Maurício Andrés Ribeiro
A Índia experimentou ao longo de
sua história, com grande liberdade, modos de oferecer respostas aos vários
problemas com os quais se defrontou.
O experimentalismo na Índia se
aplica em diversos campos da vida. A sociedade faz experiências consigo mesma,
na sua forma de organização social, na sua psicologia, no seu modo de lidar com
a consciência e com a espiritualidade. É como se um espírito científico alimentasse a
busca por autoconhecimento. Por isso indianos como Sri Aurobindo e Tagore
consideram a Í
ndia uma experiência única entre as várias civilizações humanas.
ndia uma experiência única entre as várias civilizações humanas.
O cristianismo primitivo,
introduzido na Índia pelo apóstolo São Tomé, o mais experimental dos discípulos
de Jesus, que precisava ver para crer, foi distinto do cristianismo romano com
seus dogmas, que lá chegou há 500 anos
com a colonização europeia.
Sadhu à margens do Ganges em Rishikesh. Liberdade de busca espiritual. |
No Vedanta não se demanda das
pessoas acreditarem em verdades ou dogmas, mas
estimula-se a experimentação, a vivência prática. A sociedade incentivou
a liberdade de busca espiritual e de investigação religiosa de cada um,
experimentando o seu caminho para a autorrealização.
Na Satyagraha, Gandhi fazia experiências com a verdade.
Os últimos passos de Gandhi no Memorial em Delhi. Ele fazia experiências com a verdade. |
As experiências com o corpo
levaram ao desenvolvimento de pranayama, modos de respirar, ásanas, modos de
ter posturas corporais, hábitos alimentares, uso de sons, formas, cores,
conhecimento sobre a energia que flui no corpo (chacras) e conhecimento sobre
as fases da vida no Kama sutra.
A respiração é elevada de um ato
natural que um ser vivo realiza do momento em que nasce ao último suspiro, a um
ato cultural consciente. Exercita-se a respiração
e como ela influi sobre os estados de consciência, sobre o corpo e a mente. Pranayamas,
exercícios respiratórios facilitam a concentração e a atenção no aqui e agora. Uma
boa respiração reduz estresse, hipertensão, depressão. Relaxa, produz boa
irrigação sanguínea, oxigenação. A Índia desenvolveu a ciência e arte de
respirar.
O Ioga, com sua ação sobre o
corpo, a mente e as emoções, desenvolveu práticas e exercícios que expandem os
limites humanos, desenvolvem a atenção e presença no agora, a
concentração, a criatividade nas artes e
ciências.
A psicologia yogue faz
experiências com níveis extremos da consciência e da supraconsciência, domínios
em que não se aventura a maior parte da
psicologia ocidental (exceto a psicologia transpessoal).
Acumulou-se valioso conhecimento
sobre a mente, na meditação e na alteração de estados de consciência. Ken
Wilber (no livro Psicologia Integral, Pg. 30) escreve sobre os benefícios da
meditação que torna o campo mental mais limpo; permite esvaziar a mente de
pensamentos, emoções, crenças, percepções; entra em estados de consciência mais
lúcidos, melhora a qualidade dos pensamentos; tira o supérfluo e deixa o
essencial, permite acessar domínios superiores de forma deliberada e
prolongada.
Formou-se em séculos e milênios
de experiências um impressionante corpo de conhecimentos sobre o ser humano, seu
corpo, sua mente, suas emoções, seus processos psicológicos. Esse corpo de
conhecimentos está hoje à disposição do mundo globalizado, que chega a um
estágio de crescimento populacional e adensamento em seu território similar ao
que a Índia vivenciou no passado. Daí a razão da frase de Tagore, de que O que a Índia já foi, o mundo todo é
agora.”. Invadida e dominada por muitos e variados povos ela desenvolveu um
know how de inclusão, de tolerância,
de hospitalidade e de adaptação valioso para o mundo moderno.
Até mesmo o polêmico e
controverso sistema de castas que organiza a vida social foi um experimento da
sociedade indiana consigo mesma. A Índia constituiu uma sociedade que nunca
escravizou nem se deixou escravizar. Sobre esse sistema, Tagore observa “O que os observadores ocidentais não
conseguem discernir é que, em seu sistema de castas, a Índia seriamente aceitou
sua responsabilidade de resolver o problema de raças de maneira a evitar toda
fricção, e ainda assim oferecendo a cada raça liberdade dentro de suas
fronteiras. Admitamos que a Índia não obteve nisso um sucesso absoluto. Mas
também deve ser lembrado que o ocidente, situado mais favoravelmente quanto à
homogeneidade de raças, nunca deu atenção a esse problema; sempre que confrontado
com ele, tentou torná-lo mais fácil, ignorando-o." Num período em que
proliferam fundamentalismos e fanatismos ideológicos e religiosos, que
polarizam e criam conflitos violentos,
em que os migrantes são hostilizados ou enxotados, vale conhecer o know
how indiano de convivência das
diferenças, da hospitalidade e de todos os aspectos do soft power
indiano que trazem de modo difuso e discreto influências positivas para o mundo
contemporâneo.
Essa civilização com mais de 4000
anos de experiência acumulou um patrimônio enorme de sabedoria e de
conhecimentos. Muito desse patrimônio foi acumulado a partir de métodos
experimentais, de tentativa e erro, de aproximações sucessivas, de
incrementalismos.
A riqueza de um povo não é apenas
material, financeira, econômica, ou o seu patrimônio natural, mas principalmente seu patrimônio social,
espiritual e cultural, intangível e imaterial.