quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A água fala



 

Para as próximas gerações será cada vez mais vital ter não apenas conhecimento especializado, mas uma consciência holística e integral sobre a água. Motivados por isso escrevemos o livro  "A água fala" na primeira pessoa do singular, como se a narrativa fosse feita pela própria água. Ele é dirigido aos jovens, numa linguagem sintética e poética, permeada por ilustrações da artista Maria Helena Andrés. 
O livro descreve, em cinco partes,  uma viagem pelo ciclo completo da água no ambiente, seu movimento, sua presença nos corpos vivos, na cultura e as questões relacionadas com o seu uso.
A primeira parte convida o leitor para se aproximar da água,  para conhecer suas viagens pelo universo e pela Terra. Descreve como ela circula no meio ambiente.  Mostra os diversos estados que assume diante do calor e do frio e das mudanças de temperatura que a tornam vapor, líquida ou sólida. Mostra que pode ser doce, salobra ou salgada e como é um sinal  que indica a existência de vida.
 Na segunda parte o leitor é convidado a acompanhar a água em seu movimento, vivenciando as formas que ela assume e os diversos lugares que ocupa nos céus, na terra, no subsolo como granizo, chuva, flocos de neve. Descreve seu ciclo, com a precipitação, a evaporação, a infiltração no solo, mostra como surge em nascentes e provoca a erosão dos solos, as enchentes, as inundações e as secas.
Ilustração de Maria Helena Andrés

A terceira parte descreve o caminho da água nos corpos vivos de seres humanos, animais e plantas e ressalta seu papel e importância para a vida. Ela está na seiva que transporta sais minerais nas plantas que a transpiram para o ambiente, nos líquidos dos corpos vivos, como as lágrimas, o suor, o sangue, a urina, no líquido em que os bebês vivem no útero das mães, na limpeza dos corpos nos banhos.
Ilustração de Maria Helena Andrés

Como a água é tema frequente na cultura, nas religiões e nas artes, a quarta parte do livro aponta como ela é cantada, falada e mostrada nas diversas manifestações culturais e artísticas, na música, na poesia, na dança, no urbanismo e no paisagismo. Em muitas tradições espirituais ela é sagrada e está nos rituais como o batismo cristão e nas narrativas bíblicas como a do dilúvio. Em outras tradições, há deuses e deusas ligados à água, há rituais como a dança da chuva dos índios. Muitas palavras em todos os idiomas se referem a ela e muitos lugares e cidades têm nomes relacionados com as águas.

Na quinta e última parte, o livro realça alguns de seus múltiplos usos: para o abastecimento humano e para matar a sedes dos animais, para a agricultura na irrigação, para a geração de energia, para o transporte, para a pesca, a recreação, o lazer e o turismo. Mostra a necessidade que todos têm dela para manter a saúde e o bem estar. Denuncia os desperdícios que acontecem no seu consumo. Enfatiza os problemas e a insegurança decorrentes de sua escassez ou excesso, com as secas e as inundações. Mostra a importância de se construírem obras tais como açudes, canais, aquedutos, estações de tratamento de água e de esgotos e de conservar os solos e promover sua proteção como uma riqueza de grande valor. Realça a importância de desenvolver a cooperação em torno da água e criar modos  de promover diálogo e de evitar rivalidades, conflitos e violência entre aqueles que dela precisam e que a disputam.

Um glossário define os principais conceitos usados. Formulam-se perguntas para permitir ao leitor uma leitura orientada, cujas respostas ajudam a compreender melhor a água e seus múltiplos usos.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

Comunicação não-violenta

Maurício Andrés Ribeiro (*)

A violência física, com homicídios e agressões, é a ponta do iceberg de uma violência mais geral, que se inicia nos sentimentos e emoções, nos pensamentos e nas palavras. A violência física é um estágio avançado que muitas vezes sucede a violência verbal ou na comunicação, a qual por sua vez pode suceder a violência mental existente nos pensamentos e sentimentos.

Quando um adolescente que sofreu bullying volta armado à sua escola e mata seus colegas, uma ação que não é crime, mas que é uma forma de comunicação violenta (caçoar ou zombar de alguém ou de algo) induz a uma ação criminosa (atirar e matar).

A comunicação pode ser violenta ou não-violenta. [1] Um bom modo de prevenir na sua origem a escalada de violência na sociedade é adotar as práticas da comunicação não -violenta. Pensamento, sentimento e emoção não violentos estão na raiz da comunicação não-violenta. Eles ajudam a prevenir a violência física, a criminalidade e a insegurança.

Mahatma Gandhi aplicou o princípio da não-violência, ou ahimsa, quando da luta de libertação da Índia. Valeu-se também do princípio da satyagraha, ou experiência com a verdade. O compromisso com a verdade é um princípio poderoso para a comunicação não-violenta. Tal postura é pragmática para aumentar as chances de êxito dos menos truculentos ou menos armados. Pode significar o êxito da inteligência contra a força bruta.

Palavras e imagens na comunicação podem ser armas poderosas que precisam ser usadas com cuidado e precisão. O uso leviano delas pode se voltar como um bumerangue e atingir quem as usa. Submersos e invisíveis nas mensagens escondem-se necessidades, interesses, crenças, desejos, sentimentos, pensamentos, emoções e preconceitos. Mensagens  podem ser portadoras de verdade, mentira, meias verdades; podem evocar beleza ou feiura; podem transmitir bondade ou maldade. Podem injuriar, difamar, ironizar, alfinetar e ferir, caçoar e zombar, insinuar maldosamente. Nesse sentido são armas, para ofender, atacar e se defender de ataques adversários. Nas relações interpessoais, todos nós experimentamos momentos de comunicação harmônica e veraz e momentos de comunicação tensa ou truncada, com mensagens subliminares ou manipulações estratégicas.

A internet e a mídia são campos de batalha onde se disseminam milhões de informações todo o tempo. Na mídia e nas redes sociais assiste-se a uma guerra virtual de ideias, com ataques e contra-ataques, com agressões à honra, agressividade, falta de cortesia. Na guerra da comunicação e da informação, as palavras e imagens são armas poderosas. Nesse ambiente, disseminam-se inverdades plantadas por quem interessa corroer a imagem de oponentes, adversários ou inimigos. A falta de relação com a verdade, a hipocrisia, a dissimulação, os enganos e autoenganos, a mensagem agressiva e ofensiva, insultuosa e não verdadeira são formas de uso violento da comunicação. No ambiente virtual há múltiplas facilidades para manipulação de informações, edição e montagens, fazer passar ficção por realidade, criar factoides, fake news, mentiras e enganos. Os meios de comunicação, com a propaganda e a publicidade, com frequência usam técnicas de manipulação das consciências com finalidades comerciais ou de dominação política.

Pode ser que a violência física no Brasil se reduza ao se evitar a violência nas mensagens e na comunicação e ao se reduzir aquela contida nos pensamentos e nos sentimentos. A violência nas escolas brasileiras, antes de ser física, é uma violência verbal e mental.

A construção de uma cultura da paz exige transformação de valores, mentalidade e comportamentos. A UNESCO já reconhecia a necessidade de trabalhar a paz dentro de cada pessoa quando adotou a seguinte frase como introdução ao ato que a constituiu: “Se as guerras nascem no espírito dos homens, é nos espíritos dos homens que devem ser erguidos os baluartes da paz.”

A falta de fraternidade induz a violência. Liberdade de expressão sem fraternidade e respeito pelos outros pode ter resultados violentos e criminosos, como mostram episódios de comunicação no Brasil e no exterior. Toda ação gera uma reação, que pode ser desproporcional quando envolve fundamentalismos religiosos. O sábio indiano Sri Aurobindo observou que  a fraternidade é a chave para viabilizar a liberdade com igualdade.

Mensagens podem inspirar, promover virtudes, despertar sentimentos edificantes. O cuidado com as mensagens  e com a linguagem integra o esforço de aprimoramento da evolução humana. Gentileza, cortesia, cordialidade, empatia e compaixão, fraternidade e amor são atitudes que podem promover encontros, cooperação e compreensão e desarmar escaladas de violência a partir da comunicação.

(*) Autor dos livros Ecologizar, Tesouros da Índia, Meio Ambiente & Evolução Humana.





[1] Marshall Rosenberg escreveu o livro Comunicação não-violenta, no qual desenvolveu técnicas para aprimorar os relacionamentos pessoais e profissionais. Dominic Barter oferece cursos sobre o tema em português. Ver  https://www.youtube.com/watch?v=Frg2Qc2AzCs