segunda-feira, 29 de abril de 2024

Ecologia política, guerra e paz na arte de Maria Helena Andrés


Guerra e paz, confronto e diálogo, conflito, harmonia e desarmonia, amor e ódio, competição e cooperação, violência ou falta de amor,  estão presentes nas relações entre os seres humanos.

A ecologia política aborda as disputas de poder, a apropriação dos recursos da natureza por um grupo ou nação, os modos de prevenir conflitos por meio do diálogo, da cooperação e de relações amistosas, que constroem concordâncias entre diversas partes com interesses distintos.

 Por vezes, partes da população entram em conflito com outros grupos, com outras espécies e com a natureza, em relações desarmônicas e violentas e  em guerras. Na medida em que  a população humana cresce e escasseiam os recursos da natureza, tendem a se acirrar disputas e conflitos, por vezes com o uso da violência.De certo modo a espécie humana encontra-se em guerra contra a natureza, produzindo o ecocídio.

As guerras são a falência da política e da capacidade de diálogo. Por meio da força bruta e sem compaixão, com violência e falta de amor, a truculência e estupidez impõe-se uma ordem e extingue-se o inimigo. 

Entre os artistas que  retrataram guerras, acontecimentos épicos e disputas,  Picasso pintou a Guernica e os horrores da guerra civil na Espanha; Portinari pintou os grandes painéis Guerra e Paz que estão na sede da ONU; Robert Capa fotografou um soldado caindo no momento da morte. 

No período vivido por Maria Helena Andrés ocorreram a segunda guerra mundial, a guerra fria e ditaduras  políticas que  se refletiram  em sua arte. Ela escreveu que “O quadro “Alvorada Vermelha” deu início à minha fase de guerra. Pintado logo após a minha viagem aos Estados Unidos, simboliza o clima de guerra que se espalhou pela América do Norte ao Sul.” 

Alvorada Vermelha – 1963

É seu testemunho: “Viajei no auge da guerra fria, quando a ameaça da bomba atômica assustava os americanos. Naquela viagem assisti a um treino de guerra em Nova York. Havia instruções nos hotéis, na TV, sobre como proceder em caso de ataque atômico.“

Radioactive Ship, acrílica e colagem s/ tela, 1965, Acervo Museu de Arte da Pampulha

Ela dá seu testemunho sobre guerra e ditadura: “Trabalhei nesse quadro e em vários outros com a mesma intensidade e o mesmo propósito interno de denunciar a guerra fria e também as torturas e a violência que estavam acontecendo no Brasil durante a ditadura militar.”

“A partir de 1964 o Brasil encontrava-se sob a ditadura militar, muitos jovens eram presos, torturados e mortos, muitos ativistas se auto exilaram e muitas obras de arte foram censuradas. A minha fase de guerra nasceu do impacto provocado por essas experiências. As estruturas que sustentavam a composição dos quadros tornaram-se mais fortes e agressivas, as transparências menos líricas.”

Obra da fase de guerra. 1966

Maria Helena ansiava pela paz, o entendimento, a integração e a unidade humana e para tanto inspirou-se na Índia, país para onde viajou várias vezes  por motivo de estudos. Fez ilustrações sobre a integração entre o Brasil e a Índia  e a visão da unidade humana para além das diferenças. 

A integração humana. Ilustração  no livro Pepedro nos caminhos da  Índia, 1986

No âmbito da política local, ilustrou no livro “A água fala” os conselhos e comitês de bacias reunidos para promover o entendimento e prevenir conflitos em torno da água.  

Reunião de um colegiado - ilustração no livro A água fala


Assembleia e conselho reunido. ilustração no livro a Água fala


A arte sensibiliza para que se unifique e integre a humanidade e se resolvam de forma não violenta os conflitos de interesses e se  harmonizem as relações entre pessoas e povos.

Maria Helena escreveu que “A arte, num reencontro feliz de ética com estética, busca a reeducação do ser humano nos diversos setores da sociedade... Busca os espaços onde a violência é uma constante, ali levanta o seu estandarte de paz. “ Ela valoriza a arte abstrata e construtivista: “O construtivismo sensível não acaba nunca, porque ele é o mensageiro de uma paz que existe dentro de todos nós. Esta paz, os artistas buscaram por meio de obras de grande beleza e serenidade.” 

Colagem , 2023




sexta-feira, 26 de abril de 2024

A ecologia industrial na arte de Maria Helena Andrés

Nessa era industrial, o ser humano transforma em coisas e objetos de consumo os minerais, vegetais e animais. Produz a coisadiversidade. Convive com computadores, telefones celulares, satélites de telecomunicações, automóveis, aviões, redes elétricas, robôs e uma infinidade de outras coisas. 

Durante o último século e especialmente em sua segunda metade do século XX houve uma grande aceleração da evolução científica e tecnológica e de seus produtos e efeitos colaterais.

A ecologia industrial é um campo da ecologia que  busca prevenir a poluição, promover a reciclagem e a reutilização de resíduos,  promover o uso eficiente dos recursos para a produção e estender a vida útil dos produtos industriais. Ela estuda os fluxos de matéria, energia e informação.  Promove o uso de tecnologias limpas e de produção com qualidade e segurança. Lida com as transformações de matéria e energia em bens e produtos, estuda o ciclo de vida dos materiais, sua reciclagem e reaproveitamento. Procura reduzir ou eliminar os impactos e efeitos colaterais da poluição e contaminação do ar, da água e dos solos.

Vários artistas expressaram esse mundo industrial em suas obras, tais como    Diego Rivera no México, Fernand Léger, os trabalhadores de  Portinari no Brasil e as fotógrafas Margaret  Bourke-White e Dorothea Lange nos Estados Unidos

Maria Helena Andrés vivenciou esse século de transformações. Na sua infância surgiu o cinema falado. Depois se inventaram a televisão, a bomba atômica, as viagens espaciais dos astronautas e os computadores. Ela desenhou, pintou e escreveu sobre essas mudanças em seu mundo e também se adaptou a elas. 

Detalhe do Painel Energia em movimento, na sede da Cemig em Belo Horizonte, 1984.


Foguete espacial, acrílica e colagem  s/tela, 1968.

Foto da matéria de José Roberto Teixeira Leite. Odisseia do espaço. O Globo, Rio de Janeiro, 03 jul. 1969.


Maria Helena fez muitos estudos preparatórios para um grande painel para o Aeroporto de Confins com radares, satélites, objetos voadores não identificados e aeronaves.

O grande painel em Confins, 1984.


Maria Helena se adaptou às tecnologias  de comunicação mantendo durante 15 anos dois blogs onde publicou textos e imagens que compõem a sua autobiografia: a vida de artista, memórias e viagens, reflexões sobre arte. 

Em sua fase construtivista, desenhou e pintou cidades iluminadas: Ela escreveu que “A pureza na arte concreta é imprescindível. Talvez seja ela a ponte que liga a arte à ciência, à matemática e à física, penetrando também no plano em que se encontram com o espiritualismo inato do ser humano.” 


Cidade iluminada. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, 1955.


Maria Helena pratica em seu cotidiano a simplicidade voluntária, a frugalidade e  vive o conforto essencial, sem consumismo e com uma leve pegada ecológica. Adotou a prática de caminhar pela Terra com leveza e sem machucá-la,  atitude valorizada pelos povos indígenas brasileiros, que ela muito admira, inclusive por sua arte construtivista e busca da essência.


quarta-feira, 24 de abril de 2024

A energia na arte de Maria Helena Andrés


A energia está presente em todo o universo. O Sol é a estrela que nos aquece e ilumina.  Os vegetais crescem a partir da energia solar e servem de alimento para os animais e para os seres humanos. A ecologia energética  trata das cadeias alimentares, que são fontes de energia para o corpo humano e os corpos dos animais. Estuda como circulam os nutrientes, quais são as demandas de energia dos organismos e populações e os fluxos de energia entre os diversos componentes de um ecossistema. 

 A energia solar movimenta o ciclo da água. A energia é capturada, armazenada e colocada a serviço dos seres humanos e  produz força e luz. Cachoeiras e quedas d’água permitem o seu aproveitamento para a geração de energia elétrica. 

As diversas fontes de energia foram pintadas e desenhadas por artistas. Pintores holandeses retrataram os moinhos de vento; artistas chineses pintaram grandes usinas hidrelétricas; o quadro A grande onda, do japonês Kanagawa, mostra a energia nos oceanos. Os mobiles de Alexander Calder se movem com energia da brisa; artistas visuais na arte cinética, no vídeo , no cinema e na TV dependem de energia elétrica para movimentar suas obras.

Maria Helena Andrés  expressou vários dos aspectos em que a energia se manifesta. Nos anos de 1940, pintou em aquarelas cenas de trabalho braçal que usa energia humana e carros de bois que aproveitam a energia animal. 


Nos anos 70, na Índia, ilustrou livros com os vegetais que se nutrem da energia solar; desenhou triciclos movimentados pela energia humana e o uso da energia animal de bois, cavalos, camelos e elefantes.



Aproveitamento de energia animal - ilustrações para o livro Pepedro nos Caminhos da Índia.

O sol, principal fonte de energia para o planeta, foi retratado em ilustrações, em pinturas e em tapeçarias. Ela escreveu que “O fogo, usado desde os primórdios de nossa civilização, tem uma profunda conotação espiritual em várias tradições. Fogo é luz, é aquecimento, é mudança. Ele, ao mesmo tempo que consome o que é velho, faz despertar o novo com todo o seu potencial energético.”


Tapeçarias para a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, Rio de Janeiro, 1976.

O Sol e a energia das marés - ilustração para o livro Ondas à procura do mar, de Pierre Weil.

A energia solar e dos ventos nas velas  - ilustração para o álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas, 1986.


Durante viagens pelo interior de Minas nos anos 1950, ela relata que “meu tema constante eram os postes de luz, receptores que transmitiam energia, verdadeiras esculturas colocadas na beira das estradas.”  “Eu levava um bloquinho e ia desenhando os postes de luz cortando a paisagem com suas estruturas metálicas.” Em sua fase construtivista, nos anos 1950, pintou em óleo  sobre tela a série de cidades iluminadas que “tiveram suas origens naqueles desenhos rabiscados em blocos de rascunho, onde a estrutura dos postes era uma constante. “

 Um grande painel  na sede da Cemig em Belo Horizonte retrata a energia em movimento. Ela recorda que “Sobre o fundo abstrato do painel, coloquei as “esculturas transmissoras” como forma de equilibrar a composição.” 

Painel energia em movimento - acrílica sobre tela -  sede da CEMIG em Belo Horizonte, 1984.



 Como ilustradora do livro A água fala, desenhou moinhos de vento, que aproveitam a energia eólica e as usinas hidrelétricas e rodas d’água.

Atenta ao que se passa no mundo ela escreveu que “Um país pequenino como a Dinamarca está nos mostrando sugestões para o século XXI: usar bicicletas para evitar a aglomeração de carros, e moinhos de vento para captar energia. “


Ilustrações sobre usos da energia no livro A Água fala, 2020.



Sobre sua obra, Maria Helena escreveu que “A partir dos anos 1960, toda a minha pintura foi energia em movimento: nos barcos, nos astronautas, na conquista do espaço, nos cosmos, sempre houve energia em movimento.

“A energia

 está associada 

a tudo que existe.

 Aos ventos,

 aos mares,

 às tempestades, 

aos vulcões,

 aos terremotos, 

aos rios,

 às chuvas.” 

A própria criatividade é uma forma de energia: “Existe uma força interior que une as pessoas através da arte: cantores, pesquisadores, seresteiros, pagodeiros, todos movidos por uma só energia.“ Sobre a energia interior e o autoconhecimento ela escreveu: ”É preciso rever esse desequilíbrio interno, tampar esses vazamentos de energia e atenção. E é aí que entra o que chamamos de “trabalho sobre si”. Se o ser humano quer, de fato, atingir todo o seu potencial, se quer sair desse estado vegetativo, despertar do sono que o escraviza, precisa buscar o conhecimento de si mesmo. “ Observou que “as artes têm como objetivo principal a transmutação de energias neste planeta tão cheio de violência.” “Essa captação de energias semelhantes é a essência do desconhecido que existe dentro de nós, nos subterrâneos luminosos de nosso inconsciente.“  

Como escritora, desenhista, ilustradora e pintora versátil,  Maria Helena sentiu as diversas formas pelas quais se manifesta a ecologia energética e as expressou como num caleidoscópio com muitas faces. “Corpo e alma têm de estar afinados para o chamado dessa força estranha que conduz o ser humano a uma longevidade sadia e produtiva.“


sexta-feira, 19 de abril de 2024

Maria Helena Andrés e a ecologia humana

Os seres humanos tornaram-se co-gestores da evolução no planeta.

Nossa espécie adaptou-se a diferentes situações climáticas e desenvolveu a capacidade de alterar os ambientes. O ser humano  tem necessidades básicas de alimentos, água, moradia, roupa, saúde, educação. Precisa movimentar-se, alimentar-se, recrear, trabalhar, morar, circular. Usa recursos da natureza e causa impactos sobre o ambiente, consome  e desperdiça recursos, polui e degrada.  Afetou a vida e a capacidade de sobrevivência de muitas outras espécies. 

 Tem capacidade de transformar e de restaurar os ecossistemas, de criar novas paisagens, desenvolver atitudes e comportamentos amigáveis na relação  com o planeta. Pode adotar estilo de vida de baixo impacto, a simplicidade voluntária e a frugalidade. Pode evitar relações desarmônicas de predação,  escravagismo  e opressão com as demais espécies vivas.  Podem convergir e construir denominadores comuns em direção à unidade da espécie. Somos todos terráqueos.  

A ecologia humana focaliza a nossa espécie - uma entre  as  milhões existentes no planeta - em suas relações com as demais espécies vivas e com o ambiente. 

O corpo humano foi retratado por artistas como Leonardo da Vinci, Picasso, os impressionistas, os renascentistas e por fotógrafos  como Henri Cartier Bresson e Sebastião Salgado. Ao fazê-lo, por vezes revelavam o que se passa na mente, nas emoções e na alma das pessoas.

Maria Helena Andrés pintou e desenhou figuras humanas ao longo de toda a sua vida artística desde seus estudos na Escola Guignard.

Modelo. Escola Guignard, Lápis. 1944.

Em viagens para uma fazenda no interior de Minas Gerais, pintava os trabalhadores rurais em suas tarefas.

Trabalhador rural . Aquarela. anos 1950

Em sua fase construtivista, nos anos de 1950,  desenhou figuras humanas em estilo concretista.

Estudo para quadro, 1952

Família - aquarela  1950 

Quando formou sua família, a partir dos anos 1940, fez autorretrato, desenhou e pintou seus filhos e netos. Ela escreveu: “Comecei a estudar pintura muito cedo, ainda adolescente. Desenhava retratos e caricaturas de meus familiares, nas festas de aniversário. “

Retrato de Luiz e auto-retrato, 1945, lápis.


Estudos para figura de criança - lápis - anos 1950

Bebê- aquarela - 1950

Seis irmãos  - óleo sobre tela, 1965.

Mãe e filho - aquarela  - 1976

Menina - acrílica sobre tela, 1988

Em suas viagens, desenhava os tipos humanos, tais como os da América Latina e da Índia.

Família nos Andes, Cuzco, Peru. 









Desenhou figuras humanas em ilustrações, para o livro A Água fala em 2015. 

Nos anos 2020 desenhou muitos cartões com figuras humanas, com os quais presenteou os familiares em seus aniversários e em festas e comemorações.



Em seus textos, ela sempre valorizou a Unidade Humana, para além das diversidades. E enfatizou a grandeza da natureza em pinturas como esta que revela um casal de humanos diante de um cosmos incendiado. Essas pinturas situam a escala dos seres humanos no contexto da natureza e da ecologia cósmica. Ela escreveu que “Colocar o homem como dono e não como ponto pequenino na paisagem gera uma série de erros irremediáveis.”

Maria Helena Andrés, como escritora, pintora, desenhista e  ilustradora de livros, situou o ser humano. no contexto da escala cósmica.