No princípio, criou Deus os céus e a terra.
A terra, porém, estava sem forma e vazia; havia trevas sobre a face do
abismo, e o Espírito de Deus pairava por sobre as águas.
O livro do Gênesis
A água desempenha um papel central em diversas tradições
espirituais e religiosas, simbolizando purificação, renovação, vida,
fertilidade e conexão com o sagrado.
A visão utilitária dominante na atual economia difere do
passado, quando a água era considerada sagrada. Tinha um conteúdo simbólico e
havia encantamento em sua contemplação. Era importante cuidar desse patrimônio
e protegê-lo diante da voracidade do uso e do consumo. Poetas, artistas e
místicos preservam essa maneira de se relacionar com ela, além de cientistas
que têm uma cosmovisão mais integral da evolução.
A espiritualidade intui que existem dimensões
suprarracionais da consciência, não detectadas pelos meios apenas racionais ou
intelectuais. Para que a água seja mais
bem cuidada e percebida além de seus aspectos econômicos, ecológicos e
culturais, uma campanha procura revalorizar a sua dimensão
espiritual.
Ela é símbolo de fertilidade e fecundidade. O dicionário de
símbolos de Jean Chevalier e Alain Gheerbrant afirma que “A noção de águas
primordiais, de oceano das origens, é quase universal.”
Na mitologia, representa poderes purificadores e sagrados.
Povos indígenas e culturas ancestrais demonstravam reverência por ela em suas
tradições e utilizam a água em rituais de cura e celebração da natureza,
frequentemente realizados em rios e lagos
Ela foi sagrada em muitas civilizações, como origem, veículo
e fonte de vida e teve lugar de relevo: no Egito, foi Osíris, deusa do rio
Nilo; na Grécia antiga, era Afrodite, nascida da espuma do mar; em Roma foi
Netuno, deus dos oceanos.
A água, como elemento universal, transcende fronteiras culturais e religiosas, atuando como um símbolo de vida, transformação e espiritualidade em praticamente todas as tradições humanas.
No Cristianismo ela simboliza a purificação, renascimento e graça divina. A água aparece em
histórias bíblicas, como o dilúvio de Noé, a travessia do Mar Vermelho e o
batismo de Jesus no rio Jordão. O batismo
na água benta é um dos rituais cristãos. Na Bíblia, os poços no deserto
e as fontes que matam a sede são lugares de alegria e encantamento. “Junto das fontes e dos poços acontecem os
encontros essenciais. Como lugares sagrados, os pontos de água têm papel essencial:
perto deles nasce o amor e os casamentos principiam.” (Dicionário dos Símbolos).
Procissões e rituais religiosos frequentemente envolvem rios e fontes, como o Círio de Nazaré em Belém.
No Islamismo ela é
símbolo de pureza e preparação espiritual. O Alcorão enfatiza a importância da
água como um presente de Alah para sustentar a vida e a água-benta que cai do
céu é um dos signos divinos. A Abolição
(Wudu e Ghusl) é a lavagem ritual do corpo antes das orações ou após
estados de impureza. A prece ritual não pode ser cumprida a não ser que aquele
que reza se coloque em estado de pureza.
Sadhu na margem do rio Ganges em Rishikesh.
No Hinduísmo ela é símbolo de pureza, regeneração e conexão
espiritual. Na tradição hindu há rios sagrados, como o Ganges. Ela é matéria
prima: ‘tudo era água’. Brahmanda, o ovo
do mundo, é chocado à sua superfície. A agenda espiritual da água é relevante
na Índia, pois vários rios, lagos, encontros de águas, são considerados
sagrados e ali se realizam banhos purificadores.
Símbolos religiosos hindus. rio Kaveri, no sul da Índia.
A relação dos indianos com a água apresenta forte fator
espiritual, já que ela é considerada sagrada e presta-se a usos devocionais
para milhões de pessoas. Tal relação de proximidade é um fator adicional que
demanda ações de saneamento, para que a água não se torne um risco à saúde
pública. Encontram-se poluídos rios
sagrados tais como o Ganges, o Yamuna e encontros de águas usados para o banho
purificador de milhões de devotos. O Rio Ganges é personificado como a deusa
Ganga. Pratica-se o derramamento de água sobre ídolos ou devotos como ato de
adoração.
No Budismo ela é símbolo de serenidade, pureza e renovação
espiritual. A água representa as emoções, associada à mente em equilíbrio. Há cerimônias de aspersão de água e ritos funerários.
No Judaísmo ela simboliza a purificação, renovação e conexão
com Deus. A água tem destaque no Tanakh (Bíblia Hebraica) como fonte de vida e
meio de purificação. Na Tradição
Judaica, a água sensível é mãe e matriz.
Fonte de todas as coisas, ela simboliza o transcendente. Pratica-se o Mikvá:
banho ritual em águas naturais para purificação espiritual. Nas Escrituras há
histórias como a travessia do Mar Vermelho e as águas da criação.
Nas religiões africanas tradicionais ela é símbolo de fertilidade, cura e conexão espiritual. A água é muitas vezes considerada a morada de espíritos e deidades. Na Umbanda e no Candomblé, a água tem papel sagrado, especialmente associada aos orixás ligados às águas, Oxum (rios) e Nanã (lagos e pântanos). A Festa de Iemanjá celebra o mar como fonte de vida e espiritualidade e à fertilidade. Usam-se as águas de rios e mares para oferendas e rituais de purificação.
Pórtico do artista Jorge dos Anjos e estátua de homenagem a Iemanjá na Lagoa da Pampulha em Belo Horizonte.
No Taoísmo é um símbolo de flexibilidade, força e harmonia.
A água é considerada um dos elementos mais poderosos por sua capacidade de
adaptação, fluidez e persistência. Lao Tzu, no Tao Te Ching, compara a virtude suprema ao comportamento da água,
que beneficia a todos sem discriminação.
Já a tradição chinesa a vê como instrumento da purificação ritual: “A água é o emblema da suprema virtude”, diz
Lao-Tse no Tao Te Ching. Ela é o símbolo da sabedoria taoísta, pois não há
obstáculos que a detenham. Oposta ao fogo (yang),
ela é yin, feminina.
Nas religiões nórdicas e celtas, simboliza fertilidade,
mistério e conexão com o divino. Havia rituais de oferendas em fontes sagradas
e lagos. A mitologia nórdica menciona o "poço de Mimir", uma fonte de
sabedoria profunda.
Nas espiritualidades modernas e novas religiões é
considerada um elemento de cura,
renovação e conexão com a natureza. Movimentos ecoespirituais destacam a
importância da água na preservação ambiental e como símbolo da
interconectividade planetária. Usa-se a água em práticas holísticas, como
banhos terapêuticos ou em meditações aquáticas. Cerimônias de proteção ou
gratidão envolvem corpos d'água.
Nas tradições espirituais, a diferença entre conhecimento e sabedoria geralmente está relacionada à profundidade da compreensão
e à forma como ela é aplicada na vida prática e espiritual. Nas tradições
espirituais, a sabedoria é considerada superior, pois é o que realmente leva à
iluminação, à realização ou à conexão com o divino.
O conhecimento é o fundamento inicial: teórico e
acumulativo de informações, fatos, doutrinas ou conceitos relacionados a
ensinamentos espirituais. Envolve aprendizado intelectual e teórico. Geralmente
é adquirido por meio de estudo, reflexão, leitura de textos sagrados,
participação em ensinamentos ou prática ritualística. É racional, objetivo e
ligado ao entendimento lógico. Exemplo:
conhecer as escrituras religiosas, como os Vedas, a Bíblia, o Alcorão ou o Tao
Te Ching, e entender seus ensinamentos teóricos.
A sabedoria é a meta final: prática, experiencial e transformadora do
conhecimento em ações, atitudes e na visão da vida. Envolve vivência direta e
integração com a realidade espiritual. Ela surge da prática, da experiência
pessoal e da introspecção, levando à percepção de verdades universais. É
intuitiva, subjetiva e transcendente, conectada ao coração e à essência
espiritual. Exemplo: viver os
princípios das escrituras, como amor, compaixão e desapego, de forma autêntica
e espontânea.
A diferença
essencial entre esses dois aspectos é que o
conhecimento é saber algo em nível
intelectual; sabedoria é ser ou viver esse algo. Enquanto o conhecimento pode ser ensinado ou
transmitido, a sabedoria é desenvolvida por meio da experiência espiritual
direta.
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