segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

ÁGUA E ESPIRITUALIDADE

 

                                                           No princípio, criou Deus os céus e a terra.                                                     A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.

                                              O livro do Gênesis

 

A água desempenha um papel central em diversas tradições espirituais e religiosas, simbolizando purificação, renovação, vida, fertilidade e conexão com o sagrado.

A visão utilitária dominante na atual economia difere do passado, quando a água era considerada sagrada. Tinha um conteúdo simbólico e havia encantamento em sua contemplação. Era importante cuidar desse patrimônio e protegê-lo diante da voracidade do uso e do consumo. Poetas, artistas e místicos preservam essa maneira de se relacionar com ela, além de cientistas que têm uma cosmovisão mais integral da evolução. 

A espiritualidade intui que existem dimensões suprarracionais da consciência, não detectadas pelos meios apenas racionais ou intelectuais.  Para que a água seja mais bem cuidada e percebida além de seus aspectos econômicos, ecológicos e culturais, uma campanha procura revalorizar a sua  dimensão espiritual.

Ela é símbolo de fertilidade e fecundidade. O dicionário de símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant afirma que “A noção de águas primordiais, de oceano das origens, é quase universal.”

Na mitologia, representa poderes purificadores e sagrados. Povos indígenas e culturas ancestrais demonstravam reverência por ela em suas tradições e utilizam a água em rituais de cura e celebração da natureza, frequentemente realizados em rios e lagos

Ela foi sagrada em muitas civilizações, como origem, veículo e fonte de vida e teve lugar de relevo: no Egito, foi Osíris, deusa do rio Nilo; na Grécia antiga, era Afrodite, nascida da espuma do mar; em Roma foi Netuno, deus dos oceanos.

A água, como elemento universal, transcende fronteiras culturais e religiosas, atuando como um símbolo de vida, transformação e espiritualidade em praticamente todas as tradições humanas.

No Cristianismo ela simboliza a purificação, renascimento e graça divina. A água aparece em histórias bíblicas, como o dilúvio de Noé, a travessia do Mar Vermelho e o batismo de Jesus no rio Jordão. O batismo na água benta é um dos rituais cristãos. Na Bíblia, os poços no deserto e as fontes que matam a sede são lugares de alegria e encantamento.  “Junto das fontes e dos poços acontecem os encontros essenciais. Como lugares sagrados, os pontos de água têm papel essencial: perto deles nasce o amor e os casamentos principiam.” (Dicionário dos Símbolos). Procissões e rituais religiosos frequentemente envolvem rios e fontes, como o Círio de Nazaré em Belém.

No Islamismo ela é símbolo de pureza e preparação espiritual. O Alcorão enfatiza a importância da água como um presente de Alah para sustentar a vida e a água-benta que cai do céu é um dos signos divinos. A Abolição (Wudu e Ghusl) é a lavagem ritual do corpo antes das orações ou após estados de impureza. A prece ritual não pode ser cumprida a não ser que aquele que reza se coloque em estado de pureza.



Sadhu na margem do rio Ganges em Rishikesh.

No Hinduísmo ela é símbolo de pureza, regeneração e conexão espiritual. Na tradição hindu há rios sagrados, como o Ganges. Ela é matéria prima: ‘tudo era água’.  Brahmanda, o ovo do mundo, é chocado à sua superfície. A agenda espiritual da água é relevante na Índia, pois vários rios, lagos, encontros de águas, são considerados sagrados e ali se realizam banhos purificadores.


Símbolos religiosos hindus. rio Kaveri, no sul da Índia.

A relação dos indianos com a água apresenta forte fator espiritual, já que ela é considerada sagrada e presta-se a usos devocionais para milhões de pessoas. Tal relação de proximidade é um fator adicional que demanda ações de saneamento, para que a água não se torne um risco à saúde pública.  Encontram-se poluídos rios sagrados tais como o Ganges, o Yamuna e encontros de águas usados para o banho purificador de milhões de devotos. O Rio Ganges é personificado como a deusa Ganga. Pratica-se o derramamento de água sobre ídolos ou devotos como ato de adoração.

No Budismo ela é símbolo de serenidade, pureza e renovação espiritual. A água representa as emoções, associada à mente em equilíbrio. Há cerimônias de aspersão de água e ritos funerários.

No Judaísmo ela simboliza a purificação, renovação e conexão com Deus. A água tem destaque no Tanakh (Bíblia Hebraica) como fonte de vida e meio de purificação.  Na Tradição Judaica, a água sensível é mãe e matriz.  Fonte de todas as coisas, ela simboliza o transcendente. Pratica-se o Mikvá: banho ritual em águas naturais para purificação espiritual. Nas Escrituras há histórias como a travessia do Mar Vermelho e as águas da criação.

Nas religiões africanas tradicionais ela é símbolo de fertilidade, cura e conexão espiritual. A água é muitas vezes considerada a morada de espíritos e deidades. Na Umbanda e no Candomblé, a água tem papel sagrado, especialmente associada aos orixás ligados às águas, Oxum (rios) e Nanã (lagos e pântanos). A Festa de Iemanjá celebra o mar como fonte de vida e espiritualidade e à fertilidade. Usam-se as águas de rios e mares para oferendas e rituais de purificação.


Pórtico do artista Jorge dos Anjos e estátua de homenagem a Iemanjá na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte.

No Taoísmo é um símbolo de flexibilidade, força e harmonia. A água é considerada um dos elementos mais poderosos por sua capacidade de adaptação, fluidez e persistência. Lao Tzu, no Tao Te Ching, compara a virtude suprema ao comportamento da água, que beneficia a todos sem discriminação.  Já a tradição chinesa a vê como instrumento da purificação ritual: “A água é o emblema da suprema virtude”, diz Lao-Tse no Tao Te Ching. Ela é o símbolo da sabedoria taoísta, pois não há obstáculos que a detenham. Oposta ao fogo (yang), ela é yin, feminina.

Nas religiões nórdicas e celtas, simboliza fertilidade, mistério e conexão com o divino. Havia rituais de oferendas em fontes sagradas e lagos. A mitologia nórdica menciona o "poço de Mimir", uma fonte de sabedoria profunda.

Nas espiritualidades modernas e novas religiões é considerada um elemento de cura, renovação e conexão com a natureza. Movimentos ecoespirituais destacam a importância da água na preservação ambiental e como símbolo da interconectividade planetária. Usa-se a água em práticas holísticas, como banhos terapêuticos ou em meditações aquáticas. Cerimônias de proteção ou gratidão envolvem corpos d'água.

Nas tradições espirituais, a diferença entre conhecimento e sabedoria geralmente está relacionada à profundidade da compreensão e à forma como ela é aplicada na vida prática e espiritual. Nas tradições espirituais, a sabedoria é considerada superior, pois é o que realmente leva à iluminação, à realização ou à conexão com o divino.

O conhecimento é o fundamento inicial: teórico e acumulativo de informações, fatos, doutrinas ou conceitos relacionados a ensinamentos espirituais. Envolve aprendizado intelectual e teórico. Geralmente é adquirido por meio de estudo, reflexão, leitura de textos sagrados, participação em ensinamentos ou prática ritualística. É racional, objetivo e ligado ao entendimento lógico. Exemplo: conhecer as escrituras religiosas, como os Vedas, a Bíblia, o Alcorão ou o Tao Te Ching, e entender seus ensinamentos teóricos.

A sabedoria é a meta final: prática, experiencial e transformadora do conhecimento em ações, atitudes e na visão da vida. Envolve vivência direta e integração com a realidade espiritual. Ela surge da prática, da experiência pessoal e da introspecção, levando à percepção de verdades universais. É intuitiva, subjetiva e transcendente, conectada ao coração e à essência espiritual. Exemplo: viver os princípios das escrituras, como amor, compaixão e desapego, de forma autêntica e espontânea.

A diferença essencial entre esses dois aspectos é que o conhecimento é saber algo em nível intelectual; sabedoria é ser ou viver esse algo. Enquanto o conhecimento pode ser ensinado ou transmitido, a sabedoria é desenvolvida por meio da experiência espiritual direta.

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