Crenças existem. Acreditemos ou
não nas crenças a ou b, gostemos delas ou não,
são dados da realidade.
Crenças legitimam e justificam atitudes
e comportamentos. “Eu acredito nisso, portanto, me comporto assim ou assado”.
Agir em desacordo com a própria
crença provoca desconforto, conflitos pessoais, sentimentos de culpa, dor na
consciência. Aqueles que acreditam, mas que
não têm comportamentos coerentes com sua fé ou crença, sofrem de
autocomplacência, perda de autoestima e de amor próprio, por não serem fortes o
suficiente para alinhar sua prática com aquilo em que acreditam. Mahatma Gandhi disse que “Acreditar em algo e não o viver é desonesto”. A hipocrisia desconecta aquilo que se pensa e fala
daquilo que se faz. “A teoria na prática é outra”; “faça o que eu digo e não o
que eu faço” são frases populares que expressam esse tipo de desconexão.
No livro A biologia da crença, Bruce Lipton mostra como as células do corpo
são influenciadas pelo pensamento e o mecanismo pelo qual elas recebem e
processam as informações. A biologia da crença estuda a relação entre a vida, o
ambiente, o pensamento, as percepções e os vários níveis de consciência. Crer,
acreditar, move energias e motiva para o esforço, a obra e o projeto coletivo,
um mito ou sonho que se transforma em realidade: “A fé remove montanhas”.
Crer ou não crer influem na
consciência e nas ações decorrentes. Acreditar na eficácia da homeopatia ou da
acupuntura ajuda a usar tais tratamentos e pode torná-los mais eficazes.
Acreditar que comer carne é ruim para a saúde ou o ambiente ajuda a forjar
hábitos alimentares vegetarianos. O fato de se acreditar e de agir
coerentemente com tais crenças traz resultados ecologicamente amigáveis. As
crenças constituem freios que colocam limites ao comportamento humano. Quem crê na reencarnação pode cuidar melhor do
ambiente por senso de auto interesse ampliado. Trata-se da solidariedade não
apenas com as próximas gerações, mas para com as próximas reencarnações.
No campo ambiental, há interesses
controversos em temas como energia nuclear, organismos geneticamente
modificados, reciclagem de resíduos. O temor, o medo, a busca da segurança se
encontram na raiz de posturas ambientalistas prudentes. A crença funciona,
então, escudo de proteção contra riscos ecológicos e ameaças. O movimento
contra os organismos geneticamente modificados se apoia no princípio da
precaução e na prudência ecológica, considerando temerário apostar em novos
produtos e processos cujos impactos não se conhecem bem. O movimento
antinuclear se apoia no medo ao terror e ao lixo atômico. Entretanto, há
controvérsias: o uso da energia nuclear, muito tempo execrado pelos
ambientalistas, tem sido defendido por cientistas como James Lovelock, pelo fato
de emitir poucos gases de efeito-estufa.
Há quem prefira não acreditar nas
mudanças climáticas e na responsabilidade humana sobre elas. Assim, não se
sentem compromissados a mudar hábitos e estilo de vida; não se sentem
responsáveis pelo problema e por suas consequências danosas. O cético
desobriga-se, perante sua própria consciência, de autolimitar suas atitudes predatórias;
evita ter um drama de consciência. O ceticismo pode significar um apego ao
conforto, uma forma de comodismo e de não desejar abrir mão de hábitos. Acreditar
nas mudanças climáticas e crer que o ser humano tenha responsabilidade nesse
campo ajuda a induzir atitudes ecologicamente responsáveis.
A crença pode ser uma forma de autoengano,
de preferir negar ou não ver algo que para outros é evidente. A moral e a ética
tendem a desaguar em uma pregação que pode ser enganadora, dogmática. A
aceitação inquestionada, a fé sem verificação ou consideração da verdade
científica e apoio em conhecimentos, levam a logros e descréditos. Crenças
ecológicas desinformadas levam a equívocos. Boa vontade, boa fé e boas
intenções desinformadas levam a atitudes e comportamentos aparentemente
virtuosos, porém inócuos ou contraproducentes, além de pouco sábios. Corre-se a
cada momento o risco de cometer equívocos, ter uma pseudoconsciência sem
ciência, enganar-se por falta de embasamento. Uma crença pode vir a mostrar-se
verdadeira ou falsa. Enquanto ela não é comprovada ou refutada, pode-se
acreditar, ter fé e por ela pautar atitudes. Uma crença independentemente de
mostrar-se verdadeira ou falsa, tem consequências práticas, ao influenciar
comportamentos ecológicos ou antiecológicos.
Desconstruir, desmitificar
crenças, desaprender, pode ser útil no caminho para a aproximação ao que seja
mais verdadeiro. Ciência, informação abalizada e conhecimento técnico são
necessários para evitar autoenganos bem intencionados.
Num contexto de informações
incompletas, como diferenciar o consumo consciente do consumo crente,
ecoreligioso? Como ter conhecimento sobre temas especializados, que necessitam
de formação, capacitação? Num contexto de especialização crescente, a confiança
e a difusão responsável e sistemática de informações tornam-se necessárias,
pois não é possível conhecer a fundo cada tema.
Atualmente há grande confiança na
ciência e na tecnologia, sobre as quais são depositadas expectativas de que
deem respostas verdadeiras e satisfatórias aos problemas causados pelas ações
humanas. Por outro lado, segmentos da sociedade manifestam desconfiança nos
cientistas e em sua capacidade de responder aos problemas; em parte porque,
seres humanos falíveis, estão sujeitos a serem instrumentalizados por
interesses econômicos. Nesse contexto, comportar-se a partir de bons padrões
éticos e técnicos torna os cientistas confiáveis e lhes conferem credibilidade.
Algumas controvérsias são alimentadas por quem tem interesses específicos, que
se movimenta para fazer prevalecer um ponto de vista ou crença que o beneficie.
Assim, por exemplo, uma empresa fabricante de papinha de nenê pode propagandear
que o aleitamento materno não é tão importante assim, ou que é substituível sem
problemas. Outro exemplo: o uso de papel reciclado pode reduzir o corte de
árvores; mas sua produção exige usar mais água, mais químicos para tirar a
tinta; seria ele ecologicamente mais amigável que o papel branco, quando se
computam os custos logísticos, as distâncias percorridas e a emissão de gases
de efeito-estufa durante o seu recolhimento?
Ecologizar as crenças é aplicar
os conhecimentos das ciências ecológicas e a sabedoria da consciência ecológica
àquilo em que se acredita. Ecologizar as crenças é uma forma de induzir
mudanças de comportamentos e de conduzir a uma crescente ecologização da
sociedade.