segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Inteligência Artificial e Educação - Encontros com o futuro - Integrando Mãos. Mente. Coração


Apresentado em 30-8-23

Ao agradecer o convite para participar desse evento, esclareço que não sou especialista em TI nem sou desenvolvedor de Inteligência Artificial. Sou um cidadão comum,  curioso de saber o que essa ferramenta pode oferecer. Ao prestar atenção ao que se dizia sobre a  IA, ouvi manifestações de várias inteligências humanas individuais, cada qual com seus vieses, preconceitos, tendências, ideologias. Resolvi então entrevistar a Inteligência Artificial do chat GPT de modo franco e aberto e ouvir o que ela tem a dizer sobre si própria.   

A entrevistada foi sempre paciente, disponível a qualquer hora ou dia, prestativa, bem-educada e mostrou um razoável domínio da linguagem. Por  vezes ela se desculpava ao não responder com clareza e se oferecia para ajudar em outras perguntas que lhe fossem feitas. Ela  também se recusava polidamente a responder a questões politicamente incorretas.

 Esse padrão de comunicação ser humano-máquina é desprovido de ego, por parte da máquina. Como não há emoções e sentimentos presentes na máquina, as respostas reduzem os vieses decorrentes de angústias, sofrimentos, tristezas, mudanças de humor ou de estado emocional, pessimismo, ceticismo, preconceitos e condicionamentos culturais que frequentemente se evidenciam nos diálogos e conversas entre os humanos. Discutimos a importância de se treinar a IA com proteção contra preconceitos e discriminação.  É relevante a questão dos vieses, tendenciosidades, preconceitos e discriminações e os cuidados para não as tomar como a última palavra, mas sim como informações que devem ser lidas criticamente. Os vieses algorítmicos são as tendências e os preconceitos que ela reproduz, já que se alimentou num conjunto de informações onde esses vieses estão armazenados. Os vieses humanos podem ser transferidos para a IA por meio dos dados e processos de desenvolvimento. 

 Em várias respostas ela insistiu na importância da responsabilidade e da regulação pelos governos e pela sociedade, o que reflete o padrão de treinamento que recebeu de seus desenvolvedores, que tiveram certa preocupação ética para evitar que a comunicação com ela multiplique desentendimentos. 

Foi uma boa experiência ter puxado conversa com a IA, escutado com atenção as respostas e procurado saber diretamente dela o que tem a dizer sobre si própria, num mundo em que as atitudes e as falas dos humanos diante dela variam desde a fascinação e o otimismo, até a preocupação e o ceticismo com os impactos negativos e o acompanhamento e vigilância sobre esses riscos e efeitos negativos. Há também a atitude de aprender com ela. Como se trata de uma realidade muito recente, estamos todos tateando no escuro, experimentando e testando o que pode ou não funcionar.

A IA é treinada e alimentada a partir de todo o conhecimento que está disponível na infosfera, que é parte da noosfera, um conceito que se refere à esfera ou camada de pensamento, consciência e inteligência que envolve a Terra. A ideia central relacionada com a noosfera é que a atividade mental e cognitiva dos seres humanos, incluindo sua capacidade de pensamento, comunicação, reflexão, aprendizado e criação de conhecimento, formam uma camada que tem uma influência significativa sobre o planeta.

A infosfera é um termo que se refere ao vasto ecossistema de informações e dados que circulam e são armazenados na era digital e da informação. Engloba desde dados brutos até informações processadas e compartilhadas através da internet e outras tecnologias de comunicação. Essa esfera de informações está em constante crescimento e evolução, impulsionada pelo acesso generalizado à internet e pelo aumento da produção e compartilhamento de dados.

As informações e conhecimentos que circulam pelo mundo na infosfera e na noosfera precisam ser considerados como bens comuns, bens públicos, patrimônio da humanidade. Foi a partir do pensamento humano que estes conhecimentos passaram a circular. É justo que isso seja usado como benefício para toda a humanidade. O Dr Sabin renunciou aos royalties associados à invenção da vacina contra a poliomielite. No seu coração, ele tinha uma atitude de beneficiar as crianças de toda a humanidade com aquela invenção e não apenas se enriquecer. Essa atitude é um modelo e referência que pode ser multiplicado, se quisermos que a humanidade caminhe no futuro para uma direção mais justa, com equidade para todos. Caso isso aconteça, as leis de propriedade intelectual e de direitos autorais precisarão ser transformadas. Deverão ser aplicadas novas normas para a repartição dos benefícios resultantes do patrimônio de conhecimentos humanos.

No Brasil, há 100 anos foi escrito o manifesto antropófago por Oswald de Andrade. Os modernistas da semana de arte moderna de 1922 em São Paulo propunham que se alimentasse a cultura brasileira com influências da Europa, África, das culturas indígenas e se deglutisse e digerisse aquilo tudo. De certo modo a IA representa esse processo de alimentação, deglutição e digestão do conhecimento, disponível na infosfera. Antropofagia digital.

Organizei num livro as perguntas e respostas da entrevista.  O objetivo do livro Conversas com a inteligência artificial é preparar a sociedade para lidar com a IA.  Esse livro começa com questões sobre quem é a IA. Há uma parte sobre o tema do oráculo, porque grandes civilizações do passado tiveram seus oráculos – na Grécia, Delfos, na China o I Ching, no Egito, a biblioteca de Alexandria, repositório de todo o conhecimento da época. O livro aborda o medo e as inseguranças diante dos impactos dessa tecnologia. Aborda questões de linguagem, inteligência, política, ética e responsabilidade. Desafios da IA, questões de regulamentação e o futuro da IA completam os grandes temas abordados.

Uma parte trata da alfabetização digital, que é essencial para garantir que as pessoas tenham conhecimentos e habilidades necessárias para entender e utilizar a IA de forma eficaz.  É necessário compreender o básico sobre a tecnologia e como a alfabetização em IA pode ajudar as pessoas a tomarem decisões informadas. Que habilidades e conhecimentos uma pessoa deve ter para se tornar alfabetizada em IA? Como as escolas e universidades estão incluindo a IA em seus currículos e programas de estudo? Quais os recursos disponíveis para ajudar as pessoas a aprenderem sobre a IA? Como as empresas de tecnologia estão colaborando com governos, instituições de ensino e ONGs para promover a alfabetização em IA? Como a educação em IA pode ajudar a preparar as pessoas para o futuro do trabalho e da sociedade? Essas são algumas questões que a própria inteligência artificial pode responder. 

Na aplicação da IA para a educação é importante a abertura para uma escuta ativa sobre o que ela tem a dizer. Há termos técnicos – auditoria de viés algorítmico, ataques adversariais, chatbots etc. - que são novidades. No final do livro há um glossário de temos uteis para se compreender essa tecnologia. 


No campo da educação há propostas de máquina de ensinar, de tutoria, de professor digital personalizado, o Khanmigo, da universidade Khan, discussões sore exclusão digital e dificuldades do acesso a infraestrutura e a tutores.

Para aproveitar bem a IA deve-se saber fazer as perguntas da maneira correta. Em função da maneira como são feitas as perguntas, as respostas podem ser muito diferentes. É preciso capacitar as pessoas para fazer as perguntas certas e para avaliar criticamente as respostas recebidas. 

Entre os pontos relacionados com a educação e a IA está a importância não apenas de ter acesso a infraestrutura – hardwares e softwares adequados - mas também de ter uma tutoria humana adequada, um professor digital personalizado. Nas interações com máquinas em sistemas mais simples, ao final se aperta uma tecla para falar com um dos assistentes humanos. É ele que muitas vezes orienta, guia e resolve as questões que a simples interação com as máquinas não resolve. A falta desse tutor ou guia humano representa uma forma de exclusão digital. 

As plataformas de IA oferecem subsídios, elementos e ideias como material de base de uma pesquisa, que precisam passar pelo escrutínio humano para serem validados. 

Esse material de base facilita, abrevia e torna mais rápido o acesso ao vasto acervo de conhecimentos, dados e informações disponíveis na internet, o cérebro global de Gaia, do qual nossa espécie é a massa cinzenta. Os usuários precisarão ter capacidade crítica e analítica para não aceitarem as respostas da IA como a última palavra num assunto, mas apenas como compilações iniciais


Vivemos num momento em que é preciso acelerar a tomada de consciência, despertar, a capacidade de compreender o que se passa e se adaptar, construir o futuro, projetar um futuro desejado. A experimentação com a IA pode ser um aprendizado de autoeducação e autoconhecimento. 

Ainda há muito para se aprimorar a inteligência artificial, torná-la menos sujeita a vieses discriminatórios, aperfeiçoar os seus valores éticos, para que seja de fato um assessor valioso dos seres humanos em uma multiplicidade de aplicações e de tarefas.  

Cabe aos humanos que as desenvolvem alimentá-las com informações e conhecimentos de boa qualidade, facilitar que seus efeitos sejam benéficos e que se evitem efeitos maléficos sobre a sociedade. 

Uma adequada autorregulação, complementada por regulação externa nacional e internacional, pode reduzir os riscos de que a IA seja utilizada por pessoas mal-intencionadas ou que propaguem preconceitos e discriminações.

Sugiro que todos e cada um envolvidos nas atividades da educação testem e experimentem a IA na prática, formulem as perguntas que lhes pareçam relevantes e estudem com cuidado as respostas recebidas. A infosfera tem um acúmulo de informações, produto do cérebro global da humanidade, que pode dar insights valiosos sobre a aplicação da IA na educação.  A inteligência artificial é um espelho ainda embaçado, mas já valioso para educar as inteligências individuais e sociais. A partir da interação com a IA pode-se educar não apenas a mente e as mãos, mas também os corações e reduzir sofrimentos e dor.

Obrigado.

Maurício Andrés