quinta-feira, 10 de dezembro de 2015

Unidade na diversidade – a contribuição indiana.


Figura - Um mundo de línguas – Na Índia encontram-se várias das mais faladas. Fonte:

Dentro  de poucos anos a Índia será o país mais populoso do mundo, com cerca de 18% da população do planeta. É um país multicultural e abriga pessoas de várias religiões: hindu, muçulmana, cristã, budista, jainista entre outras.
A Índia é o país com maior diversidade linguística. Tem trinta diferentes troncos linguísticos e centenas de dialetos. Entre as línguas mais faladas do mundo estão o hindi, telugu, marathi, kannada, tamil, urdu, bengali. Muitos indianos são poliglotas. Além disso, falam o inglês, incorporado como uma nova língua no país. 
Diversidade social, cultural, psicológica, noodiversidade, caracterizam essa sociedade. A diferença não é apenas respeitada, mas também estimulada. A Índia cultivou a convivência entre diversos de forma introspectiva: aprofundou-se na psicologia humana, criando tradições espirituais que priorizaram o autoconhecimento e um estilo de vida não agressivo em relação ao ambiente natural e social; desenvolveu tecnologia de vivência implosiva, de adensamento e aprofundamento interno, diferente das tecnologias de conquista do mundo exterior, desenvolvidas em outras sociedades. O princípio da não-violência é um dos pilares dessa civilização e determina o comportamento individual e coletivo. A luta pela independência, conduzida pelo Mahatma Gandhi, usou da gentileza da resistência passiva e da não-violência para fazer os invasores europeus saírem de seu território. A ahimsa ou não violência, praticada no dia a dia faz com que os índices de violência sejam muito mais baixos do que os da América Latina e da África. (World Tables, do Banco Mundial, mostra que os índices de homicídios intencionais por 100.000 habitantes na Índia são seis vezes menores do que no Brasil. Link http://data.worldbank.org/indicator/VC.IHR.PSRC.P5 )
A Índia exerceu a hospitalidade e criou um sistema de valores que facilitava a tolerância para com o diferente. No exercício da convivência com o diferente, a cosmovisão indiana tem grandes contribuições para as demais civilizações. Ali formou-se uma civilização que desenvolveu tolerância a diferenças, ao acomodar em seu território, durante milênios, imigrantes e descendentes de arianos e drávidas, maometanos e gregos, europeus de Portugal, França, Inglaterra. Disso resultou um país com grande diversidade de línguas, culturas e costumes que talvez seja, no mundo, o povo mais diverso e a sociedade em que se experimentam mais explicitamente os extremos das grandezas e misérias da condição humana. Ela absorveu e metabolizou influências das inúmeras invasões que sofreu ao longo de sua história e as devolveu transformadas ao mundo. À diferença dos países europeus, que colonizaram a África, Ásia e América, e ali predaram e parasitaram recursos com os quais se sustentar, a Índia nunca foi expansionista. Pelo contrário, absorveu os imigrantes que chegavam.
A Índia exercitou, na prática, formas de acomodação que facilitam a convivência. Unidade na diversidade é o lema da nação indiana. Há unidade de princípios dentro da diversidade étnica e cultural. O poeta indiano e prêmio Nobel Rabindranath Tagore assim expressou essa condição do país: “A missão da Índia foi como a da anfitriã que tem que prover acomodações apropriadas para numerosos hóspedes, cujos hábitos e necessidades são diferentes uns dos outros. Isso causa complexidades infinitas, cuja solução depende não meramente de tato, mas de simpatia e de um verdadeiro entendimento da unidade do homem". Tagore conclui: “Temos que reconhecer que a história da Índia não pertence a uma raça em particular, mas a um processo de criação para o qual várias raças do mundo contribuíram – os drávidas e os arianos, os antigos gregos, os persas, os maometanos do oeste e aqueles da Ásia central. E por fim, foi a vez dos ingleses nessa história, trazendo-lhe o tributo de suas vidas; não temos o poder nem o direito de excluir esse povo da construção do destino da Índia. ” (TAGORE, 1976). Para abrigar hóspedes tão diversos em seu território, a civilização indiana desenvolveu o espírito de tolerância e não violência. A capacidade de ser um bom anfitrião e de bem receber migrantes está relacionada com um entendimento generoso da unidade do ser humano. Tem a ver com solidariedade, empatia, compaixão, valores que vão além dos interesses econômicos e materiais imediatos. A receptividade para com aqueles que migram e pretendem se estabelecer de modo permanente está relacionada com a capacidade de colocá-los à vontade, não os hostilizar ou excluí-los. A habilidade de ser receptivo e de acolher imigrantes é valiosa num mundo com números crescentes de refugiados de guerra, políticos, econômicos ou ambientais. A tecnologia de convivência e respeito a diferenças desenvolvida nessa civilização é essencial no mundo conflagrado por conflitos étnicos. Nesse contexto, vale aprender com a civilização indiana que soube ser resiliente, suportar os impactos de invasões e acomodar povos e culturas diferentes.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

O antropoceno e a crise ecológica



O campo da consciência é um dos mais promissores para se atuar no contexto da crise ecológica, climática e da evolução pela qual passamos. Soluções e respostas para tais crises podem derivar da transformação na consciência humana – e não apenas de desenvolvimentos em sua parte relacionada com a ciência e a tecnologia.
Estamos no estágio terminal da era cenozoica (a era dos mamíferos). O antropoceno é o estágio inicial dessa era em que a evolução passa a ser crescentemente influenciada pelo espírito humano. O conceito de Antropoceno denota o período atual, a partir da Revolução Industrial, por volta do ano 1800, quando surgiram e se desenvolveram novas maneiras de se manipular e transformar o ambiente. A partir de então, várias condições e processos geológicos tem sido profundamente alterados pelas atividades humanas, com uma grande aceleração a partir de 1950. O consumo e as inovações tecnológicas passaram a ser fortes vetores dessa aceleração e das transformações ambientais e climáticas decorrentes, que se verificam nas últimas décadas, com impactos sobre a biosfera e sobre a vida social e econômica dos seres humanos. (CRUTZEN, P. J., and E. F. STOERMER, 2000).
Matéria (geodiversidade), vida (biodiversidade) e consciência (noodiversidade) integram um mesmo espectro. A evolução da matéria é lenta e se processa nos ritmos da história geológica; a evolução biológica é mais rápida; e a noológica (intuitiva) é veloz como um raio. A crise climática e o risco do colapso ecológico ajudam a despertar para a era do conhecimento intuitivo, uma etapa da evolução que se baseia no desenvolvimento da consciência humana e não mais nos lentos processos da evolução biológica.
O momento de ruptura e mudança de eras que hoje vivemos se manifesta não apenas por meio das mudanças climáticas mas, também, pela perda de biodiversidade; destruição de habitats naturais; redução das fontes de alimento; erosão e salinização dos solos, dependência dos combustíveis fósseis, esgotamento dos recursos hídricos; despejo de produtos químicos no ambiente (agrotóxicos, hormônios, componentes de plásticos, rejeitos de mineradoras, poluição do ar); aumento da população.
Trata-se de uma crise da evolução como as que ocorreram em outros momentos da história da Terra, nos quais várias espécies se extinguem.
Atualmente, desenvolvem-se inúmeras iniciativas no sentido de nos adaptarmos à crise ecológica e climática ou de reduzirmos os impactos negativos das ações humanas. Há esforços por parte de cientistas que procuram compreender o organismo da Terra; de pessoas que adotam a simplicidade voluntária e a austeridade feliz; de empresas que adotam a ecoeficiência e meios de produção limpos, reduzem desperdícios de materiais e de energia, inventam novo ‘design’ de produtos e de processos; de governos que adotam políticas econômicas ecologizadas; de organizações da sociedade que lutam por outro mundo, de pensadores que vislumbram outras possibilidades para as sociedades e as civilizações.
São bem-vindas todas essas ações realizadas a partir da aplicação das ciências naturais, das engenharias, da gestão de organizações públicas e privadas, da política econômica e dos mecanismos de mercado. Porém são insuficientes diante da magnitude da crise atual.  À medida que se percebe o caráter profundo da atual crise da evolução - que inclui a crise ambiental e climática -, também se compreende que soluções tecnológicas, de gestão ou de engenharia, de incentivos ou penalizações econômicas, ainda que necessárias, são insuficientes para dar-lhe respostas adequadas. 
A evolução da consciência é um caminho para conseguir se adaptar criativamente às mudanças da atual transição de eras. Ela é a grande força capaz de influir no rumo da evolução no planeta. Diante da magnitude da crise ecológica e climática atual, que constitui uma crise da evolução, é urgente ativar todos os níveis e mobilizar toda a energia psíquica humana para responder aos mega desafios com que nos defrontamos.
A crise climática e ecológica atual coloca em risco a sobrevivência e o bem-estar da espécie humana. Diante da perspectiva de colapso planetário e da percepção dos limites da capacidade de suporte do planeta, a busca da segurança motiva uma construção coletiva de respostas. Líderes de grandes religiões, como o Dalai Lama ou o Papa Francisco, se manifestam em relação à crise ambiental e climática. [1] Líderes de grandes nações, tais como os Estados Unidos e a China, dois dos países que mais emitem gases de efeito estufa e com uma pesada pegada ecológica, propõem planos para descarbonizar a economia e reduzir os impactos climáticos que provocam. Propõem tais ações ao tomarem consciência dos problemas, dos riscos que corre a humanidade. Vozes dissonantes se levantam, contestam as propostas e planos. As difíceis negociações das conferências   sobre mudança climática (Rio-92, Kyoto 97, Johanesburgo em 2002, Bali em 2004, Copenhagen em 2009, Rio em 2012; Varsóvia em 2013, Paris 2015) atestam as dificuldades de se construir visões unitárias consensuais ou unânimes sobre esses temas e também as dificuldades de colocar em ação projetos coletivos comuns.


[1] Ver a Encíclica Laudato Si, divulgada pelo Papa Francisco em 2015 em http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/encyclicals/documents/papa-francesco_20150524_enciclica-laudato-si.html e o plano americano de redução de emissões lançado nos Estados Unidos em agosto de 2015 em http://www.ebc.com.br/noticias/internacional/2015/08/governo-dos-estados-unidos-anuncia-plano-para-reduzir-emissao-de

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Diversidade cultural e noodiversidade






A diversidade da consciência humana se revela em cada aspecto da cultura, da língua às religiões, da ciência a suas aplicações tecnológicas; da organização social às instituições.
Atualmente há cerca de 7.000 línguas faladas no mundo, distribuídas em famílias, troncos linguísticos, dialetos. Isso reflete o legado de milhares de anos de evolução cultural. (Figura). Na América do Sul, nove troncos agrupam as línguas precolombianas e a eles se superpuseram o português, o espanhol, o francês, o inglês trazidos pelos colonizadores europeus (Figura).

Figura -Distribuição atual das famílias de línguas. Fonte: Wikipédia


Figura - Troncos linguísticos sul americanos. Fonte: Wikipédia
O número de palavras cresce na medida das necessidades de comunicação e das novas realidades que precisam ser expressas. Neologismos surgem para expressar realidades novas.  A consciência humana se beneficia das ferramentas tecnológicas que colocam à sua disposição o grande acervo de conhecimentos produzidos pela espécie. Novas tecnologias de tradução automática se aperfeiçoam, permitindo tornar acessíveis e inteligíveis ideias, textos e falas em outros idiomas. Algumas línguas se tornaram muito disseminadas e bilhões de pessoas se comunicam por meio delas (Figura 5); outras são de domínio de poucos indivíduos; muitas se encontram em processo de extinção, tornando-se línguas mortas.
Figura 5- Como o mundo está conectado por meio das línguas. Fonte: Wikipédia
Outro campo da diversidade cultural é o das tradições religiosas. Elas se distribuem geograficamente de modo diferenciado. (Figura). Elas condicionam e moldam as crenças, as cosmovisões e visões de mundo, os valores pelos quais se comportam seus seguidores. Panteísmo, politeísmo, monoteísmo e ateísmo são as quatro grandes possibilidades em relação a esse tema. 

Figura – Religiões do mundo Fonte: Wikipédia
O desenvolvimento exterior, do mundo construído e a transformação do ambiente natural se fazem num ritmo impulsionado pelos avanços científicos e tecnológicos. O engenho humano produz avanços tecnológicos na robótica, na genética, na tecnologia da informação e nas nanotecnologias, entre outros campos[1]. (GARREAU, 2005) A informática ampliou a capacidade humana de transformar o planeta e de conectar as mentes individuais com o cérebro global. A capacidade dos cientistas de produzirem conhecimento e de promoverem sua divulgação ampla é essencial para influenciar na tomada de decisões.
O ser humano se agrupou coletivamente em clãs, tribos, pequenos reinos, estados-nação, impérios. Criou múltiplas organizações públicas ou privadas, instituições de governo, empresas, organizações sociais. Criou uma multiplicidade de leis, que consolidam usos e costumes e criam condições de contorno que influenciam o comportamento dos indivíduos.
Noodiversidade
 “A minha consciência tem milhares de vozes,
E cada voz traz-me milhares de histórias,
E de cada história sou o vilão condenado”
William Shakespeare.
Somos mais de sete bilhões de indivíduos no planeta. Diferentes estágios, modos e estados de consciência estão sendo vividos simultaneamente pelos bilhões de indivíduos e pelas diversas parcelas da humanidade – do astronauta à tribo isolada na Amazônia passando pelas populações urbanas, pelos operários urbanos, pelos   agricultores e demais grupos humanos.  Do mesmo modo como as espécies evoluem em biodiversidade, evolui a noodiversidade, a diversidade das consciências. Atualmente, as intensas interações, conexões, contatos e diálogos facilitados pelas tecnologias da comunicação e da informação e pelas redes sociais aceleram a sinergia entre ideias e a expansão da noodiversidade. Esta é mais ampla do que a biodiversidade ou a diversidade social e cultural, pois é fluida, mutante, impermanente, intercambiável, sofre influências e transformações constantes e tem a sua dinâmica própria. Aprende-se a partir do estágio, do estado e do modo de consciência em que cada um se encontra.  Ela pode ser des-condicionada em seus aspectos culturais e sociais. Um mesmo indivíduo pode apresentar ao longo de um único dia, variações de humor, de lucidez ou confusão mental, de estabilidade ou instabilidade emocional, de depressão ou euforia. A noodiversidade considera os vários estados de consciência - vigília, sono sonho, meditativo, êxtase.  Cada pessoa que se conecta numa rede social é um neurônio que atua na rede neural de um cérebro global planetário. É parte ativa da noosfera. Torna mais explícita e visível a noodiversidade humana.


[1] As repercussões dos aprimoramentos tecnológicos sobre a vida humana, para o bem e para o mal, são discutidas por Joel Garreau em seu livro Radical Evolution.