Maurício Andrés Ribeiro
Mais da metade
das reclamações que chegam aos órgãos ambientais municipais refere-se ao
barulho, que causa transtornos psicológicos e mentais, perda de sono e tragédias.
O ruído indesejado invade o ambiente e cria tensão psicológica, não facilmente
resolvida, a não ser que cesse a fonte de barulho ou que haja isolamento
acústico.
No Brasil,
associa-se o barulho à alegria e vida, enquanto o silêncio é associado à
tristeza ou morte. Isso cria clima cultural pouco predisposto à colaboração
espontânea com a redução da poluição sonora nas cidades.
São múltiplas as
fontes de ruído indesejável em áreas urbanas e cada uma delas exige ação
específica para ser combatida. Templos religiosos, garagens de ônibus que
funcionam às madrugadas, construção civil, tráfego de passagem, carros de som
de atividades comerciais, sindicais ou culturais, festas e atividades de lazer
agridem o silêncio urbano. Incômodos freqüentes são causados por animais –
latidos de cães durante a noite –, festas em espaços abertos e em salões dentro
de condomínios de apartamentos, bares e atividades noturnas com música ao vivo,
atividades industriais em áreas residenciais, assim como freqüentadores de
atividades noturnas que, com suas vozes, buzinas, barulho de tráfego, perturbam
o sossego das vizinhanças.
Níveis de ruído
inferior ao que a legislação ambiental considera transgressão também incomodam,
como o do chamado efeito pernilongo, lembrando o inseto que produz um ruído
baixinho que perturba o sossego.
O barulho afeta
dramaticamente a qualidade de vida urbana e causa tensão psicológica às pessoas
expostas a ele por períodos prolongados. A poluição sonora é motivo freqüente para
conflitos de vizinhança, os quais às vezes são resolvidos de modo violento.
Alguns casos chegam a ser trágicos, como o do reclamante que, exasperado pela
demora na solução para o ruído excessivo causado por um bar vizinho, assassinou
o dono do estabelecimento. Outros casos são dramáticos, como o da dona de casa
vizinha a uma serralheria e que acordava durante a noite imaginando que a serra
que corta pedras funcionava, pois já havia internalizado na mente o trauma com
o barulho ensurdecedor e não distinguia
entre alucinação e realidade, sofria de transtornos mentais causados pelo
barulho. Em outro caso, um pastor de igreja queria anular uma denúncia por
causar barulho nas vizinhanças, que lhe resultaria numa autuação e multa, com o
argumento de que tudo não passava de armação de vizinhos sem valores ou
princípios morais e que se tratava de perseguição religiosa.
O ruído
proveniente de construção civil, especialmente de serras elétricas, betoneiras,
bate-estacas, pode ser controlado limitando os horários de funcionamento dessas
máquinas e ferramentas e com seu confinamento, o uso de abafadores e
tecnologias de redução de barulho.
O ruído do
tráfego pode ser reduzido com o uso de cortinas vegetais ou muros construídos
ao longo das principais vias, ou pelo replanejamento de transporte,
descongestionamento de vias de relevo acidentado e com a melhoria de padrões de
veículos. Em cidades de topografia acidentada o tráfego de veículos em subidas
fortes agrava a poluição sonora. O controle da emissão de ruídos pelos veículos
pode melhorar a situação da cidade em termos dessa poluição.
O barulho deprecia
o valor dos imóveis. A topografia acidentada cria, nos focos de relevos côncavos,
caixas acústicas que disseminam o ruído. É comum encontrar apartamentos de
cobertura que sofrem vibrações e recebem o ruído do tráfego circundante com
mais intensidade do que os apartamentos de andares inferiores, mais próximos ao
tráfego e que sofrem, por isso mesmo, desvalorização no mercado imobiliário.
A cultura urbana
evoluída incorpora o silêncio como um de seus valores. O controle ambiental
para suprimir ou evitar barulhos é, ao mesmo tempo, ação penalizadora e
pedagógica. Viver numa cidade grande e adensada requer respeito ao bem-estar do
vizinho, ao adotar rigor no licenciamento de construção e de localização dessas
atividades. As reclamações de barulho noturno, especialmente relacionado com
bares e música ao vivo e festas, precisam de fiscalização, da instalação de
plantões de atendimento noturno e de ação educativa junto às fontes poluidoras.
A permissão para
a localização de atividades industriais ou de serviços precisa ser seletiva, e
o zoneamento da cidade é instrumento para isolar as atividades barulhentas para
longe de áreas residenciais. Em cidades europeias com uma cultura urbana mais
antiga e consolidada, elas são segregadas nas áreas industriais, onde não
incomodam o sono dos habitantes. O licenciamento ambiental é instrumento eficaz
para evitar o agravamento dos problemas ambientais de ruído, só se concedendo
alvará de localização às atividades que instalarem isolamento acústico ou
medidas de controle do som.
A educação
ambiental em associações de bairros e escolas, e por meio da comunicação de
massa, auxiliará a reduzir conflitos de vizinhança, para que sejam equacionados
sem recorrer à fiscalização ou à polícia. O tratamento descentralizado do
barulho demanda que se equipem as administrações com decibelímetros e fiscais
treinados para atender as reclamações, por meio da área de controle urbano e de
meio ambiente, e que se intensifique o controle diurno, vespertino e noturno.
É
preciso produzir material educativo, para a distribuição em escolas e entre os
empresários potencialmente poluidores. Os fiscais precisam atuar como
educadores, informando os reclamantes e os autuados sobre a importância do
silêncio. Esse conjunto de iniciativas merece ser aprimorado e complementado
por medidas no âmbito federal, no sentido de normatizar os veículos e
equipamentos que produzem barulho e fazer com que seus fabricantes também sejam
responsáveis pela redução dos níveis de ruído.
Poluição sonora - caderno de meio ambiente sobre o tema produzido pela PBH em 1991. |
O silêncio é um valioso
recurso e um patrimônio intangível e imaterial que necessita de cuidados para
ser protegido. É fundamental que o cidadão urbano seja consciente da
importância do silêncio para a saúde e do respeito a níveis de ruído que não
causem danos à saúde física, emocional ou mental, que preservem a qualidade de
vida e a convivência urbana com menos conflitos de vizinhança.