Maurício
Andrés Ribeiro
Cortes e
tribunais em várias partes do mundo têm considerado rios como pessoas, sujeitos
de direitos. Na Nova Zelândia, o rio
Whanganui; na Índia,
o
rio Ganges e o Yamuna; na Colômbia, o
rio Atrato.
No Brasil, em novembro de 2017, o Rio Doce.
No Brasil, em novembro de 2017, o Rio Doce.
A
Assembleia Geral da ONU discutiu em abril de 2017 a Jurisprudência
da Terra e ali se
demandou uma Declaração Universal dos Direitos da Natureza, que reflita a nossa
relação fundamental com a Terra, incluindo o reconhecimento dos direitos
próprios da natureza a existir e evoluir.
Está em
curso um movimento que questiona fundamentos filosóficos e legais estabelecidos
e tenta abrir espaço para visão holística e integral sobre os seres humanos e
suas relações ecológicas harmônicas ou desarmônicas com a água e com os demais
componentes da natureza.
Na
natureza, como
observou meu amigo que se foi, Flávio de Carvalho Serpa “Sobrevive o mais
adaptado. A natureza não distingue entre o bem e o mal. A humanidade é a única
que tem a ética e honestidade como fator seletivo, o que é bom...”
Se a
espécie humana é a única que tem a noção do bem e do mal e a ética como regulador
de comportamento, é razoável esperar que pessoas não humanas, como animais,
rios etc também tenham deveres? A abordagem dos direitos da natureza
suscita questões: se há direitos, deve haver também deveres? É dever de um rio prover
hidroeletricidade para os seres humanos?
A
abordagem dos direitos deve ser estendida também aos animais, como pessoas não
humanas dotadas de sensibilidade, emoções e seu próprio nível de inteligência e
consciência?
Os direitos humanos se expandiram.
Dos direitos individuais - à liberdade, à vida, à expressão -, evoluiu-se para
os direitos sociais, econômicos e culturais – à educação e à saúde, ao trabalho
e à greve. Daí se evoluiu para a terceira geração, a dos direitos e interesses
difusos, que ultrapassam a perspectiva individual e que incluem a proteção da
coletividade, da paz e da segurança pública, do patrimônio histórico e cultural
e do meio ambiente.
Ecologista respeitado, James Lovelock,
em seu livro “A vingança de Gaia”, considera insuficiente a abordagem a partir
dos direitos e necessidades humanos: “Meu desejo há muito tempo é que as
religiões e os humanistas seculares se voltem para o conceito de Gaia e
reconheçam que os direitos e necessidades humanos não são suficientes. (p.132).
Ele afirma que “nossa tarefa como indivíduos é pensar em Gaia primeiro. Isso
não nos torna desumanos ou indiferentes. Nossa sobrevivência como espécie
depende totalmente de Gaia e de aceitarmos sua disciplina.” (p. 137).
Enquanto direitos e deveres são
conceitos criados na civilização ocidental de matriz greco-romana e
judaico-cristã, dharma é um conceito originário da civilização indiana, na
Ásia. Mais de um século atrás, em 1908, um dos grandes sábios indianos, Sri Aurobindo,
escreveu:
“Tem-se dito que a democracia
baseia-se nos direitos do homem; foi respondido que deveria basear-se nos
deveres do homem; mas ambos, direitos e deveres, são ideias europeias. Dharma é
a concepção indiana em que os direitos e deveres perdem o antagonismo
artificial criado por uma visão do mundo que faz do egoísmo a raiz da ação, e
recupera a sua unidade profunda e eterna. Dharma é a base da democracia que a
Ásia deve reconhecer, pois nisso reside a distinção entre a alma da Ásia e da
alma da Europa. Por meio do dharma a evolução asiática se realiza; este é o seu
segredo.” [4]
A imagem usada por Sri Aurobindo para
definir o dharma ressalta a importância da unidade ao invés da contraposição.
Direitos e deveres, que aparentemente se opõem, na realidade constituem uma
unidade, como numa fita de Moebius, na qual um lado é a continuação do outro.
Fita de Moebius: os dois lados são um único. O conceito de Dharma unifica e dissolve o antagonismo entre direitos e deveres. |
O conceito de
dharma é fecundo no atual contexto em que se valoriza o que é sustentável.
Heinrich Zimmer[5] nota que dharma é um substantivo proveniente da raiz do sânscrito dhr,
que significa sustentar, carregar: “É a lei, aquilo que sustenta, mantém unido
ou erguido.” Dharma tem, nesse sentido, uma relação
direta com as questões da sustentabilidade e a dharmacracia é um caminho para a
democracia sustentável.
O ex-presidente indiano S.
Radhakrishnan, em livro sobre a visão hindu da vida, explora um significado
similar, dizendo que “Dharma sustenta os meios os quais prendem uma coisa e
mantém sua existência. Toda forma de vida, todo grupo de homens tem seu dharma,
que é a lei do seu ser. Dharma ou virtude está em conformidade com a verdade
das coisas; adharma ou vício é a oposição disto.”
Para além do antagonismo entre direitos e deveres, o cumprimento do dharma individual e
coletivo pode ser essencial para produzir uma civilização sustentável.
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