A civilização
indiana tem uma concepção generosa do que é o ser humano e do que é a criança,
considerada como uma alma em evolução. Ali se desenvolveram uma filosofia e uma
psicologia refinadas (para cada termo de psicologia em inglês, há quatro em
alemão e quarenta em sânscrito). Também se estudaram a fundo a mente e as
emoções, se desenvolveram práticas de respiração para tornar a mente mais
lúcida e clara (a pranayama no yoga) e se desenvolveram posturas corporais que
facilitam a concentração da mente (as asanas). Desenvolveu-se o estudo da
mente, do cérebro, dos tipos de temperamentos, das habilidades e capacidades
para aprender, relacionadas com os vários tipos de indivíduos. Essa concepção
integral do ser humano - com o corpo, mente, emoções, o eu profundo e o espírito
- está na base das filosofias de educação ali desenvolvidas e daí decorrem
várias práticas e técnicas para a aprendizagem.
Sábios e
pensadores indianos, tais como Sri Aurobindo, Tagore, Krishnamurti,
Vivekananda, Gandhi, os Brahma Kumaris e outros pensaram sobre a educação e seus objetivos.
Sibia (1) (SIBIA,2006) relata que para Gandhi a educação deveria
representar o ethos indiano e os
professores deveriam ser virtuosos. Gandhi considerava a educação como um processo
“no qual o indivíduo desenvolve seu caráter, treina suas faculdades e aprende a
controlar suas paixões para o serviço à comunidade. ”
Tagore defendia uma educação que levasse a um “desenvolvimento integrado e multilateral da personalidade humana. “ Ela deveria ser criativa e estar em contato com a vida econômica, intelectual, estética, social e espiritual das pessoas.
Vivekananda
enfatizava a realização da perfeição no ser humano e defendia que nenhum
conhecimento vem de fora para dentro. A educação é o processo de revelar gradualmente
as qualidades intrínsecas dos indivíduos e de desenvolver suas potencialidades
latentes até que se realizem. A educação compreensiva tem o objetivo de
desenvolver a personalidade total do indivíduo em harmonia com a sociedade e a
natureza. Vivekananda dizia que nada pode ser
aprendido sem a concentração da mente.
Os Brahma
Kumaris, praticantes do Raja Yoga, a yoga da ação, relacionam o saber com o
fazer e definem que "A aprendizagem para a vida funciona em quatro níveis:
(1) informação - escutar, (2) conhecimento - entender, (3) sabedoria - fazer e
(4) verdade – ser. Mas as pessoas e os sistemas tendem a ficar nos dois
primeiros níveis. Para haver mudança efetiva precisamos prestar a mesma atenção
em sermos sábios. Gradualmente, a sabedoria em ação cria uma pessoa verdadeira.
O que ela põe em prática é o que ela se torna: a personificação da paz,
respeito e generosidade."
Sri Aurobindo
enfatizou que o desenvolvimento integral da personalidade inclui educar os
sentidos, o corpo, a mente, a educação moral e espiritual. Sibia diz que “o
pensamento educacional de Sri Aurobindo coloca ênfase no desenvolvimento holístico
e na educação ritmada de acordo com as necessidades e capacidades da criança. O
papel do professor nesse processo é o de um facilitador. A filosofia da escola
influencia sua organização, os processos de ensino-aprendizagem e os resultados
dos alunos. Isso, por sua vez, revela a cultura e o ethos da escola”.
Sri Aurobindo propõe criar amor à
aprendizagem e estabelecer ligações da experiência de vida com a educação, que
tem como objetivo o crescimento pessoal do aprendiz. Essa proposta está ligada com
a sua visão futurística do destino humano, pois ele considerava o ser humano
como um ser em transição. “Educar não é somente adquirir informação; seu
objetivo central é construir os poderes da mente e do espírito humano, a
evocação do conhecimento, do caráter, da cultura. ” Ele aborda as finalidades maiores do
conhecimento e o articula com a questão da ação, do fazer: “A questão maior não
é a ciência que aprendemos, mas o que fazemos com essa ciência. ” Nós a usamos
para alcançar o auto interesse estreito ou para o interesse público e coletivo?
Sri Aurobindo propõe aplicar um
sistema de ensino natural, fácil e efetivo. Para tanto, enuncia três princípios do bom ensino: o primeiro é o de que “Nada pode ser
ensinado”, pois o conhecimento já está dormente dentro da criança. O professor
é um ajudante e guia, cujo papel é sugerir e não impor; ele mostra ao aprendiz
onde está o seu conhecimento interno e como pode ser levado a subir à
superfície. A tarefa do professor e dos pais é ajudar a criança a ser o que
escolheu ser, regar a semente, deixar crescer, encorajar sua força, não focando
nas suas fraquezas.
O segundo princípio é que a mente deve ser consultada em seu crescimento.
“É uma superstição bárbara martelar a criança na fôrma projetada pelo pai ou
professor. Ela pode ser induzida a se expandir de acordo com sua natureza. Forçar
a natureza a abandonar seu próprio darma,
é causar-lhe dano permanente, mutilar seu crescimento e desfazer sua perfeição.
É uma tirania egoísta sobre uma alma humana e uma ferida para a nação, que
perde o benefício do melhor que uma pessoa poderia ter-lhe dado e é forçada a
aceitar algo imperfeito e artificial, de segunda qualidade, perfunctória, comum”.
A educação deveria ajudar cada uma e todas as almas a atingirem o seu melhor.
Cada um tem sua individualidade e potencialidade. “O principal objetivo da
educação deveria ser ajudar a alma em crescimento a fazer emergir em si mesmo o
que for melhor e fazê-lo perfeito para um uso nobre. ” Sibia completa, sobre
Sri Aurobindo, que “Sua filosofia da educação é baseada no princípio da evocação
de potencialidades do indivíduo em sua inteireza, que deveriam ser desenvolvidas
de acordo com a natureza humana. O suposto é que o ser humano é bom em si e que
uma liberdade positiva é um pré-requisito para ajudar as crianças,
permitindo-lhes espaço para experimentar e prover oportunidades para crescimento.
”
O terceiro princípio da educação é
“trabalhar do próximo para o distante, daquilo que é para o que deverá ser.”
Ele afirma que “A base para a natureza de uma pessoa é quase sempre, além do
passado de sua alma, sua hereditariedade, seu entorno, sua nacionalidade, seu
país, o solo do qual tira seu sustento, o ar que respira, as visões, sons, hábitos
aos quais está acostumada. Eles o moldam poderosa e insensivelmente e deve-se
começar a partir daí. ”
Propõe que o
currículo seja individualizado. “A filosofia de educação de Sri Aurobindo
objetiva modificar o currículo escolar, maximizar as oportunidades de
aprendizagem, ajudar a criança a alcançar sua potencialidade em seu próprio
ritmo e nível e devotar seu tempo a descobrir esse “conjunto único”. Esse tipo
de escolarização é visto como a antítese de uma uniformidade imposta de cursos e
ensinamentos prescritos...”.
Num contexto
em que se debatem modos, técnicas e práticas para aperfeiçoar a educação e
criar base comum unificadora que aborde o essencial, mas que respeite e
valorize a diversidade em função da história, da geografia e do ambiente local
em que se faz o aprendizado, vale a pena refletir sobre as filosofias da
educação e quais os objetivos que se pretende alcançar com a aprendizagem. E
para tanto, o acúmulo de reflexões existente na Índia sobre as filosofias da
educação pode ser um tesouro valioso.
[1] SIBIA, Anjum. Life at Mirambika – a
free process school. National Council of Educational Research and
Training-NCERT. New Delhi. India. 2006.