quarta-feira, 26 de abril de 2023

Constituição planetária

Maurício Andrés Ribeiro 

 A humanidade não sobreviverá ao século XXI caso não se estabeleça alguma forma de governo mundial. Bertrand Russell 
 Eu advogo o governo mundial porque estou convencido de que não há qualquer outro caminho possível para eliminar o mais terrível perigo ao qual o homem está exposto. O objetivo de evitar a destruição total deve ter prioridade sobre qualquer outro objetivo. Albert Einstein 
 No mundo atual há uma tensão entre forças globalizadoras cosmopolitas nas comunicações, ideias, na ciência e tecnologia, no comércio, e forças nacionais que reforçam identidades e a diversidade cultural e social produzida durante a história humana. Umas puxam para a unidade planetária, outras puxam para as diversidades locais. 
Movimentos separatistas e anti integração que buscam o fortalecimento nacional e local procuram proteger modos de vida e culturas tradicionais da força disruptiva globalizadora. Em momentos de prosperidade econômica, o impulso globalizador domina e crescem as cleptocracias que transferem riqueza dos comuns para as elites; em períodos de crises econômicas e desemprego, aqueles que perdem com a globalização resistem, as forças defensivas e de protecionismo social prevalecem e o estrangeiro passa a ser visto como uma ameaça. No impulso para a globalização política há experimentos em curso, como por exemplo o da União Europeia, com as tensões internas explicitadas pela saída do Reino Unido em 2016 e por movimentos nacionalistas similares em outros países, inflamados pelas ondas de refugiados que buscam a Europa. 
Há também iniciativas mais utópicas, que pretendem partir da unidade planetária para as unidades menores e que se baseiam na ação cidadã, sem participação dos governos. 
Uma das mais significativas é a de um grupo caracterizado como Assembleia Constituinte Mundial que aprovou em 1977 em Innsbruck, Áustria, um anteprojeto de Constituição para a Federação do Planeta Terra. A imprensa de Auroville, na India, publicou em 1977 essa constituição, sintonizada com o pensamento político e social de Sri Aurobindo, que foi um dos grandes estudiosos dos cenários futuros para a evolução política. 
Assembleias Constituintes mundiais eram convocadas especialmente pela ONG World Constitution and Parliament Association –WCPA para aprimorar essa proposta de Constituição. Participei de uma delas em Miami em 1987 e outra em Troia Portugal em 1991. Depois, me encontrei com Philip e Margaret Isely, que secretariavam essa ONG, na Rio-92.
 Traduzi para o português a Constituição Planetária por considerar que ela é um documento relevante que pensa com liberdade sobre o futuro político da humanidade e tenta definir a arquitetura e as regras que orientem esse futuro. 
A Constituição Planetária defende a abordagem das questões mundiais pelo ângulo ecológico e propõe medidas para instauração de um governo supranacional, democrático e desmilitarizado. Esse anteprojeto considera que muitas questões ambientais e climáticas extrapolam as fronteiras nacionais. Ela considera que a interdependência entre os povos e as nações deve ser reconhecida; que o conceito tradicional de segurança, por meio da defesa militar, é uma ilusão tanto para o presente como para o futuro. A humanidade ainda é una, como espécie, apesar da existência de distintas nações, credos, ideologias e culturas. Aplicar o princípio da unidade na diversidade pode ser a base para uma nova era. 
A Constituição Planetária admite que, no futuro, ao invés dos 193 estados nação existirão cerca de 1000 unidades políticas com identidade própria, fruto de separação nas unidades nacionais hoje existentes. Tais unidades politicas se agruparão e cederão parte de sua soberania para uma unidade maior, planetária. A forma de uma federação é a mais adequada para esse agrupamento. Ainda não é realidade existente hoje, mas encontra-se no campo da realidade virtual e possível de ser materializada. A Constituição Planetária propõe um rumo para o mundo contemporâneo dos estados nação em crise e lhe dá um formato legal. É um exercício de imaginação livre. É um projeto, uma realidade virtual inexistente antes de ser construído. Alguns projetos tornam-se utopias arquitetônicas nunca construídas, mas outros são viabilizados ao longo de anos ou décadas. A Constituição Planetária pode ser o embrião de um desses projetos, na arquitetura política para o futuro humano.

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