A pandemia como um ponto de mutação
Maurício Andrés Ribeiro
A pandemia alterou o ritmo da vida e de funcionamento
do mundo. Muitos planos se evaporaram. Ela impôs um freio de arrumação e uma
pausa para reflexão. Todos foram pegos desprevenidos, com as calças na mão. Houve
desorientação, desnorteamento e um aprendizado do bê-á-bá de como lidar com
pandemias, valioso para enfrentar outras pandemias que poderão vir.
A pandemia em
2020 é um sinal de alerta para o que vem por aí:
eventos extremos envolvendo o clima, a
água, o fogo, o ar, a terra, as perdas de vida animal e vegetal. Estamos no
final de um período lírico na história da humanidade. Esse tende a ser um
período turbulento e conturbado, um novo anormal. Para lidar com ele será saudável superarmos as velhas normoses -
comportamentos doentes aos quais nos acostumamos – que existiram no período
anterior.
A pandemia acelerou a colaboração cientifica, a busca por vacina, o êxodo da cidade para o campo, a despoluição do ar, mudanças na economia. Trouxe novos
hábitos de higiene corporal e mudanças nos negócios, com o teletrabalho. Muita gente deixou de gastar
horas diárias nos trajetos casa-trabalho-casa
e teve um ganho substancial de tempo livre
para usar de outros modos. Os negócios precisaram ser reorganizados para
um mundo imprevisível que passa
por grande aceleração, no qual as previsões anteriores não valem mais, no qual
se precisa adaptar a turbulências,
valorizar o coletivo sobre o individual, o médio e longo prazos sobre o
imediato, acelerar a resiliência, reorganizar tudo, inclusive os valores e a
abordagem ética.
A pandemia liberou tempo para se refletir, pensar.
Trouxe oportunidades para mudanças de consciência, introversão e introspecção, condições
para o autoconhecimento. Ensinou por meio da pedagogia do susto; acelerou a tele cultura.
A educação remota também se
acelerou, bem como a aprendizagem pela teleducação.
A pandemia acelerou em vários anos
a utilização do digital, afirma Silvio
Meira ao discorre sobre suas consequências no
mercado de trabalho, na estabilidade social e política, bem como a importância
de imaginar possibilidades novas.
Segurança e riscos foram reconceituados: a pandemia trouxe incertezas e instabilidades, insegurança e imprevisibilidade quanto ao
futuro. Vivemos numa sociedade do
risco em que perigos invisíveis e imperceptíveis (radiações, vírus etc) colocam
em questão a segurança, muito mais do que as questões convencionais das quais
tratam as políticas de segurança. Foi preciso aprender a lidar com a biossegurança, compreender a
segurança ecológica como necessária para prevenir novas pandemias, considerar a
segurança hídrica e alimentar. Houve
perdas de vidas e as mortes pelo vírus,
especialmente entre os mais vulneráveis. Foi necessário hibernar para
economizar energia e não se expor a riscos. A retomada das atividades depois de lockdowns e quarentenas é como o
movimento de uma sanfona, com seu abre e
fecha.
Manifestou-se o horror ao caos, um certo fatalismo de
que não há muito o que fazer e seja o que Deus quiser. Quem transmite sensação de proteção e
segurança obtém apoio e aceitam-se perdas de liberdade e de privacidade.
Passou-se a imaginar como seria possível prevenir novas pandemias e a importância de aplicar o princípio da precaução. Houve
mudanças na relação com os animais que reocuparam espaços que tinham abandonado.
Mudaram-se hábitos alimentares, houve um despertar do sentido de unidade
humana.
A pandemia, como um grande experimento psicológico global, trouxe sensação de fragilidade e de
vulnerabilidade. Ela nos colocou diante da morte e de
perdas materiais e econômicas de todo tipo. Exigiu lidar com o luto. Como numa guerra, há estresse psicológico e
estresse pós traumático depois de viver situações trágicas. Ela impactou a saúde mental e emocional, trazendo
depressão, ansiedade, medo, distúrbios do sono.
O preparo psicológico para lidar com essa situação
inclui muita paciência, expectativa nula de que ela se resolva imediatamente; prudência para não se expor a riscos e colocar
a perder todo o cuidado tomado durante meses para evitar o contágio. Foi preciso resistir à fadiga da quarentena,
ao impulso de romper o distanciamento e se aglomerar. Muita gente suporta meses
de isolamento e confinamento, depois flexibiliza e afrouxa os cuidados
preventivos e se expõe ao risco, indo a bares ou à praia. E contrai o vírus.
Isso é literalmente morrer na praia. Resiliência,
capacidade de resistir por longos períodos demandam preparação psicológica e
espiritual. Fortalecer o emocional e o mental é um dos caminhos
para reforçar a defesa imunológica física e se o vírus chegar, encontrar o corpo mais bem preparado e
fazer menos estragos. São valiosos todos os meios que possam fortalecer a
coragem e enfraquecer o medo.