terça-feira, 28 de julho de 2020

Ecologizar o banco do BRICS


                                        Maurício Andrés Ribeiro (*)

Brasil, Rússia,  Índia, China e África do Sul  constituem o BRICS, o grupo dos cinco maiores países emergentes. Juntos,  esses cinco países têm 40% da população mundial e cobrem 23% das terras do planeta.
Em julho de 2014, eles se reuniram em Fortaleza e decidiram criar o banco de desenvolvimento do BRICS, um projeto unificador entre esses cinco países.
Bancos de desenvolvimento direcionam recursos para investimentos e canalizam fluxos de capital para os projetos aprovados.  Assim, o Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e o BNDES, entre outros concederam crédito para projetos necessários. Entretanto, foram alvo de críticas por parte de organizações da sociedade, por terem financiado projetos social e ambientalmente  questionáveis.
Os Princípios do Equador, propostos em 2003 pela Corporação Financeira Internacional (IFC), vinculada ao Banco Mundial, estabeleceram diretrizes sociais e ambientais para as instituições bancárias. Naquele mesmo ano, a Declaração de Collevecchio, apoiada por organizações da sociedade civil, ressaltou a importância das instituições financeiras assumirem compromissos com  a prevenção de impactos das atividades que financiam, com a transparência das informações, com a prestação de contas à sociedade. Ressaltou-se a necessidade de se repensar a missão dos bancos e a urgência de que eles renunciem a oportunidades de negócios que sejam social ou ambientalmente destrutivas.  
Bancos de desenvolvimento precisam ter  missão, mandato e orientação política claramente definidos pelas sociedades que os instituíram. Quando priorizam certos projetos deixam de focalizar outros, havendo custos de oportunidade nessas decisões.
Seria desejável que o banco do BRICS inovasse em suas concepções, práticas, métodos, bem como no uso de indicadores. Um dos indicadores relevantes para serem aplicados em suas operações é a pegada ecológica, que estima a quantidade de área biologicamente produtiva para agricultura, pastagens, floresta e pesca, que está disponível para atender às necessidades da humanidade. Ela é expressa em hectares globais per capita (hag/pc) .  A pegada mundial é de 2,7 hectares globais per capita,  o espaço  médio necessário para sustentar cada um dos 7 bilhões de indivíduos no planeta.
Um brasileiro médio tem a pegada ecológica de 2,9 hectares globais, um pouco acima da média global; um chinês, 2,2;  um russo, 4,4; o sul-africano,  2,6hag/pc. O indiano médio tem uma pegada ecológica de 0,9 hag/pc. Entre os cinco BRICS, o russo tem uma pesada pegada ecológica, enquanto o indiano tem uma leve pegada per capita média. O indiano médio tem uma pegada ecológica nove vezes mais leve que o cidadão dos EUA, três vezes mais leve do que a pegada de um brasileiro e do que a pegada global.
A frugalidade contribui para manter leve a pegada ecológica per capita na Índia.
Reduzir o carnivorismo torna mais leve a pegada ecológica.
A Índia tem uma leve pegada per capita porque tem uma grande população com levíssima pegada. Em parte, a leveza da pegada ecológica da Índia relaciona-se à capacidade da sociedade indiana para satisfazer as necessidades materiais com o mínimo de pressão sobre o meio ambiente. Hábitos frugais de vida, associados a uma organização territorial descentralizada nas  milhares de aldeias, e combinados com o ecodesign de famílias e comunidades estendidas são parte da vida de milhões de pessoas na Índia. Tais características reduzem significativamente o consumo de recursos naturais e ajudam a explicar a sua pegada leve de 0,9 hag/pc. Ela resulta apenas em parte de privação material das coisas básicas necessárias para uma vida digna, tais como alimentos, água, energia, saneamento, habitação, educação e saúde. Dessa forma, o indiano médio tem um crédito ecológico, pois ameaça muito pouco a sustentabilidade global.  Tal crédito poderia ser usado para se investir em infraestrutura, resolver problemas de saneamento e em  projetos de adaptação às mudanças climáticas e fazer outras melhorias para beneficiar a parte da população que sofre privações, sem agravar a ameaça à sustentabilidade global. Quem aumenta o peso da pegada ecológica indiana são os 200 milhões de pessoas de classe média, com aspirações e hábitos de vida consumistas.  Caso venha a ser usado sem critério de justiça social, esse crédito ecológico poderia ampliar desigualdades ao aumentar o consumo dos indianos mais abastados.
 
 
 Indivíduos que têm uma pegada ecológica leve  pouco contribuem para a destruição ambiental; aqueles que têm uma pegada mais pesada ameaçam a sustentabilidade.
A espécie humana já domesticou animais  e usou sua força. Já domesticou vegetais e se alimentou com eles. Já canalizou a força das águas para produzir energia, para matar sua sede e irrigar as plantações.  Colocou a seu serviço  as energias de todo tipo, fósseis e renováveis. No contexto da crise ecológica e climática planetária, é um desafio ecologizar o capital, pois,  caso seja  deixado livre e sem regulação, sua força, como a das águas, pode ser destrutiva. É preciso colocar a força do capital  a  serviço do bem estar humano e da saúde ambiental. A aplicação do conceito de pegada ecológica per capita transformaria  o modo como se aborda o tema das desigualdades e pode apontar na direção de um nivelamento mundial de padrões de consumo. 
 
 

Suprimento de carne per capita, por país. Indicador que influi na pegada ecológica.

 
 
Se almejarmos um mundo menos injusto e mais sustentável, a pegada ecológica per capita deveria ser  leve e igual para todos os habitantes da terra. Caberia aos bancos aplicar os fluxos de capital  em  projetos que equalizem as pegadas ecológicas per capita. Assim, por exemplo, o banco do BRICS poderia inovar na utilização de indicadores de sustentabilidade para orientar suas operações e direcionar suas ações no sentido de reduzir injustiças, equalizando as pegadas ecológicas per capita dos habitantes dos países que o criaram.  O banco do BRICS poderia apoiar os russos em  atividades que visassem tornar sua pegada ecológica mais leve; auxiliar os indianos a terem melhor qualidade de vida e ao mesmo tempo a reduzirem desigualdades e manterem leve a sua pegada ecológica; canalizar recursos para projetos que tornem mais leve a pegada ecológica per capita de brasileiros, chineses e sul-africanos, ao mesmo tempo em que aumentem seu bem estar.
É necessário ecologizar o capital e colocar o dinheiro a serviço do bem estar humano e da saúde ambiental.

O banco do BRICS poderia atuar como um laboratório para experimentar esse modo de lidar com o capital, realizando suas operações de crédito de forma sintonizada com uma visão ecologizada. Ele  opera com 50 bilhões de dólares,  recursos modestos se comparados com os trilhões de dólares do capital circulante no mundo.  Entretanto, essa poderia ser uma  oportunidade para testar um novo modo de relacionamento com o capital. Sendo exitoso, poderia servir como exemplo e referência para regular os fluxos de capitais, colocando-os a serviço do bem estar e da saúde humana e ambiental.
Em 2020, diante da pandemia do coronavirus, o banco do BRICS anuncia que investirá em projetos sustentáveis.
(*)Autor dos livros Ecologizar, Tesouros da Índia e Meio Ambiente&Evolução Humana.




 

sexta-feira, 24 de julho de 2020

Aprender ou morrer


Maurício Andrés Ribeiro

A epidemia acelera a aprendizagem humana. Com isso, impulsiona transformações no mundo e no rumo da história. Todos estão aprendendo velozmente como se adaptar às novas rotinas das quarentenas, dos distanciamentos e dos lockdowns.
A aprendizagem mais imediata é voltada para  viver, reduzir riscos e manter a saúde. Para isso aprendem-se conhecimentos práticos de higiene: como lavar as mãos, como mudar posturas corporais e cumprimentos tradicionais; usar acessórios tais como máscaras; exercitar o distanciamento físico de outras pessoas, possíveis transmissoras de vírus.
Nessa nova rotina foi preciso aprender a como usar o tempo, escalonar e priorizar tarefas e temas. É necessário  aprender com leveza, evitando  gastar esforço e recursos  com ideias que não conduzem ao bem estar e que enfatizem a competição sem colaboração; focar no essencial, na aprendizagem daquilo que importa e descartar o que é supérfluo.
As quarentenas estimulam um estado de alerta, vigilância e atenção diante dos riscos da doença e proporcionam tempo para estudos e reflexão. Ao ficar em casa, aprende-se como estudar remotamente, como operar com os sistemas informatizados, como acessar conteúdos em vídeo e texto no celular e nos computadores, como participar de lives e webinars.  Tal habilitação se tornou essencial.
Cada profissional adapta suas atividades: comerciantes aprendem a vender por delivery e a anunciar seus produtos on line; artistas aprendem a fazer lives; pesquisadores aprendem a atuar em webinars.
As formas  de educar  passam  por transformação  durante a pandemia e as quarentenas.  Com o isolamento físico,  suspenderam-se aulas em escolas e muitas crianças e adultos aprendem em casa. Um efeito colateral da pandemia foi acelerar a modernização na educação. O vírus deu uma chacoalhada na inércia e no comodismo  nesse campo.
Os professores e alunos se adaptam. Acelerou-se a alfabetização digital usando o zoom, meeting, YouTube, Skype e outras mídias; acelerou-se  o intercâmbio e aprendizagem mútua, com o compartilhamento de boas práticas de educação remota que uns já dominam e outros professores ainda não. Lidar com as tecnologias é habilidade que os professores  precisam ter para dar aulas remotamente. Isso demanda infraestrutura, equipamento, assistência técnica, softwares e acesso à rede como instrumentos de trabalho. Professores aprendem a lidar com celulares, tablets e computadores, como adaptar suas aulas para que sejam instrutivas e atraentes e não afastem  seus estudantes. Nessa educação mediada pela tecnologia ressalta a  importância dos professores  em carne e osso.
Estudantes aprendem a usar as novas tecnologias nos celulares e computadores e a prestar atenção aos conteúdos transmitidos. Alunos em casa recebem aulas de música, pilates, ginastica, yoga.
Esse impulso na aprendizagem, dado de fora para dentro pelo vírus, pode induzir a uma modernização permanente dos sistemas de educação. Esse avanço precisa impulsionar os governos para proverem a infraestrutura necessária, com computadores e acesso à internet e para que não seja revertido quando passar a fase crítica da pandemia. Que seja  internalizado, com todos os seus ganhos de democratização da educação e ganhos ecológicos associados.
Aula ao ar livre em Kenchankuppe, India.
Isso envolve mudanças no  modo de aprender nas escolas e fora delas. A educação ao ar livre saudável, com ventilação e insolação natural, dispersa os vírus. riscos de contaminação na volta às aulas presenciais, elas próprias precisam ser redesenhadas para manter o distanciamento físico. Minhas netas na fazenda  aprendem a conviver com a natureza, nomes de plantas e arvores, convivem com bichos, tomam leite de vaca no curral. Aprendem também a educação sanitária, como lavar as mãos,  como  se proteger. Convivem com primas e se sujam na terra, são felizes. Não têm a escolinha bilingue que tinham na metrópole, o que é compensado pelo tipo de aprendizado que desfrutam no  ambiente rural.
Os profissionais da saúde têm o desafio de atender os doentes, não se contaminar e não se  deixar levar por cansaço ou desespero diante da tragédia sanitária e das mortes que presenciam diariamente.  A proximidade da morte  ensina as pessoas  a serem mais cientes de sua fragilidade e vulnerabilidade, a serem mais humildes, mais solidarias, com maior sentido da unidade humana e da ajuda mútua. A serem menos arrogantes, menos egoístas. Há exceções, aqueles espertinhos que tentam se aproveitar e tirar vantagem da situação em proveito próprio, a usar seu poder econômico para se apropriar de recursos deixando os demais para trás. Mas esses tipos de atitudes são crescentemente reprovados e denunciados, gerando constrangimentos a quem os pratica. A percepção da fragilidade da vida e sua vulnerabilidade  podem levar  a mudanças de atitudes, especialmente na educação e na saúde.
Coletivamente, em aproximações sucessivas e por tentativa e erro, a sociedade aprende quando abrir e  fechar as atividades econômicas, avaliar o risco de um lockdown continuado para a economia  e qual o risco da circulação para a saúde das pessoas. Os governos, empresas e pessoas aprendem a lidar com essa nova situação. Todos aprendem sobre o vírus, os modos de combatê-lo e de prevenir futuras pandemias. Acontece um grande processo pedagógico, a pedagogia do susto, do choque, do inesperado que ensina rapidamente.
Aula de Yoga em  escola no Sri Aurobindo Ashram, New Delhi, India.
Uma transformação da consciência  por meio da educação  é necessária para lidar com as mudanças no ambiente externo e criar condições para nos adaptarmos a elas. 

A epidemia evidencia desigualdades, injustiças, a unidade humana e sua interdependência, a necessidade da solidariedade, de empatia, a presença do trágico. Esse aprendizado é valioso na atual circunstância e pode ser valioso para as futuras pandemias, mudanças do clima e outras encrencas que virão. No limite, é aprender ou morrer!

 

terça-feira, 21 de julho de 2020

A pandemia e as viagens para fora e para dentro

Maurício Andrés Ribeiro 

Com a pandemia, as viagens internacionais de turismo, diversão, lazer e recreação sofreram forte impacto, devido aos riscos sanitários nos cruzeiros marítimos e as dificuldades para entrada em diversos países. O vírus reduziu drasticamente o viajismo, o consumismo na forma de viagens,  e impactou o turismo. Cruzeiros, voos de baixo custo e resorts, do turismo de massa, foram paralisados.
O turismo geriátrico pelo qual multidões de idosos abonados se deslocam freneticamente pelo mundo para olhar de perto atrações e patrimônios, sofreu uma freada brusca com o coronavirus.
Milhares de pequenos empreendedores, donos de pousadas, pequenos comerciantes voltados para atender aos turistas e à população flutuante e sazonal perderam suas fontes  de renda.
Os residentes em lotais de atrações turísticas desenvolviam uma tendência à turismofobia, a aversão ao turismo.  O turismo de massa pressiona a infraestrutura das cidades turísticas e costuma matar a galinha dos ovos de ouro, a atração de que se alimenta. A pandemia reduziu os impactos ambientais negativos de grandes fluxos de pessoas acima da capacidade de suporte e de carga dos locais visitados que pressiona os recursos naturais.
O turismo de massa gerou a turismofobia nas populações residentes em locais de grande atração.
Aos consumidores de viagens e à indústria do turismo que tira seu sustento delas, o coronavirus trouxe a tarefa de encontrar maneiras de serem realizadas com menores externalidades negativas e internalizando os custos sociais e ambientais que provocam. Animais responderam à ausência de humanos, aparecendo nos ambientes dos quais fugiam quando havia muitos turistas. Será possível, necessário e desejável ecologizar o turismo depois da pandemia?
Há quem preveja que o turismo deverá se centrar em viagens domésticas e regionais e menos em viagens internacionais. A indústria da hotelaria, incluindo o AirBnB terão que se reinventar.
Lisboa propõe usar os alojamentos de AirBnB  como casas para  profissionais de serviços essenciais que vinham sendo expulsos para ceder lugar para turistas. O governo local arrendaria os alojamentos dos proprietários e os subarrendaria para os moradores.
Os deslocamentos para viagens de lazer e entretenimento depois da pandemia tendem a se reduzir drasticamente, especialmente para os idosos e grupos de risco vulneráveis ao vírus.
Os deslocamentos para conferências e eventos também se reduzem, com a proliferação de teleconferências e tele eventos a distância.
Também as viagens de negócios se reduzem com o tele comércio à distância, bem como as viagens para educação e desfrutar de cursos em universidades estrangeiras.
O turismo internacional tende a ceder lugar a viagens mais locais depois da pandemia.
Todos os usos que justificavam viagens físicas dispõem hoje de alternativas mais econômicas e ecológicas para se realizarem com conexões sociais via internet. Os rincões mais remotos do mundo passam a dispor de conexões de qualidade que viabilizam viagens virtuais.
 Uma das formas de atender à demanda por conhecer novos lugares é o tele turismo. Viagens virtuais substituem viagens presenciais. Não há o envolvimento sensorial do tato, do olfato e dos movimentos, mas há sons e imagens por meio dos quais se visitam museus, cidades, paisagens naturais. Até mesmo lugares inacessíveis presencialmente, como por exemplo outros planetas e universos, estão disponíveis em vídeos e imagens ao toque de um clique na internet.  O tele turismo leva mais longe do que o turismo presencial. A imaginação voa por sobre  as imagens.  Além disso  é mais barato e provoca menores impactos ambientais do que o turismo presencial.
Meditação e vida contemplativa levam a ricas viagens para dentro  de si em direção ao autoconhecimento.
No mundo com pandemia, cuidados constantes para reduzir riscos, novos hábitos de higiene, de distanciamento físico, de uso de máscaras, ajudam a lembrar que a vida é perigosa. Todos os dias se noticiam muitas mortes  e o cerco dela se aproxima, atingindo pessoas próximas.  A presença da morte  induz a maior introspecção, questionamentos do modo de vida anterior, opções por mudar de vida, adotar  ritmo mais lento. 
As quarentenas e o isolamento físico abriram tempos para  as viagens para dentro de si, o silêncio. Meditação e contemplação, respiração consciente e atenção ao agora ganham tempos que eram gastos com agitação e barulho. Sendo bem aproveitados, podem trazer um ganho evolutivo para cada indivíduo e para a espécie,  despertando o  amor, a solidariedade, a fraternidade, o sentido de unidade humana, uma economia minimalista do necessário, bem como uma recusa ao supérfluo.Os sonhos se tornam mais frequentes e intensos e trazem à tona o que está no subconsciente.
O freio de arrumação proporcionado pela pandemia na compulsão por viagens para fora abriu oportunidades para as viagens interiores, para a introspecção e o autoconhecimento. Elas facilitam a evolução espiritual, ética e  psicológica necessária para a espécie humana sobreviver nessa mega etapa de transição em que nos encontramos.

 

Os novos ecologistas capitalistas


Maurício Andrés Ribeiro

Nos últimos tempos há vários sinais de que os capitalistas, investidores e acionistas  estão passando por uma transformação de consciência. Os novos ecologistas estão chegando e sua origem é o setor econômico e financeiro das sociedades. Os capitalistas estão percebendo que devastação ambiental lhes dá prejuízos econômicos.
Alguns capitalistas estão se ecologizando. Está caindo a ficha que sem isso eles terão prejuízos econômicos a médio e longo prazos. O auto interesse egoísta e míope  aos poucos cede lugar a um auto interesse mais esclarecido e que enxerga um pouco mais longe. A ego ação cede lugar à eco-ação. Ainda está longe uma visão altruísta e de prestar um serviço desinteressado à humanidade (seva ação) mas iniciativas como essa podem ser passos iniciais nessa direção.
Fundos  de investimento internacional pressionam governos para proteger florestas, sob  pena de não mais investirem. Eles usam como arma o capital de que dispõem e que é muito cobiçado para investimentos. São seguidos por empresários locais  com pressões similares. A pandemia acelerou mudanças na percepção e na consciência de empresários e capitalistas.
O capitalista míope enxerga o dinheiro antes de todo o resto.
Os neoecologistas articulam economia e ecologia. Os capitalistas não egoístas, investidores, acionistas, conselhos de administração, diretores das empresas, corporações e companhias percebem que terão prejuízos se não considerarem os demais stakeholders ou partes interessadas.
Tomara que assumam cada vez mais suas responsabilidades e que outros se alinhem com essas atitudes.
Tomara que essa atitude contagie muitos outros milionários e bilionários no Brasil e no mundo para que, num surto de generosidade e de solidariedade, ajudem a humanidade nessa pandemia e nas outras crises que virão.
 Tomara que os capitalistas não egoístas se multipliquem e ofereçam sua cota de participação para o bem comum e não apenas para os seus próprios bolsos e contas bancárias. Enquanto os governos não atenderem às justas reivindicações de parte dos detentores das grandes fortunas de serem mais e mais taxados, o excesso de dinheiro que lhes pesa nos bolsos poderia ser doado para boas causas sociais, culturais e ecológicas.
A pandemia acelera a ecologização da economia, e das práticas bancárias. Talvez isso leve à ecologização dos capitalistas, no seu próprio auto interesse.
Uma reinicialização necessária com a mudança de consciência de capitalistas.
 

A realidade é dinâmica, mutável e  as conjunturas das atualidades são passageiras. O egoísmo pode ser superado. A solidariedade pode prevalecer. O futuro está aberto e há nele um grande potencial: ecologizar os capitalistas é um deles.

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Pandemia, cidade e campo


Maurício Andrés Ribeiro

Nas últimas décadas houve um esvaziamento do campo e uma explosão demográfica nas cidades. A atual pandemia fortalece a tendência inversa, de reruralização e  desmetropolização.
Quem pode, sai da cidade grande e se refugia no campo ou em pequenas cidades. Com a pandemia deve se intensificar uma migração reversa.
O êxodo imobiliário das grandes cidades para as pequenas e da cidade para o campo, ocorre, por exemplo, na Espanha bem como no     regresso às aldeias italianas. Valorizam-se casas no campo, desvalorizam-se apartamentos em cidades.  “Sell city, buy country.” 

Intensificou-se o êxodo das grandes cidades para o campo e para pequenas e médias cidades. Pessoas fogem da contaminação em busca de tranquilidade de bem estar, com mais espaço para crianças e  menos aglomerações.  A conexão virtual e tecnológica viabiliza o teletrabalho. A pandemia está desgentrificando áreas urbanas e gentrificando áreas rurais e pequenas cidades na Europa, na Inglaterra.

 

 

 

A pandemia e a crise econômica dela decorrente aceleraram algumas tendências de mudanças nas cidades americanas e também no Brasil. Famílias se mudam para periferias e zonas rurais menos caras e menos adensadas, cortando custos e os riscos sanitários dos ambientes densos, esvaziando os usos de parques, cinemas etc. devido aos maiores riscos sanitários nesses locais. As cidades remotas atraem trabalhadores dispersos porem conectados.  Negócios imobiliários se intensificam com o êxodo das capitais e das metrópoles em busca de destinos com mais espaço e menor custo de vida.

Ao mesmo tempo que os humanos se retiram dos lugares, como os turistas numa

 

 

cidade centenária tailandesa, os macacos a ocupam.

Viver nas cidades tornou-se imprevisível. Com isso, quem pode saiu delas para viver em casas no campo ou em pequenas cidades, menos sujeitas a tais variações e imprevisibilidades. Ao mesmo tempo, valorizou-se o paisagismo e a jardinagem para manter-se perto do ambiente natural.

A pandemia acelerou o impulso para se reconectar com a terra, para valorizar a agricultura familiar, para voltar a viver no meio rural e aprender sobre os vegetais, os animais e a água. Nossa comida é também nossa medicina. A agricultura urbana, domiciliar e  familiar, orgânica deve se intensificar para gerar menos dependência de sistemas de abastecimento de grande escala e distantes, produzir mais segurança alimentar por meio da produção de alimentos junto ao local de consumo, em ciclos e sistemas locais, além de trazer bem-estar  emocional. A pandemia  reforça a importância da agricultura familiar e da soberania alimentar. A FMI, FAO e órgãos de meio ambiente da Onu propõem sistemas alimentares sustentáveis que valorizem as produções locais e regionais, dietas saudáveis com menor consumo de alimentos de origem animal,  a agricultura regenerativa, que proteja os solos, a água e o ar,  a conservação de florestas e a redução da pecuária.

A pandemia ajuda a impulsionar o projeto e a construção de casas autônomas e autossuficientes que produzem sua energia, agua e alimentos e que não dependem das redes e sistemas de abastecimento externo, vulneráveis numa crise.

Com a pandemia se  fortalecem as redes de pequenas cidades, como as que existem no interior de Minas e na rede de aldeias indianas.
Nos  anos 70 estudei, na Índia, uma das mais de 600 mil aldeias indianas (Kenchankuppe, em Karnataka, perto  de Bengaluru). Elas se abastecem com água, energia, materiais de construção e alimentos das redondezas, o que reduz a demanda por transportes de longa distância, conservando energia e recursos naturais. As aldeias ficam a poucos quilômetros umas das outras e formam uma rede territorial com relações econômicas e sociais. Essa estrutura se formou ao longo da história e durou vasto período. Ela obedece a um sofisticado padrão de aproveitamento dos recursos naturais, de conservação do meio ambiente e de prevenção de epidemias. A sabedoria indiana se expressa territorialmente no corpo dessa rede de aldeias interconectadas e que têm seu próprio sistema de governança coletiva, os panchayats.
Antena parabólica ao fundo conecta uma aldeia indiana com o mundo. Uma reded territorial se integra numa rede virtual eletrônica.
Essa é uma base espacial para uma economia rural sustentável que pode ser tomada como referência num mundo que precisa aprender a conservar energia e combustíveis, preservar a qualidade do ambiente e  se proteger de epidemias. Nesse sentido a historia milenar indiana produziu um modo de organização territorial da população inteligente. Esse é um padrão de organização territorial que pode inspirar no Brasil  a formação de uma rede de assentamentos com menor impacto ambiental e menores riscos à saúde individual e pública. Organizados e conectados regionalmente os milhares de municípios brasileiros podem formar uma rede similar. No mundo tecnologizado atual, conectados também numa rede virtual de comunicação pela internet que facilita a descentralização de trabalho, cultura, educação.
Distribuir a população numa rede de pequenas e médias cidades semi autossuficientes em água, energia, alimentos, materiais de construção é um modo de organização da sociedade valioso para reduzir os riscos de futuras pandemias. Fortalecer essa rede é um modo de lidar preventivamente com as  pandemias em sua relação com o urbanismo. Uma das formas de  prevenir novas pandemias pode ser feita por meio da organização territorial.
Cada vez mais cidades atraem trabalhadores individuais, remotos com liberdade para morar em qualquer lugar, desde que conectados. Eles escolhem onde querem viver de acordo com seu bem estar e não com a localização de seus empregadores. Substitui-se a estratégia de dar  incentivos econômicos para atrair empresas e passa-se a oferecer vantagens para atrair indivíduos que já dispõem de emprego e renda.
A pandemia acelera a desterritorialização num mundo virtual, no qual as distâncias físicas perdem importância. As conexões sociais para o trabalho, o estudo e a cultura, se estabelecem via internet e redes de comunicação. 
Hoje o grande distanciamento social acontece entre quem está ou não está conectado, esteja fisicamente próximo ou não.  
Auroville, cidade laboratório em que se testam modos de vida para o futuro.

Além disso, viver no campo ou em pequenas cidades reconecta crianças e adultos com a natureza e constitui um importante momento pedagógico de desalienação ecológica e de compreensão dos ciclos e ritmos naturais. Afastados dos apelos consumistas torna-se mais leve sua pegada  ecológica, hídrica, de carbono, aliviando assim os impactos que seus modos de vida provocam no ambiente.

 

terça-feira, 14 de julho de 2020

A pandemia acelerou mudanças na mobilidade urbana


Maurício Andrés Ribeiro 


Há uns dois meses a bateria de meu carro arriou. Ele ficou estacionado desde o início da quarentena por falta de uso. A bateria continuará arriada até que o carro volte a ser necessário. Por enquanto estou em home office. Deixei de consumir gasolina, pneus, de poluir o ar com gás carbônico, de contribuir para agravar o efeito estufa. Para o cálculo do PIB isso é negativo, mas a qualidade do ar na cidade agradece.
Na quarentena muitos carros ficaram parados no estacionamento local.
 
Com a quarentena, os serviços de delivery e entrega em casa foram mais demandados. Isso se traduziu na presença de motoboys e cicloboys na cidade.
Moto boys tiveram muito trabalho de entregas durante a quarentena.
 
No plano piloto em Brasília há comércio local – farmácias, padarias, supermercados, restaurantes onde se vai a pé. As  superquadras, que se tornaram parques urbanos pela sua intensa arborização, têm calçadas para pedestres e ciclovias. O urbanismo modernista de Brasília, tão criticado, mostra qualidades no tempo da pandemia.
No dia em que se flexibilizou a quarentena foi autorizada a abertura de algumas atividades e aumentou a circulação de automóveis. Não porque muita gente retornou ao trabalho, mas porque aqueles que voltaram preferiram se deslocar em automóveis, ao invés de usar o transporte público ou o metrô. Aumentou o uso do transporte solidário em companhia de pessoas que ofereçam menos riscos de contaminação.
Rodoviária de Brasília. Quem pode,  evita usar  o transporte coletivo em ônibus devido aos riscos de contágio.
Greves de motoristas de ônibus expressam que  essa se tornou uma profissão de risco, especialmente quando trafegam superlotados.
Durante a quarentena, há menor frequência de deslocamento de pessoas, por dia ou por semana; fez-se o escalonamento dos horários de atividades para evitar picos e congestionamentos no transporte urbano.
Na pós pandemia, os pedestres e as bicicletas deverão ser mais valorizados nas cidades e os automóveis cederão lugar a esses modos mais econômicos e ecológicos.
Na Índia, onde já existe uso intenso de veículos pequenos como motos, riquixás e autoriquixás,  e na Europa já existem planos para a pedestrianização, a caminhabilidade e o uso de bicicletas.
Nos EUA o transporte de massa público tornou-se menos atrativo, devido aos riscos de aglomeração e de contágio.
Na França, as eleições locais em várias cidades  foram vencidas por  verdes com programas de despoluição  do ar, de abrir espaços para bicicletas, reduzir espaços para carros e enfrentar as mudanças do clima. A cidade de 15 minutos, aquela em que se pode caminhar ou ir de bicicleta de casa para o trabalho, para as compras e o lazer, é uma proposta pós pandemia. Ela evita deslocamentos de longas distâncias, sempre arriscados e que consomem muita energia;  fortalece a localidade e seus recursos. É viável o uso de bicicletas em cidades densas e planas. Já em cidades menos densas, onde as distancias são longas, tal uso fica prejudicado, como acontece por exemplo em ciclovias subutilizadas em Brasília.
Na pandemia impulsionou-se a consciência de que transportar informação é mais econômico, ecológico e rápido do que transportar pessoas ou coisas. A pandemia  acelerou a consciência sobre o  digital, em que haverá mais transporte de informações via internet e mídias e redução do transporte de pessoas. Teletrabalho,  tele-educação, tele cultura, tele lazer tornam-se partes do cotidiano.
O transporte mais ecológico é o que se deixa de usar. Reduzir o uso de veículos poluentes é um modo de tornar mais leve a pegada ecológica dos cidadãos. Há alguns anos dei aulas de gestão ambiental urbana e  alunos faziam o exercício de calcular sua própria pegada ecológica. Em Brasília um peso substancial da pegada ecológica se deve aos deslocamentos em veículos individuais devido à baixa densidade da cidade, a sua concepção rodoviarista e voltada para facilitar o uso de automóveis.


Ecologizar a cidade parece ser uma onda da vez. Ecologizar a mobilidade e  os transportes é um componente essencial disso. Essa onda será avaliada em seus resultados quando os custos e benefícios de ações práticas forem sentidos pelos cidadãos e eleitores.