A palavra água vem de origem latina (aqua), que originou palavras como aquário, aquático, aquoso etc. Palavras que designam lugares batizados pelos povos originários têm a partícula í , que se refere à água: Itororó é bica d’água; Pitangui, rio das crianças; Itamaraty, água entre pedras soltas; igarapé é caminho das canoas.
Muitas palavras em português se compõem com origens no grego: logos (estudo científico); nomos (lei ou regra); grafos (escrita); sofia (sabedoria). O vocábulo grego hidro designa a água. Dessa combinação derivam os vocábulos hidrologia, hidrografia, hidrometria, hidroponia, hidrofilia, hidrofobia, cada qual com seus significados. A hidrofobia (sinal diagnóstico da raiva nos animais mamíferos, inclusive no homem) é uma doença viral aguda e mortal. A hidrofilia caracteriza as moléculas que têm afinidade com a água. Outras palavras podem ser compostas, em neologismos que servem para designar realidades e ideias ainda sem nome: hidrosofia, por exemplo.
Em sua origem no grego a palavra "Hidrosofia” significa sabedoria sobre a água (hidro - água; sofia - saber). Na Grécia Antiga era conhecida como Sofia a Deusa da sabedoria, da estratégia e da justiça.
A palavra não é amplamente utilizada em áreas acadêmicas e científicas, praticamente não existe quando se faz uma busca no Google ou em programas de inteligência artificial. Até o momento o vocábulo hidrosofia foi usado apenas para fazer a publicidade de uma combinação de nutrientes num copo d’água que teria o poder de fazer bem à saúde; numa obra de arte de um designer intitulada hydrosophy; e num jogo eletrônico. [1]
Hidrosofia: essa palavra que ainda não existe nos dicionários significa a sabedoria sobre a água. Tem um significado mais amplo e abrange um campo maior do que a hidrologia, o estudo científico da água.
Os espelhos d’água em áreas urbanas são lugares de descanso e meditação.
Enquanto a hidrologia busca entender a água como fenômeno natural, a hidrosofia procura entender nossa relação com a água. Ambas
são essenciais para enfrentar os desafios globais relacionados à água de
maneira integrada. A diferença entre Hidrosofia
e Hidrologia está na natureza e no
propósito de cada abordagem, pois elas se referem a campos distintos, mas
complementares, de compreensão das águas. A hidrosofia abarca o conhecimento geral e não
apenas aquele produzido e comunicado por especialistas. Inclui além do conhecimento científico, outros modos de conhecer e
de saber. Embora distintas, Hidrosofia e Hidrologia podem se complementar. A Hidrologia
fornece os dados e as ferramentas científicas necessárias para compreender os
sistemas hídricos. A Hidrosofia ajuda a contextualizar esses conhecimentos em uma
perspectiva ética e cultural, orientando a tomada de decisões para um uso mais
sábio e harmonioso das águas.
Diferenças
Fundamentais entre Hidrosofia e Hidrologia
Aspecto
|
Hidrosofia
|
Hidrologia
|
Natureza
|
Filosófica e
ética
|
Científica e técnica
|
Método
|
Reflexivo,
simbólico, cultural
|
Experimental, analítico e matemático
|
Objetivo
|
Promover
consciência, respeito
|
Solucionar
problemas técnicos e entender fenômenos naturais
|
Foco
|
Relação
humana-água
|
Comportamento
físico da água
|
Aplicação
|
Ética
ambiental, educação, artes
|
Gestão
hídrica, infraestrutura, previsão de desastres
|
A Hidrosofia é um
conceito mais recente e filosófico, que se refere à sabedoria das águas. Promove uma visão holística, conectando
aspectos ecológicos, éticos, culturais e espirituais da água. Não se limita ao
aspecto técnico ou científico, mas busca integrar valores, significados e
práticas para um relacionamento mais respeitoso e sustentável com as águas. Tem
como objetivo sensibilizar para a
importância da água como um elemento vital e sagrado, inspirando atitudes mais
conscientes e éticas em sua gestão e uso. É transdisciplinar e envolve filosofia, ética, antropologia, espiritualidade e artes.
Promove reflexões sobre o papel simbólico dos rios em diferentes culturas e
como isso pode influenciar práticas de conservação. Se não existe no
vocabulário corrente, já acontecem na vida prática e no mundo real diversas
situações em que a água é compreendida e cuidada com sabedoria, seja entre os
povos ancestrais que a sacralizam, seja em boas práticas contemporâneas.
A água merece ser vista a partir de diversos ângulos e de
diversos campos do conhecimento humano, tais como as ciências, as artes, as
tradições espirituais e sapienciais, a intuição e as filosofias. Complementarmente, eles contribuem
para construir uma abordagem
holística, numa variedade de modos de se abordar o tema: do teórico ao
prático, do abstrato ao conceitual, num mosaico de percepções.
Na hidrosofia, os seres humanos
são vistos como parte integrante do ciclo da água que circula por seus corpos.
A água deixa de ser vista como um objeto externo ao corpo e passa a ser
percebida como parte do sujeito que pensa sobre ela e a sente. O ser humano - corpo, mente, emoções, espírito e alma - é
visto de forma integrada com os processos globais. Restabelecem-se os vínculos de comunhão entre o homo
sapiens sapiens (o ser que sabe que sabe) e a água.
De onde vem a sabedoria do homo sapiens? Os dados coletados, a informação que é
elaborada a partir deles, o conhecimento de como usar com prudência essas
informações podem ser importantes e necessários, porém não são suficientes para
criar uma relação sábia do homo sapiens com a água. Em
meio ao excesso de dados, informações, conhecimentos técnicos e científicos
procura-se alcançar a sabedoria hidrológica. Ela é uma sabedoria que permita
discernir para extrair da natureza o que é necessário para sustentar a vida e
ao mesmo tempo garantir as normas, regras e prioridades que não prejudiquem a
integridade dos ecossistemas e dos hidrossistemas. A intuição, o insight
e as revelações surgem muitas vezes por meio da conexão direta com uma
sabedoria universal existente na natureza, captada pelas antenas da percepção e
da consciência humana.
A hidrosofia ultrapassa o
racionalismo, o intelectualismo e o cientificismo, que não têm sido capazes de
evitar a exaustão das águas e os maus tratos que recebe na abordagem
estritamente utilitarista. Ela se abre em direção à experimentação comunitária
e social, compreendendo a metamorfose que está em curso no planeta. De
certo modo a hidrosofia resgata as relações com a água desenvolvidas por alguns
povos originários, como os maoris na Nova Zelândia, que a consideravam sagrada
e um ente que não é apenas um objeto, mas uma pessoa.
Abordar a água pelo ângulo da hidrosofia abre o olhar para
outras dimensões e modelos mentais e para outras possibilidades de lidar e se
relacionar com ela de modo amigável, harmonioso e orgânico.
Quando se consolidar como um
campo dos saberes, a hidrosofia catalisará os movimentos na busca de uma
hidrologia integral e transdisciplinar.
Nesse sentido, a hidrosofia é uma virtualidade, uma meta, um
objetivo a ser buscado e alcançado, por meio de uma abordagem que faça uso dos
grandes modos de apreensão da realidade: a cultura, as artes, as ciências, as
filosofias e as tradições sapienciais ou espirituais.
[1] No jogo Divinity:
Original Sin 2. "Hydrosofista" se refere a uma habilidade de
personagens que utilizam poderes de cura e controle da água. Nesse jogo as
habilidades hidrosóficas são magias que envolvem controle de elementos
aquáticos para curar aliados ou afetar o terreno ao redor. São habilidades
usadas para apoiar a equipe de jogo por meio de cura e mitigação de efeitos
negativos.
Um comentário:
Que texto importante, Mauricio! Adorei!
Postar um comentário