macro dos problemas, haverá variações significativas nas quantidades  de água em estado sólido, líquido ou gasoso. Caso o planeta se esquente, haverá menos água em estado sólido, com o derretimento das geleiras e das calotas polares. Haverá mais água em estado líquido, especialmente nos oceanos, cujo nível se elevará. Haverá mais água em estado gasoso, proveniente da evaporação; isso causará mais furacões e tempestades, desastres e catástrofes. Estamos no final de um período interglacial de cerca de 12 mil anos, período em que floresceram muitas civilizações humanas. Caso venha uma nova era glacial, com o esfriamento global, essas proporções se inverterão e as consequências para a sobrevivência da espécie serão desafiadoras. Aqui vale a pena mencionar a quarta fase da água, em estudo, uma fase intermediária entre o líquido e o sólido, uma fase coloidal, um líquido mais denso, presente nos seres vivos. (H3O2).

Num futuro mais imediato, as secas e estiagens trazem escassez de água, com consequências para as atividades humanas. Quando falta, ela se torna um fator que limita as possibilidades de sobrevivência e  de atividades econômicas. Hoje ela já falta para muitas pessoas no mundo e há projeções de que cerca da metade da população do planeta sofrerá com a falta de água própria para seu uso e consumo nas próximas décadas.

Tecnicamente é possível fabricar mais água, com a mistura de moléculas de hidrogênio e de oxigênio, por meio de uma reação explosiva com uma descarga elétrica. Mas trata-se de um processo muito caro e o hidrogênio teria que ser retirado do refino do petróleo. Há técnicas mais baratas de obter água doce limpa e pura, como por exemplo  por meio da dessalinização de água do mar. Uma técnica ainda mais econômica é imitar o processo que a natureza usa para  produzir água limpa, por meio das florestas que permitem que ela infiltre no solo e protegem as nascentes.

É possível amenizar os impactos da falta de água por meio de tecnologias que reduzem o seu  desperdício e mau uso. Cultivar no deserto é possível com o uso de tecnologias adequadas.

No futuro, água limpa e pura tende a se tornar mais cara. Ela não se encontra mais em quantidade na natureza, como no tempo em que Pero Vaz de Caminha escreveu sua famosa carta ao rei de Portugal dizendo que águas são muitas, infindas.

 O futuro da água no planeta Terra é estável. Mas é incerto o futuro da água acessível aos terráqueos para proporcionar-lhes vida saudável e bem estar, com baixo custo. Isso dependerá da sabedoria e da hidroconsciência para se relacionar bem com ela, desenvolver a ciência para melhor compreendê-la,
protegê-la, preservar nascentes naturais, evitar desperdícios, desenvolver novas tecnologias para dessalinização e obtenção de água potável e gerenciar integralmente o seu ciclo.