Maurício A
ndrés Ribeiro
A pandemia foi como um terremoto que sacudiu a humanidade. Num terremoto, placas tectônicas subterrâneas submetidas a estresse subitamente se movem e provocam uma readaptação. Nesse movimento, provocam impactos na superfície, tsunamis ou ondas gigantes, destruição de cidades e construções, mortes e sofrimento. A pandemia surgiu repentinamente e se alastrou, com consequências que foram comparadas a uma guerra. Ela acelerou a consciência sobre os perigos que ameaçam a sociedade e os indivíduos.
No mundo atual acontece uma sucessão de desastres: num dia ocorre um ataque terrorista, em outro dia um furacão ou um acidente ambiental, noutro dia uma pandemia. Incertezas crescentes e fatos inesperados perturbam as rotinas.
Vivemos na sociedade do risco, escreveu o sociólogo Ulrich Beck. Os riscos estão crescentemente associados a causas globais que inicialmente são invisíveis. A percepção do dia a dia é insuficiente para identificá-los. Por virem de dimensões pouco perceptíveis aos sentidos humanos (vírus, radiações atômicas) depende-se cada vez mais de ciência (matemática, química, física, biologia) e tecnologia (microscópios, radiômetros etc) para detectar tais ameaças. A vida prática real torna-se cega e incapaz de gerar as defesas necessárias diante deles. É necessário conhecimento técnico especializado para compreender o mundo e saber como lidar com ele.
Para proteger a população dos vírus os epidemiologistas, infectologistas, patologistas, imunologistas e profissionais da saúde foram convocados por governos. Eles detêm conhecimento especializado para lidar com as situações, reduzir os danos à vida e orientar sobre as medidas de controle para evitar sua propagação. Revalorizou-se o conhecimento prático, como lavar as mãos e colocar máscaras. Medidas de isolamento físico e de higiene foram adotadas, aceleraram-se pesquisas e estudos para compreender a doença e para produzir vacinas.
A pandemia acelerou a reflexão sobre a ciência, os limites do conhecimento científico, certezas e incertezas.
A ciência e os cientistas se alimentam das controvérsias e de aproximações sucessivas à verdade. Isso alimenta insegurança nas mentes das pessoas. Precisando de proteção, recorrem a lideranças que aparentemente lhes fornecem segurança e desacreditam da ciência.
Em vários países os cuidados praticados no início da pandemia foram relaxados, com maior aglomeração e saída às ruas: "O vírus destruiu o significado antigo de segurança." O comportamento temerário facilita a circulação do vírus e o prolongamento da duração da doença em ondes sucessivas.
A vulnerabilidade e a exposição a riscos se distribuem desigualmente na sociedade, prejudicando os menos capazes de se protegerem. Numa metrópole, pessoas nas periferias tem poucas condições de fazer quarentena e isolamento físico, por necessidade de trabalhar e ganhar o pão de cada dia ou por falta de espaço.
A segurança foi reconceituada e a biossegurança tornou-se um tema central, juntamente com as questões de segurança ecológica, segurança climática, segurança hídrica, segurança alimentar, emergências que estão na origem e na raiz de outras formas de insegurança pública, econômica, social, política.
Reconhecer os perigos é um primeiro passo para prevenir outras pandemias. A percepção do risco acende luzes amarelas de alerta e de emergência e desperta energias para enfrentá-lo. O aprendizado com a pandemia de 2020 pode deixar lições valiosas para se lidar com outras emergências e acender um sinal de alerta para se ficar atento e vigilante em relação a outros perigos e ameaças à segurança que emergem no horizonte.