segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

HIDROSOFIA

 

A palavra água vem de origem latina (aqua), que originou palavras como aquário, aquático, aquoso etc. Palavras que designam lugares batizados pelos povos originários têm a partícula í , que se refere à água: Itororó é bica d’água; Pitangui, rio das crianças; Itamaraty, água entre pedras soltas; igarapé é caminho das canoas.

 Muitas palavras em português se compõem com origens no grego: logos (estudo científico); nomos (lei ou regra); grafos (escrita); sofia (sabedoria). O vocábulo grego hidro designa a água. Dessa combinação derivam os vocábulos hidrologia, hidrografia, hidrometria, hidroponia, hidrofilia, hidrofobia, cada qual com seus significados. A hidrofobia (sinal diagnóstico da raiva nos animais mamíferos, inclusive no homem) é uma doença viral aguda e mortal. A hidrofilia caracteriza as moléculas que têm afinidade com a água.  Outras palavras podem ser compostas, em neologismos que servem para designar realidades e ideias ainda sem nome: hidrosofia, por exemplo.

Em sua origem no grego a palavra "Hidrosofia” significa sabedoria sobre a água (hidro - água; sofia - saber).  Na Grécia Antiga era conhecida como Sofia a Deusa da sabedoria, da estratégia e da justiça.

A palavra não é amplamente utilizada em áreas acadêmicas e científicas, praticamente não existe quando se faz uma busca no Google ou em programas de inteligência artificial. Até o momento o vocábulo hidrosofia foi usado apenas para fazer a publicidade de uma combinação de nutrientes num copo d’água que teria o poder de fazer bem à saúde; numa obra de arte de um designer intitulada hydrosophy; e num jogo eletrônico. [1]

Hidrosofia: essa palavra que ainda não existe nos dicionários significa a sabedoria sobre a água. Tem um significado mais amplo e abrange um campo maior do que a hidrologia, o estudo científico da água. 


Os espelhos d’água em áreas urbanas são lugares de descanso e meditação.


Enquanto a hidrologia busca entender a água como fenômeno natural, a hidrosofia procura entender nossa relação com a água. Ambas são essenciais para enfrentar os desafios globais relacionados à água de maneira integrada. A diferença entre Hidrosofia e Hidrologia está na natureza e no propósito de cada abordagem, pois elas se referem a campos distintos, mas complementares, de compreensão das águas. A hidrosofia abarca o conhecimento geral e não apenas aquele produzido e comunicado por especialistas. Inclui além do conhecimento científico, outros modos de conhecer e de saber. Embora distintas, Hidrosofia e Hidrologia podem se complementar. A Hidrologia fornece os dados e as ferramentas científicas necessárias para compreender os sistemas hídricos. A Hidrosofia ajuda a contextualizar esses conhecimentos em uma perspectiva ética e cultural, orientando a tomada de decisões para um uso mais sábio e harmonioso das águas.

Diferenças Fundamentais entre Hidrosofia e Hidrologia

Aspecto

Hidrosofia

Hidrologia

Natureza

Filosófica e ética

   Científica e técnica

Método

Reflexivo, simbólico,  cultural

 Experimental, analítico e matemático

Objetivo

Promover consciência,  respeito

Solucionar problemas técnicos e entender fenômenos naturais

Foco

Relação humana-água

Comportamento físico da água

Aplicação

Ética ambiental, educação, artes

Gestão hídrica, infraestrutura, previsão de desastres

 

A Hidrosofia é um conceito mais recente e filosófico, que se refere à sabedoria das águas. Promove uma visão holística, conectando aspectos ecológicos, éticos, culturais e espirituais da água. Não se limita ao aspecto técnico ou científico, mas busca integrar valores, significados e práticas para um relacionamento mais respeitoso e sustentável com as águas. Tem como objetivo sensibilizar para a importância da água como um elemento vital e sagrado, inspirando atitudes mais conscientes e éticas em sua gestão e uso. É transdisciplinar e envolve filosofia, ética, antropologia, espiritualidade e artes. Promove reflexões sobre o papel simbólico dos rios em diferentes culturas e como isso pode influenciar práticas de conservação. Se não existe no vocabulário corrente, já acontecem na vida prática e no mundo real diversas situações em que a água é compreendida e cuidada com sabedoria, seja entre os povos ancestrais que a sacralizam, seja em boas práticas contemporâneas.

A água merece ser vista a partir de diversos ângulos e de diversos campos do conhecimento humano, tais como as ciências, as artes, as tradições espirituais e sapienciais, a intuição e as filosofias. Complementarmente, eles contribuem para construir uma abordagem holística, numa variedade de modos de se abordar o tema: do teórico ao prático, do abstrato ao conceitual, num mosaico de percepções.

Na hidrosofia, os seres humanos são vistos como parte integrante do ciclo da água que circula por seus corpos. A água deixa de ser vista como um objeto externo ao corpo e passa a ser percebida como parte do sujeito que pensa sobre ela e a sente. O ser humano - corpo, mente, emoções, espírito e alma - é visto de forma integrada com os processos globais. Restabelecem-se os vínculos de comunhão entre o homo sapiens sapiens (o ser que sabe que sabe) e a água.

De onde vem a sabedoria do homo sapiens?  Os dados coletados, a informação que é elaborada a partir deles, o conhecimento de como usar com prudência essas informações podem ser importantes e necessários, porém não são suficientes para criar uma relação sábia do homo sapiens com a água. Em meio ao excesso de dados, informações, conhecimentos técnicos e científicos procura-se alcançar a sabedoria hidrológica. Ela é uma sabedoria que permita discernir para extrair da natureza o que é necessário para sustentar a vida e ao mesmo tempo garantir as normas, regras e prioridades que não prejudiquem a integridade dos ecossistemas e dos hidrossistemas. A intuição, o insight e as revelações surgem muitas vezes por meio da conexão direta com uma sabedoria universal existente na natureza, captada pelas antenas da percepção e da consciência humana.

A hidrosofia ultrapassa o racionalismo, o intelectualismo e o cientificismo, que não têm sido capazes de evitar a exaustão das águas e os maus tratos que recebe na abordagem estritamente utilitarista. Ela se abre em direção à experimentação comunitária e social, compreendendo a metamorfose que está em curso no planeta. De certo modo a hidrosofia resgata as relações com a água desenvolvidas por alguns povos originários, como os maoris na Nova Zelândia, que a consideravam sagrada e um ente que não é apenas um objeto, mas uma pessoa.

Abordar a água pelo ângulo da hidrosofia abre o olhar para outras dimensões e modelos mentais e para outras possibilidades de lidar e se relacionar com ela de modo amigável, harmonioso e orgânico.

Quando se consolidar como um campo dos saberes, a hidrosofia catalisará os movimentos na busca de uma hidrologia integral e transdisciplinar.

Nesse sentido, a hidrosofia é uma virtualidade, uma meta, um objetivo a ser buscado e alcançado, por meio de uma abordagem que faça uso dos grandes modos de apreensão da realidade: a cultura, as artes, as ciências, as filosofias e as tradições sapienciais ou espirituais.



[1] No jogo Divinity: Original Sin 2. "Hydrosofista" se refere a uma habilidade de personagens que utilizam poderes de cura e controle da água. Nesse jogo as habilidades hidrosóficas são magias que envolvem controle de elementos aquáticos para curar aliados ou afetar o terreno ao redor. São habilidades usadas para apoiar a equipe de jogo por meio de cura e mitigação de efeitos negativos.

 

Um comentário:

Silvana Gontijo disse...

Que texto importante, Mauricio! Adorei!