Maurício
Andrés Ribeiro (*)
Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul constituem o BRICS, o grupo dos cinco maiores
países emergentes. Juntos, esses cinco
países têm 40% da população mundial e cobrem 23% das terras do planeta.
Em julho de 2014, eles se reuniram em Fortaleza e decidiram
criar o banco de desenvolvimento do BRICS, um projeto unificador entre esses
cinco países.
Bancos de desenvolvimento direcionam recursos para investimentos
e canalizam fluxos de capital para os projetos aprovados. Assim, o Banco Mundial, o Banco Interamericano
de Desenvolvimento e o BNDES, entre outros concederam crédito para projetos
necessários. Entretanto, foram alvo de críticas por parte de organizações da
sociedade, por terem financiado projetos social e ambientalmente questionáveis.
Os Princípios do
Equador, propostos em 2003 pela Corporação Financeira Internacional
(IFC), vinculada ao Banco Mundial, estabeleceram diretrizes sociais e
ambientais para as instituições bancárias. Naquele mesmo ano, a Declaração de
Collevecchio, apoiada por organizações da sociedade civil, ressaltou a
importância das instituições financeiras assumirem compromissos com a prevenção de impactos das atividades que
financiam, com a transparência das informações, com a prestação de contas à
sociedade. Ressaltou-se a necessidade de se repensar a missão dos bancos e a urgência
de que eles renunciem a oportunidades de negócios que sejam social ou
ambientalmente destrutivas.
Bancos de desenvolvimento precisam ter missão, mandato e orientação política claramente
definidos pelas sociedades que os instituíram. Quando priorizam certos projetos
deixam de focalizar outros, havendo custos de oportunidade nessas decisões.
Seria
desejável que o banco do BRICS inovasse em suas concepções, práticas, métodos,
bem como no uso de indicadores. Um dos indicadores relevantes para serem
aplicados em suas operações é a pegada ecológica, que estima
a quantidade de área biologicamente produtiva para agricultura, pastagens,
floresta e pesca, que está disponível para atender às necessidades da
humanidade. Ela é expressa em hectares globais per capita
(hag/pc) . A pegada mundial é de 2,7
hectares globais per capita, o
espaço médio necessário para sustentar cada
um dos 7 bilhões de indivíduos no planeta.
Um brasileiro médio tem a pegada ecológica de 2,9 hectares
globais, um pouco acima da média global; um chinês, 2,2; um russo, 4,4; o sul-africano, 2,6hag/pc. O indiano médio tem uma pegada
ecológica de 0,9 hag/pc. Entre os cinco BRICS, o russo tem uma pesada pegada
ecológica, enquanto o indiano tem uma leve pegada per capita média. O indiano
médio tem uma pegada ecológica nove vezes mais leve que o cidadão dos EUA, três
vezes mais leve do que a pegada de um brasileiro e do que a pegada global.
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A frugalidade contribui para manter leve a pegada ecológica per capita na Índia. |
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Reduzir o carnivorismo torna mais leve a pegada ecológica. |
A
Índia tem uma leve pegada per capita porque tem uma grande população com
levíssima pegada. Em parte, a leveza da pegada ecológica
da Índia relaciona-se à capacidade da sociedade indiana para satisfazer as
necessidades materiais com o mínimo de pressão sobre o meio ambiente. Hábitos frugais
de vida, associados a uma organização territorial descentralizada nas milhares de aldeias, e combinados com o
ecodesign de famílias e comunidades estendidas são parte da vida de milhões de
pessoas na Índia. Tais características reduzem significativamente o
consumo de recursos naturais e ajudam a explicar a sua pegada leve de 0,9
hag/pc. Ela resulta apenas em parte de privação material das coisas básicas
necessárias para uma vida digna, tais como alimentos, água, energia,
saneamento, habitação, educação e saúde. Dessa forma, o indiano médio tem um
crédito ecológico, pois ameaça muito pouco a sustentabilidade global. Tal crédito poderia ser usado para se investir
em infraestrutura, resolver problemas de saneamento e em projetos de adaptação às mudanças climáticas e
fazer outras melhorias para beneficiar a parte da população que sofre privações,
sem agravar a ameaça à sustentabilidade global. Quem aumenta o
peso da pegada ecológica indiana são os 200 milhões de pessoas de classe média,
com aspirações e hábitos de vida consumistas. Caso venha a ser usado sem critério
de justiça social, esse crédito ecológico poderia ampliar desigualdades ao
aumentar o consumo dos indianos mais abastados.
Indivíduos que têm uma pegada ecológica leve pouco contribuem para a destruição ambiental;
aqueles que têm uma pegada mais pesada ameaçam a sustentabilidade.
A espécie humana já
domesticou animais e usou sua força. Já
domesticou vegetais e se alimentou com eles. Já canalizou a força das águas
para produzir energia, para matar sua sede e irrigar as plantações. Colocou a seu serviço as energias de todo tipo, fósseis e
renováveis. No contexto da crise ecológica e climática
planetária, é um desafio ecologizar o capital, pois, caso seja
deixado livre e sem regulação, sua força, como a das águas, pode ser
destrutiva. É preciso colocar a força do capital a
serviço do bem estar humano e da saúde ambiental. A
aplicação do conceito de pegada ecológica per capita transformaria o modo como se aborda o tema das
desigualdades e pode apontar na direção de um nivelamento mundial de padrões de
consumo.
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Suprimento de carne per capita, por país. Indicador que influi na pegada ecológica. |
Se almejarmos um mundo
menos injusto e mais sustentável, a pegada ecológica per capita deveria ser leve e igual para todos os habitantes da
terra.
Caberia aos bancos aplicar os fluxos de capital em projetos
que equalizem as pegadas ecológicas per capita. Assim, por exemplo, o
banco do BRICS poderia inovar na utilização de indicadores de sustentabilidade
para orientar suas operações e direcionar suas ações no sentido de reduzir
injustiças, equalizando as pegadas ecológicas per capita dos habitantes dos
países que o criaram. O banco do BRICS
poderia apoiar os russos em atividades
que visassem tornar sua pegada ecológica mais leve; auxiliar os indianos a
terem melhor qualidade de vida e ao mesmo tempo a reduzirem desigualdades e
manterem leve a sua pegada ecológica; canalizar recursos para projetos que
tornem mais leve a pegada ecológica per capita de brasileiros, chineses e
sul-africanos, ao mesmo tempo em que aumentem seu bem estar.
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É necessário ecologizar o capital e colocar o dinheiro a serviço do bem estar humano e da saúde ambiental. |
O banco do BRICS poderia
atuar como um laboratório para experimentar esse modo de lidar com o capital, realizando
suas operações de crédito de forma sintonizada com uma visão ecologizada. Ele opera com 50 bilhões de
dólares, recursos modestos se comparados
com os trilhões de dólares do capital circulante no mundo. Entretanto, essa poderia ser uma oportunidade para testar um novo modo de
relacionamento com o capital. Sendo exitoso, poderia servir como exemplo e
referência para regular os fluxos de capitais, colocando-os a serviço do bem
estar e da saúde humana e ambiental.
Em 2020, diante da pandemia do coronavirus, o banco
do BRICS anuncia que investirá em projetos sustentáveis.
(*)Autor dos livros Ecologizar,
Tesouros da Índia e Meio Ambiente&Evolução Humana.