segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A resiliência e seus significados




Por Maurício Andrés Ribeiro
Um caso extraordinário de resiliência é o da Índia, que foi invadida muitas vezes e absorveu as contribuições positivas de quem a invadiu.

Resiliência é uma palavra cada vez mais presente no dia a dia. Ela é usada na física, na economia, na ecologia, na psicologia, na sociologia e em outros campos do conhecimento. Tem sido aplicada tanto a sistemas sociais, econômicos e ecológicos, como a organismos vivos, individuais ou coletivos.[1] É a capacidade de reencontrar o equilíbrio depois de se sofrer um choque ou uma mudança abrupta. Em geral não se volta ao estado original anterior ao impacto, mas se restaura a integridade.
Em psicologia a resiliência é a capacidade de o indivíduo lidar com problemas, superar obstáculos ou reagir e se recuperar de adversidades, tais como traumas, sem entrar em fadiga ou surto psicológico e mantendo-se sereno diante de uma situação de estresse. É a capacidade de superar doenças, mudanças, infortúnios, depressões ou desencorajamentos, cicatrizar feridas, aprender e seguir em frente. Ela é a capacidade de enfrentar e superar adversidades e situações traumáticas ou de impacto psíquico. Por meio dela o sofrimento pode ser transcendido e transmutado com impulso, criatividade e imaginação. É a qualidade de ser flexível, maleável, plástico, perseverante e até mesmo estoico, criando as condições físicas e psicológicas para lidar com situações de alto estresse. A resiliência faz uso de um reservatório interno de energia que possibilita lidar com tensões sem entrar em colapso ou sucumbir às pressões. Para quem tem vida espiritual, fé ou crença, a confiança que elas trazem são partes desse reservatório de energia. [2]
Campanhas eleitorais são períodos de competição política nos quais se debatem propostas e também se atacam adversários, disseminam calúnias e mentiras, abusa-se da propaganda. Nesse contexto tenso e estressante, ser resiliente proporciona aos candidatos voltarem ao equilíbrio e se recuperarem com um mínimo de sequelas depois de um ataque, quando sofrem traumas, pancadas, agressão física, verbal, psicológica.
Resiliente é a sociedade ou civilização invadida e colonizada, mas que sobrevive ao impacto da invasão. Civilizações pré-colombianas na América não suportaram o impacto do encontro violento com os europeus e se extinguiram. Outras se sustentaram, souberam se relacionar com os invasores e conviver com eles, absorver aquilo que lhes interessava. Um caso extraordinário é o da Índia, que foi invadida muitas vezes e absorveu as contribuições positivas de quem a invadiu. Houve uma superposição de camadas e nenhuma época eliminou a anterior, preservando tradições. Diferentemente de outras civilizações que tiveram sua ascensão, apogeu, declínio e extinção, na Índia os mitos milenares ainda estão vivos no dia a dia. Os colonizadores europeus batizaram lugares e cidades. Décadas depois da independência em 1947, os lugares retornaram a seu nome pré-colonial. Bangalore tornou-se Bengaluru, Madras voltou a ser Chennai, Bombaim retornou ao nome de Mumbai. Tal resgate mostra a resiliência cultural e linguística em ação. O movimento de resistência passiva ou da resistência não ofensiva que resultou na Independência da Índia é uma expressão da resiliência indiana.
Na política, resiliência democrática é o movimento de proteção e de recomposição da democracia quando se enfraquece com a corrupção e é atacada por dentro ou extirpada por ditaduras ou regimes totalitários.
Favelas e comunidades pobres demonstram resiliência social ao sobreviver e se sustentar em situações de precariedade. Os moradores de tais locais mostram resiliência diante dos impactos que vivem quando desalojados de suas moradias e quando enfrentam dificuldades cotidianas e encontram formas para lidar com processos desestruturantes. Capacidade de enfrentar e se transformar por experiências adversas é demonstrada por crianças que conseguem superar dificuldades e desenvolver competências sociais e cognitivas, sem perderem a esperança.
Na física, resiliência é a habilidade de um material absorver energia quando for deformado e depois liberar essa energia. Tal propriedade torna o material elasticamente capaz de se reconfigurar e de reassumir seu tamanho e sua forma depois de ser esticado, curvado ou comprimido. A fadiga de materiais ocorre quando eles encontram o limite da plasticidade/elasticidade.
Em ecologia, resiliência é a capacidade de um ser vivo, um sistema ou organismo absorver choques e se adequar a eles, mantendo suas funções e estrutura, adaptando-se e se reorganizando. Quando resiliente, um ecossistema retoma sua forma original, integral ou parcialmente, após uma perturbação. Difere de resistência, que é a capacidade que tem um sistema de manter sua estrutura e funcionamento após um distúrbio. A partir de certos limites de devastação os ecossistemas podem não ser capazes de restaurar plenamente sua variedade de plantas e animais.
Com crescente frequência civilizações, sociedades, ambientes naturais, cidades e pessoas são submetidas a altas pressões. Em nosso tempo, cada vez mais ocorrem estresses climáticos e ambientais. Estamos no estágio terminal da era cenozoica e num contexto de mega mudança planetária, com turbulências climáticas que se desdobram em turbulências econômicas, sociais, políticas, que repercutem na vida dos indivíduos.
Cidades resilientes são capazes de suportar tempestades, inundações, secas e de sobreviverem.
Nesse contexto de transformações aceleradas não é uma resposta eficaz se recolher ao conforto e à proteção do ambiente em transformação. Aquilo que já foi experimentado no passado tende a não mais funcionar. Não são funcionais a inflexibilidade, a rigidez, o encolhimento e medo diante das novas situações. É como num nascimento: depois de nascido, um bebê não volta mais ao útero que o abrigou em sua etapa pré-natal; ele precisa adaptar-se ao mundo exterior; durante sua vida, ajuda a moldá-lo.
O contexto externo e o ambiente no planeta estão em mudança veloz, o que demanda respostas inovadoras, imaginação e criatividade, além de capacidade de gestão e de ter uma boa governança.
Deixar vir à luz a realidade nova, saber compreendê-la e enfrentar aquilo que ela propõe, ter coragem para deixar ir embora o arcaico e ter abertura para o novo são qualidades necessárias para encarar, aceitar e compreender o que as mudanças e pressões propõem, num processo evolutivo sem volta.



[1] Em seu livro sobre Resiliência: Como Pessoas, Sociedades e Organizações Podem Enfrentar Mudanças e Adaptar-se a Elas, Andrew Zolli explica que a resiliência se refere a formas de gerenciar um mundo desequilibrado.
[2] Bruce Lipton analisou o tema em seu livro sobre a Biologia da Crença.

terça-feira, 2 de janeiro de 2018

As mudanças climáticas e a miséria



Entre as causas que levam as pessoas à miséria estão as doenças, a velhice, ser atingido por desastres, sofrer o impacto de outra cultura e ser pouco resiliente ou capaz de adaptar-se aos impactos e choques sofridos.
Os atingidos por eventos climáticos extremos – inundações, deslizamentos de encostas, furacões, elevação do nível dos mares etc, - quando não perdem a vida, frequentemente perdem o que tinham de bens materiais: casas, móveis, equipamentos domésticos, carros. O produto do trabalho de anos desaparece em minutos, sendo dificilmente recuperável. Pessoas atingidas por desastres tendem a mergulhar na piscina da miséria. Mudanças climáticas produzem e redistribuem miséria.
Filipinos, habitantes de ilhas no Pacífico em vias de extinção por afogamento e refugiados ambientais atingidos por desastres ficam entregues à própria sorte, num salve-se quem puder diante da falta de capacidade para atender a todos os que precisam de socorro. As mudanças climáticas também podem agravar desigualdades socioeconômicas, pois os mais vulneráveis a perdas são aqueles que menos podem se defender e encontrar alternativas, induzidos a ocupar áreas de riscos de inundações, deslizamentos de terra etc.
Por outro lado, a miséria pode agravar as mudanças climáticas. Assim ocorre, por exemplo, quando para sobreviver, pessoas precisam desmatar e emitem gases de efeito estufa. A riqueza material também pode produzir mudanças climáticas, pois uma pesada pegada ecológica e de carbono exerce pressão e impacto sobre o ambiente e o clima. Estilos de vida pessoais e coletivos que desperdiçam, que sejam energeticamente ineficientes, tais como hábitos alimentares que levam ao desmatamento agravam problemas ambientais. 
Em alguns casos, a mudança climática pode produzir riqueza. Isso ocorre, por exemplo, em áreas de clima frio que se tornam temperadas e agricultáveis, como na Rússia, no Canadá, no Alaska e nas terras próximas ao Ártico. Alguns setores da economia também se fortalecem, tais como os de atendimentos a desastres.
Grande parte dos desastres climáticos se associa ao ciclo da água, por ser ela um componente presente na dinâmica climática, o elemento da natureza que mais diretamente se altera com as mudanças de temperatura. Quando a temperatura esfria ela se congela, quando o tempo esquenta ela se evapora. Com tais variações de temperatura, algumas regiões sofrem maiores secas, outras sofrem maiores inundações, escassez e excesso de água. O ciclo da água se altera à medida que se maior emissão de gases de efeito estufa transforma o ciclo do carbono e outros ciclos biogeoquímicos.
Para se enfrentar os desastres climáticos que levam as pessoas à miséria deve-se atuar depois que eles ocorreram e produziram seus danos, mas principalmente, prevenir para que as pessoas sejam menos atingidas. Em cada localidade, uma gestão consciente pode adotar posturas prudentes, tais como não ocupar áreas de risco e montar sistemas de alerta e de prevenção. Assim, reduz-se uma das componentes que geram a miséria material.
Compreender as mudanças climáticas, atuar no sentido de que sejam prevenidas e, também, adaptar-se a elas, é uma forma abrangente, generosa e esclarecida de atuar por maior justiça social e pela redução da miséria. O cidadão consciente tem papel fundamental ao se comportar de modo ecologicamente responsável e ao atuar para que os governos, em todos os níveis, bem como as empresas, também adotem tal padrão de comportamento.