Entramos
num novo período da história do planeta, o antropoceno. Nele, o homo sapiens transforma o meio ambiente
e causa mudanças climáticas e perdas de biodiversidade. Por outro lado, com sua
capacidade de autoconhecimento e de compreender como funciona a natureza, é
agente preservador e restaurador. A evolução é crescentemente influenciada por suas
ações.
Em
2011, a ONU divulgou relatório com projeções de população: sete bilhões neste
ano; 9,3 em 2050 e 10 em 2100. Alguns cenários que integram o clima às
projeções de população são catastróficos. James Lovelock, o formulador da
Teoria Gaia, estimou para 2100 uma população reduzida a um bilhão de pessoas.
Se existe tal grau de divergência quanto a projeções de população - variando de
um até 15 bilhões, cenário que considera altas taxas de fertilidade - seria
conveniente que os demógrafos integrassem em suas projeções aquilo que os
cientistas do clima estimam como conseqüências das mudanças climáticas. A confiabilidade das projeções demográficas de
longo prazo é questionável quando elas fazem de conta que as mudanças
climáticas não impactarão sobre a população. Segurança climática é crucial para a segurança
humana. Qualquer que venha a ser seu tamanho, a população humana precisa se
abastecer de água, energia, alimentos e materiais, o que exerce pressão sobre os
recursos ambientais. A multiplicação das classes médias, com grandes
quantidades de pessoas saindo da subsistência para condições de consumo
material mais intenso, gera intensa pressão e impactos sobre esses recursos. Em
nome de pretensa defesa do desenvolvimento econômico, da geração de emprego e
de renda, geram-se colapsos. Um deles
ocorreu no Mar de Aral, cuja morte começou em 1960: na ex-União Soviética,
planejadores conceberam um ambicioso programa econômico que redirecionava a
água de diversos rios para converter terras devolutas num cinturão de produção do
algodão. Não obstante o sucesso inicial, o projeto resultou na devastação do
Mar de Aral que, em duas décadas, tornou-se uma superfície seca e contaminada,
com solos e água salinizados e erodidos por tempestades de poeira, com os
leitos de desova dos peixes destruídos, o conseqüente colapso da indústria
pesqueira e a ruptura da navegação. Hoje a paisagem ali resultante é
desoladora, com grandes navios encalhados na areia. A lição do mar de Aral
precisa ser relembrada no momento em que o Brasil debate o código florestal,
pois aqui, também, vozes pré-ecológicas se manifestam com força. Pretensamente
defendem interesses sociais e econômicos legítimos; na prática, podem provocar
resultados desastrosos.
Cada
cidadão, empresa, país, tem sua pegada ecológica, de carbono, hídrica,
associada a seu modo de vida. Convém saber mais a respeito delas e reduzir
desperdícios. No futuro, será cada vez mais necessário um processo seletivo
para escolher quais os produtos e serviços devem ser priorizados. Continuará,
por exemplo, a ser tolerável destinar quantidades vultosas de energia e
minerais para a produção de armamentos? Os subsídios econômicos, os critérios
para concessão de crédito e demais sinais emitidos pela gestão econômica podem
atuar a favor ou contra a ecologização da economia. Hoje, bancos prestam um
desserviço ecológico ao concederem crédito a atividades degradadoras.
Segurança hídrica e energética
Quanto
à gestão da água, um avanço necessário é considerar, de forma integrada, todo o
ciclo hídrico: em estado de vapor na atmosfera, em estado líquido nas águas
subterrâneas e superficiais, em estado sólido nas geleiras e pólos. Na União
Européia, a gestão das águas promove sua integração com as políticas do clima e
do meio ambiente e harmoniza interesses de vários países que compartilham
bacias hidrográficas. Em Portugal, por exemplo, a lei define como recursos
hídricos, além as águas, os respectivos leitos e margens, zonas adjacentes,
zonas de infiltração máxima e zonas protegidas. Na legislação brasileira não
existe uma definição clara do que são os recursos hídricos. Outro tema relevante
é o da segurança energética. O acidente nuclear na usina de Fukushima, no
Japão, reacendeu o debate sobre os perigos dessa fonte de energia. Mas há
crescentes controvérsias, pois alguns ecologistas passam a considerar que esses
riscos são suportáveis, se comparados com as conseqüências desastrosas de
fontes de energia baseadas em combustíveis fósseis, que emitem gases de efeito
estufa. Há possibilidades crescentes de uso de fontes de energia renovável –
eólica, solar, dos oceanos, bem como das fontes mais convencionais. São
cruciais, também, a redução de desperdícios de água e de energia.
Segurança e mediação de conflitos - A área ambiental trata de temas controversos que
exigem a construção de convergências.
Na
sociedade, sucedem-se episódios de violência e assassinatos de ativistas
ambientais. Devido ao crescente grau de polêmicas, de interesses econômicos e
políticos contraditórios, bem como de questões de segurança, cada vez mais o
arbitramento sobre os temas ambientais migra da área ambiental para instâncias
de governo que mediam conflitos políticos. As áreas de articulação
institucional dos governos dispõem de autoridade para convocar as demais
secretarias ou ministérios e funcionam como agentes aglutinadores. Isso
significa um aumento na relevância que o tema assume e na capacidade de se
mediarem posições conflitantes dentro do governo e com os demais atores da
sociedade. A autoridade governamental máxima – presidente, governador, prefeito
– tem sido cada vez mais chamada a arbitrar os debates dos temas climáticos e
ambientais. Mudanças climáticas, código florestal e sistema de prevenção de
desastres ambientais são exemplos de temas que merecem esse modo de tratamento.
Consciência e modelos mentais - Há grande diversidade de estágios de consciência
quanto às questões ecológicas.
Um
dos modelos mentais que ainda perdura é o ecoalienado. Alinhamento com
interesses econômicos imediatistas sem visão de longo prazo o caracterizam. Baixa
sensibilidade e percepção estão freqüentemente atreladas a interesses econômicos
imediatos; também eles, pré-ecológicos. As motivações para essa visão podem
variar da simples ignorância, até os interesses de conservação do status quo e a resistência às
transformações. Sistemas de abastecimento cultural e científico produzem e
disseminam informação e conhecimento que permitem se agir com sabedoria. Ecologizar
os sistemas de abastecimento cultural passa a ser elemento fundamental para a sociedade
humana.
Há
quem acredite que a consciência ecológica, como as demais formas de consciência
social, é movida pelo medo: “Consciência é a voz interior a nos advertir que
alguém talvez esteja olhando”, define H.L.Mencken. Para quem é religioso, Deus
seria esse alguém que sempre olha. Para outros, esse alguém pode ser a
vigilância policial ou a câmera eletrônica, a imprensa livre, o cidadão
interessado, o competidor, o ministério público ou o tribunal de contas. Eles
vigiam e podem colocar em apuros quem comete ação condenável. Iluminar e dar
transparência são formas de dar visibilidade e reduzir riscos de comportamentos
ecoirresponsáveis.
A
natureza é, ela própria uma grande mestra, que, por meio de desastres, ensina
lições que, caso sejam adequadamente aprendidas, podem levar a mudanças de
comportamentos individuais e coletivos. Por meio do sofrimento causado por
deslizamentos de encostas, inundações urbanas e rurais, a natureza se manifesta
e dá margem a que se aprendam lições de prudência ecológica e que se evitem
comportamentos temerários, tais como a ocupação de áreas vulneráveis e de
risco. A visão ecológica integral genuína explicita as conexões entre decisões
tomadas dentro de um modelo mental pré-ecológico e suas conseqüências
ambientais. Há uma crescente percepção da centralidade das questões ambientais
e uma consciência cada vez mais difundida sobre sua importância. Falta ainda
transpô-las para a ação.
Segurança alimentar - No sistema de abastecimento alimentar há relações de
causa e efeito entre o desmatamento para a produção pecuária ou de soja para
alimentar animais e os hábitos alimentares e de consumo. O hábito alimentar é
um campo em que cada pessoa pode reduzir seu impacto sobre o ambiente ou a
emissão de gases de efeito estufa. Nas escolhas alimentares, há variações de A
a Z. Cada um desses modos reflete um estágio de consciência ecológica: há
pessoas que adotam hábitos alimentares formados desde a infância; as que se
sensibilizam, mas não mudam atitudes; as que desejam que se limpe o processo de
produção, que seja identificada a origem da carne na cadeia produtiva e evitam
comprar carne não certificada e que provoca desmatamentos na Amazônia. Há,
também, os que, por razões de ecologia energética, renunciaram a ingerir a
carne vermelha; os que não se alimentam com qualquer tipo de produto de origem
animal, por terem compaixão
para com os animais e preocuparem-se com seus efeitos na saúde. Um indivíduo que reduza seu consumo de carne faz
pouca diferença no cômputo global. Mas quando tal mudança ocorre em toda a
sociedade, com milhões (ou bilhões) de pessoas adotando-a, o benefício
ecológico torna-se significativo. No
sentido inverso, à medida que sociedades emergentes prosperam economicamente,
há uma tendência a aumentar o consumo per capita de carne.
Mudanças
de estágios de consciência, de atitudes e comportamentos podem acontecer
rapidamente, com avanços e retrocessos. Quanto mais pessoas se transportarem de
uma visão ecoalienada para um estágio mais avançado de consciência ecológica e
adequarem seus hábitos de consumo, menores podem ser os impactos negativos
associados às mudanças climáticas.
Nesse
início de era ecológica e do período antropoceno, o homo sapiens, um ser em transição, precisará evoluir para o homo ecologicus.
(*)
Autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia para a civilização sustentável. ecologizar@gmail.com WWW.ecologizar.com.br