terça-feira, 30 de outubro de 2018

Ecologia, desejo e consumo


  Maurício Andrés Ribeiro
 

 
Desejo: dar um grande abraço no planeta.
 
O consumismo exaure nossa mãe Terra.
 
 
 A promoção do consumo tem fortes aspectos subjetivos. A propaganda para o consumo explora os aspectos psicológicos de satisfação, segurança, sobrevivência, conforto e manipula os instintos básicos. Necessidades, expectativas, esperanças e aspirações subjetivas influenciam e formam as demandas de consumo e de produção. Edgar Morin observa que a economia carrega em si necessidades, desejos, e paixões humanas que ultrapassam os meros interesses econômicos. A economia é movida por desejos ou medos próprios ou induzidos de fora para dentro. O desejo pode ser por um bem material ou de consumo, ou pode ser o desejo por algo intangível e imaterial, como de exemplo, a felicidade. Os desejos de consumo induzidos pela propaganda são manipulados subliminarmente. O filme Consumo de crianças: a comercialização da infância, mostra como as crianças influenciam as decisões de consumo dos pais e como os marqueteiros manipulam comercialmente o desejo e a consciência infantil. A publicidade pode interferir com a evolução da sociedade, condicionada mental e culturalmente.  A propaganda influencia na saúde como mostra o filme Muito além do peso, sobre o consumismo nos alimentos e os problemas de saúde decorrentes.  A publicidade manipula comercialmente as consciências e utiliza dos conhecimentos da neurociência. Assim, exemplificando, os sentimentos de medo e de pânico, referentes a perigos imaginários ou reais, insuflam a produção e o consumo de armas; o desejo de alterar estados de consciência expande o mercado de drogas; a loucura por velocidade infla a indústria de automóveis; o anseio pela beleza alimenta o mercado da moda e dos cosméticos, bem como o das cirurgias plásticas.

 No Brasil, o Conar- Conselho de autorregulamentação da publicidade - pretende regular a propaganda. Os congressistas têm o poder e a atribuição de elaborarem leis que regulem ou coíbam a propaganda abusiva. Mas diante da força das indústrias anunciantes, associadas às empresas de propaganda, que remuneram a publicidade na TV, tal controle da publicidade contraria lobbies poderosos no Congresso. Na Suécia, Noruega, Irlanda, Itália, Dinamarca e Bélgica já há algum tempo é proibida a publicidade direcionada para crianças.


Em março de 2012 surgiu no Brasil o Movimento por uma infância livre de consumismo, voltado para evitar que as consciências das crianças sejam intoxicadas com informações pro consumismo. Esse é um movimento de mães, pais e cidadãos inconformados com a publicidade dirigida às crianças, que considera que a regulamentação feita pelo próprio setor atende aos interesses empresariais e não está preocupada com a saúde e o bem-estar das crianças. Acredita que o Estado deve intervir na questão e que não se podem responsabilizar somente os pais e as mães por um problema que afeta e compete a toda a sociedade.


O consumo é movido por impulsos e por motivações psicológicas que, quando predatórias, destroem o equilíbrio ecológico. Os desejos de consumo trazem impactos diretos sobre a ecologia ambiental, ao pressionarem a exploração da natureza. A tentativa de satisfação acrítica de desejos e demandas de consumo devasta a Terra e exaure bens e recursos naturais. Os desejos de natureza econômica e material têm impactos diretos sobre a demanda por recursos naturais ou sobre a emissão de poluições. Nos idos de 1989, o Simpósio sobre a sobrevivência do Brasil e do planeta, presidido por José Lutzenberger na UNIPAZ-DF, já afirmava que “O desequilíbrio interno dos homens é, em última instância, o responsável pelo desequilíbrio ecológico externo, para além dos fatores ligados à sociedade, à cultura, à industrialização e ao desenvolvimento”. Parafraseando o preâmbulo do ato constitutivo da UNESCO: Se o desejo de consumo nasce nos espíritos dos seres humanos, é no espírito humano que podem se encontrar respostas efetivas para lidar com o consumismo.

 

Uma parte do consumo deriva de necessidades biológicas, como saciar a fome. Consome-se a partir de demandas do corpo, da mente, das emoções. Os animais sobrevivem com o que lhes dá o sustento físico e corporal. Já nas pessoas humanas, é pequena a parcela do consumo que corresponde ao atendimento a necessidades físicas; a maior parte das demandas do consumo é mental ou emocional, atende a motivações simbólicas, de status, e não a necessidades físicas e corporais. O corpo humano precisa de pouco para sobreviver fisicamente. Assim, quando se alimenta mais do que o necessário, adoece e precisa tratar-se, fazer exercícios para eliminar a gordura excessiva, o sobrepeso, a obesidade e evitar doenças cardiovasculares.

Desejos são construídos social, cultural e coletivamente. A sociedade e a cultura, com seus valores, os regulam. O consumo está ligado a aspectos psicológicos, tais como a insegurança, baixa autoestima, necessidade de autoafirmação. O consumidor de bens posicionais, na definição de Eduardo Giannetti da Fonseca, tem a sensação de ser diferente, melhor, mais feliz e mais bem aquinhoado que os demais; a sensação de ser invejado socialmente por sua opulência. Ele cita Petrônio: “Só me interessam os bens que despertem no populacho a inveja de mim por possuí-los.” O poder de ter o mais caro e exclusivo confere status e privilégio, aumenta a autoestima e reduz a insegurança, num processo de narcisismo e exibicionismo.

O manejo sustentável dos desejos pode ser feito de dentro para fora, do indivíduo para a sociedade, por meio de práticas de autoanálise, autoconhecimento e expansão da consciência, de ioga, reflexão ou meditação.  Expandir a tolerância a viver no vazio dos desejos e trabalhar para naturalmente dissolvê-los e deixá-los passar pode abrir um campo vasto para sentimentos e pensamentos criativos e originais, bem como para a ação ecologizada. Desejos são variáveis sobre as quais se pode trabalhar. Podem ser lapidados e refinados por meio da consciência. Desejos são sementes das quais brotam ações. Em seu livro A neurose do paraíso perdido, Pierre Weil apontou que estresse, doença e sofrimento do corpo resultam do apego ao que dá prazer e que o medo da perda provoca emoções, como o ciúme, o orgulho, a inveja e a raiva.  Ele considerava necessário esclarecer sobre a origem da possessividade em relação ao que proporciona prazer e não permitir que essa possessividade, que está na raiz do consumismo e da exploração em excesso do homem e da natureza, acabe por destruir a saúde do planeta. Restabelecer a ecologia da mente é, portanto, indispensável e urgente para se reequilibrar a ecologia exterior. A crise ecológica tem origem na ecologia interior e pessoal. A autotransformação individual envolve mudança de comportamento e de atitude e pode influenciar na autotransformação coletiva.

Nossos cérebros estão estressados pela overdose de estímulos bombardeada pela propaganda. Ansiedade e preocupação dificultam que se focalize a mente no longo prazo, e fazem com que se priorize o imediato, como ocorre com quem precisa lutar para sobreviver no dia a dia. Para desestressar, pode ser valioso exercitar a meditação, a contemplação, técnicas que harmonizam e tranquilizam a mente, e que permitem entrar em estados de consciência menos perturbados e dispersos, mais lúcidos, com maior alcance no tempo. Abordagens e métodos de observação da realidade de autoconhecimento e de reflexão, de controle da mente, são de grande valor para a expansão da consciência. No campo psíquico, emocional ou mental, tais práticas e exercícios permitem expandir os limites humanos. Entre elas, as práticas de desenvolvimento da atenção e presença no agora, de criatividade por meio das artes e ciências, de meditação, algumas delas desenvolvidas por antigas tradições. A capacidade de concentrar a mente no essencial expande e aprofunda a consciência. A espiral do consumo compulsivo e inconsciente (a corrida armamentista do consumo) pode ser desmontada por meio de reequilíbrio mental e emocional, por processos de autoconhecimento e autorreflexão. A concentração é um método de condicionar a mente, concentrar a energia difusa e despertar poderes latentes.

A necessidade, a demanda, a crença e o desejo podem ser ecologizados e induzir atitudes e comportamentos ecológicos. A meditação e a contemplação, práticas de concentração e atenção que levem ao autoconhecimento são valiosas, para que aquele que consome compreenda o seu ser e suas motivações e desejos. A combinação dessas abordagens de aprendizagem por meio de vivências, do conhecimento sociocultural, de incentivos econômicos, do controle social pode expandir a consciência ecológica e induzir mudanças de comportamentos individuais e coletivos.

 

(*) Mauricio Andrés Ribeiro - Autor de Meio Ambiente & Evolução Humana


 

terça-feira, 23 de outubro de 2018

Templos naturais

Cabo da Roca - Portugal

Serra da Piedade - Caeté- Minas Gerais

Corcovado e Lagoa- Rio
Maurício Andrés Ribeiro (*)
Templos naturais são lugares que favorecem estados de contemplação, reverência, respeito e silêncio nas pessoas que os visitam. Induzem atitudes de fruição sem interesse utilitário, semelhantes às que se tem num templo construído – seja uma capela ou uma catedral cristã, uma mesquita muçulmana, uma stupa budista ou nas diferentes edificações construídas para servir às tradições religiosas.
Podem ser lugares monumentais que nos colocam pequenos diante da sua escala, tais como cavernas que lembrem as catedrais góticas; lugares que se revelem por sons da natureza, como os de uma queda d’água ou de animais na selva; lugares altos de onde se pode usufruir o maravilhamento com a paisagem ampla e contemplar o nascer da lua cheia e, do outro lado do horizonte, o pôr do sol; encontros de águas de grandes rios, como a confluência do rio Ganges com o Yamuna, na Índia.
Constituem um patrimônio que dá suporte à memória espiritual, cósmica, e que relembram nossa condição humana e divina. Facilitam a conexão com o todo, ao se constituírem em lugares ecumênicos para qualquer pessoa, seja ela monoteísta, politeísta, ateísta ou panteísta. Facilitam a contemplação reverente, o lazer saudável, a peregrinação. Cada município pode ter templos naturais, centros energéticos naturais frequentáveis pela população local. São pontos de luz e de conexão espiritual, ecumênicos, transreligiosos, locais para o autoconhecimento. São mais do que um monumento natural ou um patrimônio imaterial, por suas qualidades energéticas, simbólicas, que despertam a espiritualidade e a conexão cósmica, um sentido de maravilhamento, embevecimento, introspecção, inspiração, estados alterados de consciência e de percepção.
Seus entornos têm várias escalas, da individual até a familiar, do grupo social à comunidade, à sociedade, à espécie. O próprio corpo humano também pode ser cuidado como um templo natural que abriga a alma e o espírito.
São espaços carregados de energia e espiritualidade e induzem formas de visitação que gerem atitudes e comportamentos de reverência, respeito e contemplação. Um templo natural pode fazer parte de roteiro de turismo místico que mostra que o significado da vida transcende o consumo.
O templo natural nos leva a reaprender a relacionar com os lugares de maneira respeitosa,  desperta para a comunhão planetária, por meio dos espaços sagrados e ajuda a estender a visão ecológica para a escala cósmica do planeta e para a escala individual da ecologia pessoal; chama a atenção para os ciclos longos da pré-história e das civilizações pré-cabralianas. Indígenas e povos espiritualizados como os orientais percebem os espaços sagrados, e ajudam a formular as questões necessárias para se reconhecer a existência de tais lugares, dentro ou fora de unidades de conservação reconhecidas por sua beleza cênica e paisagística e por atributos objetivamente reconhecíveis.
Templos naturais são lugares para meditar e contemplar, lugares onde a terra descansa, nas palavras de Ailton Krenak.
No Sistema Nacional de Unidades de Conservação- SNUC definiram-se vários tipos de lugares, desde as reservas ecológicas, os parques nacionais, os monumentos naturais. Mas não se criou uma categoria especial que designe aqueles espaços que transmitem uma energia própria e que podem estar situados dentro ou fora dessas áreas protegidas. A UNESCO protegeu vários exemplares do patrimônio natural no mundo e no Brasil. O Cabo da Roca em Portugal pode ser visto como um templo natural no ponto extremo do continente europeu.  O IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional também tombou sítios como as cachoeiras do Iauaretê, no alto Rio Negro, local sagrado para os indígenas da região.
O alto do Corcovado com o Cristo Redentor no Rio é um templo natural de onde se contempla a paisagem.
Minas Gerais, por sua topografia montanhosa e grandes altitudes, apresenta vários templos naturais. A Serra da Piedade, em Caeté, local de romaria, é também um deles. Em Conceição do Mato Dentro, a Colina da Paz, um lugar alto, com grama natural, vegetação de capim aveludado e um conjunto de pedras negras, onde se pode maravilhar com a paisagem da Serra do Espinhaço.  Outro lugar é a Cachoeira do Tabuleiro, com uma queda d’água de 273 metros de altura, circundada por um anfiteatro de pedras negras, vermelhas ou acinzentadas.
Alguns desses sítios têm sido destruídos e violentados pela atividade humana tal como a mineração que geometriza a paisagem por meio da terraplenagem.
Um oásis é um lugar em que há água e vida no deserto e no qual as caravanas param para descansar e se reabastecer antes de prosseguir viagem.  Na escala do sistema solar, a Terra é um lugar com solo fértil, vegetação, vida animal e água. É um pequeno ponto no deserto dos espaços siderais interplanetários. A própria Terra é um oásis, que precisa de cuidados e de ser ressacralizado. Na escala do cosmos, a Terra é um templo natural.
(*) Autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia