segunda-feira, 7 de maio de 2018

Ecologizar os governos

 
Maurício Andrés Ribeiro (*)

Ecologizar os governos é aplicar os conhecimentos das ciências ecológicas e a sabedoria da consciência ecológica a todas as suas ações. Essa ação precisa ser integral, em todas as escalas: horizontal, atravessando todos e cada um dos setores da administração e da gestão pública: diagonal ou transversal, incorporando a dimensão ambiental em cada área da administração. Verticalmente, partindo dos governos locais aos estaduais, nacionais e ao esboço de governança internacional que já ocorre em algumas áreas, por meio de pactos e tratados. Em nível global, é necessária a ecologização do sistema das Nações Unidas e sua maior abertura para os governos locais.
O fortalecimento institucional da área ambiental implica ecologizar cada órgão e entidade setorial da administração, por meio de relações de parceria em projetos comuns e do controle ambiental integrado.
Um conjunto de órgãos do governo é acionado para responder a esse desafio. O papel de um Ministério ou secretaria do Meio Ambiente é tanto de ação direta dentro de seus instrumentos, como de ação indireta, induzindo a ecologização transversal de outros órgãos do governo.
Os governos são grandes compradores. A ecologização da contratação pública pode beneficiar o ambiente, poupar recursos públicos e influenciar o mercado e preferir os produtos que tenham rótulos ecológicos. O programa da Agenda Ambiental na Administração Pública – A3P atua nesse sentido. Em 2004, a União Européia adotou diretrizes para os contratos públicos que permitem integrar considerações ambientais nos processos de seleção dos fornecedores de produtos e serviços. Em 2010, o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão editou a Instrução Normativa (IN) nº 1 pela qual as obras públicas devem economizar na manutenção, reduzir o consumo de energia elétrica e água, utilizar materiais e tecnologias que reduzam o impacto ambiental e evitem desperdícios.
No contexto de crise econômica, o estado passou a socorrer e a controlar bancos e empresas insolventes. Nesse contexto, há possibilidades de que tais instituições sejam reformatadas. Um estado ecologizado pode definir metas de qualidade ambiental, de descarbonização da economia e induzir mudanças das empresas.
A ecologização da administração pública – da municipal à nacional – e, mais além, a governança global dos problemas planetários pressupõe a interferência sobre cada política pública setorial, de forma transversal. A tomada de decisões é realizada de modo a reduzir ao mínimo os impactos negativos das ações do governo, dos agentes econômicos e sociais, e a maximizar as complementaridades e o aproveitamento dos recursos disponíveis.

Método prático para ecologizar uma administração municipal, estadual ou nacional, em cada um de seus setores, é tomar como referência o principal resultado da ECO/92, discutido e negociado exaustivamente entre os países presentes no evento. Trata-se da Agenda 21, documento com quarenta capítulos, voltado para o futuro.


Um problema para a gestão ambiental descentralizada é a baixa capacidade local de resistir a pressões econômicas e políticas. Prefeitos e administradores locais, às voltas com limitações orçamentárias e com a necessidade de gerar receitas e rendas, são seduzidos pelas promessas de quem acena com empreendimentos de “desenvolvimento econômico” local. Assim, tornam-se pouco propensos a adotar critérios ambientais rigorosos, a não ser quando pressionados uma sociedade civil forte e capaz de se contrapor às pressões dos setores econômicos mais organizados.
Por razões econômicas e operacionais, culturais e sociais, o fortalecimento do poder local constitui processo desejável para que os municípios participem de forma efetiva de decisões que afetam seu futuro. A capacitação, a formação de cultura ecologizada e o provimento de conhecimento científico facilitam com que o nível local atue sobre atividades que tenham impacto estritamente local, aliviando a sobrecarga de demandas sobre Estados ou sobre os órgãos federais.




Ecologizar as Políticas públicas



Maurício Andrés Ribeiro (*)

Ecologizar as políticas públicas é aplicar os conhecimentos das ciências ecológicas e a sabedoria da consciência ecológica a cada uma delas. Numa federação como a brasileira, tal processo precisa ocorrer na esfera federal, dos estados e dos municípios. Esferas mais abrangentes induzem o comportamento das demais. Assim, leis de ICMS ecológico aprovadas em alguns estados impulsionaram a priorização de pautas ecológicas nos municípios.
No âmbito do executivo federal, a ecologização das políticas econômicas – creditícia fiscal e tributária, de investimentos, monetária, de preços – tem poderoso papel indutor.  Algumas formas de alinhar economia e ecologia são as resoluções do Conselho Monetário Nacional que limitem crédito para empreendedores antiecológicos; limitações aos bancos públicos para investirem em empresas ecologicamente destrutivas; reforma tributária ecológica, que onere o uso de recursos naturais e desonere o trabalho. Em todas as esferas, os conselhos de desenvolvimento econômico e social precisam ser ecologizados.
O poder legislativo tem papel estratégico, ao aprovar legislação com conteúdo ecológico. A legislação – a constituição, leis, normas, decretos, portarias e resoluções - tem forte papel indutor. 
Ecologizar as políticas públicas de energia, transportes, turismo, indústria, agricultura, de obras públicas, resulta na redução dos impactos causados pela implantação de infraestruturas, com a consciência dos limites ecológicos e da capacidade de suporte dos ecossistemas.
Há múltiplas possibilidades para se ecologizarem as políticas sociais de responsabilidade dos governos, nas áreas de segurança, saúde, educação, moradia e habitação. A ecologização da política de segurança, por exemplo, confere atenção a novos perigos que ameaçam a vida humana, tais como os eventos críticos decorrentes de mudanças climáticas. Secas, enchentes, deslizamentos de terras provocam danos sociais e econômicos e a ocorrência de refugiados ambientais.
A justiça ambiental é um dos resultados da política ambiental, já que os mais pobres, menos informados e com menor poder político, os marginalizados e excluídos são os mais penalizados pelas más condições ambientais.
A adoção de políticas públicas integradas facilita a sua ecologização. Assim, por exemplo, o tema da saúde ambiental valoriza seu aspecto preventivo, cuidando para que o ambiente sadio reduza o risco de as pessoas adoecerem.    
Para que se ecologizem as políticas públicas, é necessário que a autoridade máxima dê o tom – o presidente, o governador, o prefeito; que o compromisso com esse alinhamento não fique apenas a cargo da área ambiental dos governos, cujos órgãos freqüentemente atuam na contramão de pressões e de correntes dominantes inclusive no próprio governo.
Cada setor, proativamente e guiado por sua própria consciência ecológica, pode se antecipar e adotar padrões de atuação que internalizem essa consciência em suas ações, sem necessidade de fiscalização ou de controle externo, de fora para dentro ou de cima para baixo. A formação de núcleos ecológicos em cada organismo governamental, em cada setor, para monitorar e auditar internamente suas ações, pode ser forma de internalizar a consciência e as práticas ecologizadas nas instituições que cuidam das várias políticas públicas.
Para ecologizar as políticas públicas, é fundamental a ecoalfabetização dos gestores públicos. Merecem forte investimento as escolas de governo e de administração, pois da ciência e consciência ecológica de gestores públicos emanam decisões ecologicamente responsáveis (ou irresponsáveis).
É relevante promover a eco ação, movida por interesse público e coletivo e por valores humanos mais elevados do que a ego ação, movida por interesses particularistas.

Ecologizar a política e os partidos



Maurício Andrés Ribeiro (*)

Governos, empresas, associações e organizações da sociedade civil, igrejas e famílias são alguns dos tipos de instituições por meio das quais se constroem, se praticam e se descontroem relações políticas, econômicas e sociais.
Em sociedades modernas, com grandes populações, os partidos políticos constituem um dos modos de agrupar os interesses e organizar a vida política. Partidos podem agregar pessoas com ideários comuns, dar sustentação política aos governos, além de articularem governos locais com os estados e com o poder central.
As formas de organização partidária podem variar de tempos em tempos e de país para país. Na China contemporânea, por exemplo, o Partido Comunista é o único existente, caracterizando um regime mono ou unipartidário. O partido guia o governo, todo cidadão que queira participar do governo precisa estar filiado a ele e o acesso supõe a passagem por um rigoroso processo de seleção.  Em alguns países, o bipartidarismo predomina, como nos Estados Unidos, com os democratas e republicanos, e no Reino Unido, com os trabalhistas e conservadores.
No Brasil, a Constituição Federal dispõe que “É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa. Em nosso País, os partidos precisam ter caráter nacional, estão proibidos de receber recursos financeiros de entidades ou governos estrangeiros ou que a estes se subordinem, devem prestar contas à Justiça Eleitoral e ter funcionamento parlamentar de acordo com a lei. A Constituição Federal assegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. Seus estatutos devem estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. Os partidos políticos têm direito a recursos financeiros oriundos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. O parágrafo único do artigo 1º da Constituição Federal de 1988 estabelece que “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.” A Carta Magna prevê, portanto, que os partidos são canais para se chegar ao poder e aos governos e, também, que o exercício direto do poder prescinde de representantes eleitos filiados a partidos políticos.
Quanto à importância relativa e ao papel dos partidos, há uma diversidade de propostas, desde as anti-partidárias, às apartidárias, passando ainda pelas transpartidárias.
Nas manifestações de rua que ocorreram no mundo e no Brasil, entre 2006 e 2013, as bandeiras de partidos políticos eram rechaçadas por vários manifestantes com postura anti-partidária. Aqueles protestos explicitaram a crise da representação política tanto em governos autoritários como na democracia representativa e em muitos deles foi manifesta a queda de confiança nos partidos.

Muitas pessoas não se sentem hoje representadas pelos candidatos eleitos ou pelos partidos políticos existentes. Focados em interesses particularistas e em carreiras políticas egocentradas e distantes do interesse público, os partidos perdem a credibilidade para exercerem um papel mediador entre a sociedade e o sistema político. Mostram-se esclerosados, impotentes para canalizar as demandas sociais e entregar os serviços demandados ou para fazer jus às esperanças neles depositadas, autocentrados que estão em manter ou multiplicar seu próprio poder e o de seus dirigentes. Estes, por sua vez, manipulam os recursos do fundo partidário, usando seus partidos apenas como legendas de aluguel ou para disputar postos da máquina governamental dali retirando vantagens para si ou para seus grupos de interesse.  

Uma característica comum de organizações políticas e sociais, tais como partidos políticos, clubes esportivos, igrejas, organizações civis, é a presença do militante partidário, do ativista político ou ecológico, do trabalhador voluntário. Eles doam tempo e talento por uma causa, por ideais e propostas com as quais têm afinidades eletivas, assumem responsabilidades e investem tempo livre em iniciativas em que acreditam. A ação voluntária é movida pela adesão a uma crença ou ideal que pode ser o autointeresse, a defesa da autoestima, o desejo de poder, a vontade de servir à comunidade, a busca da verdade, ou outros. Em tais instituições é frequente que por detrás de uma cortina de altos ideais existam bastidores de lutas pelo poder, por prestígio e status, característicos da ação ego-orientada. Com frequência forma-se um grupo dirigente, uma diretoria privilegiada, que passa a ter controle sobre as decisões e que tende a se apropriar dos bônus e a servir-se do poder para o autobenefício, socializando os ônus, geralmente por meio da exploração do trabalho voluntário e da contribuição e ação dos simpatizantes e dos militantes. Uma organização cujos dirigentes desfrutam de privilégios enquanto os voluntários ficam com a carga de “carregar o piano” e de suportar os ônus tende a desmotivar e a corroer a energia do voluntariado. A decepção com fatos desabonadores também esfria o entusiasmo e pode provocar um desligamento da adesão à instituição. A servidão voluntária deixa de existir e há como que uma libertação. Para sustentar a motivação e o ativismo é fundamental a atitude dos dirigentes, que precisam dar o exemplo e renunciar ao usufruto de vantagens pessoais, status, benefícios materiais. Para se alimentar a adesão voluntária é necessário que a mensagem, o pensamento e a palavra da organização que atrai o voluntário, o militante e o ativista seduzam; que ele seja e permaneça, de certa maneira, encantado pela missão que lhe é proposta e que se sustenta na simpatia e na adesão à causa.

Na Índia, a maior democracia do mundo, o político e ativista pela independência Jayaprakash Narayan sonhou com uma democracia sem partidos (partyless democracy). Trata-se de proposta apartidária de se atuar politicamente, que não se realizou na prática. Shree Shankar Sharan [1] escreveu: “Mahatma Gandhi permaneceu um defensor do poder do povo, desde o início, sem qualquer espaço para a concentração de poder. Ele não dava espaço para a competição pelo poder entre os partidos. Considerava que o princípio da maioria nem sempre é o melhor. O princípio indígena da unanimidade deve ser adotado nas instituições sociais locais e em outros níveis para promover a solidariedade. O princípio da maioria deve ser adotado somente se o princípio da unanimidade falhar por duas vezes em entregar um resultado”. Foi também na Índia que Sri Aurobindo propôs a dharmacracia como o sistema politico mais afinado com a alma asiática, pois o dharma transcende a oposição entre direitos e deveres, que são conceitos ocidentais.
O psicólogo transpessoal Pierre Weil, que trabalhou, no Brasil e em outros países por onde passou, por uma cultura de paz, pela comunicação não violenta e por uma visão integral, sonhava com o transpartidarismo político para a transformação num período de transição. O prefixo trans significa ir além. O transpartidarismo político considera que temas vitais, por sua importância, sejam tratados acima e além dos interesses partidários de poder. Nos parlamentos, os partidos formam coalizões ou coligações. Frentes partidárias se formam em torno de temas de apelo geral tais como o meio ambiente, os direitos humanos. Temas ecológicos vitais como o do clima ou da água demandam visão e iniciativas transpartidárias, indo além dos interesses particularistas ou pessoais. Sendo abordados por partidos, por outras instituições e por indivíduos a partir de uma perspectiva que coloca em primeiro lugar a saúde ambiental e a saúde coletiva constroem-se metas convergentes que podem levar ao benefício comum.



[1] Shree Shankar Sharan - Partyless Democracy: Remembering Mahatma Gandhi and JP. Mainstream, Vol. XLVIII, No 41, October 2, 2010