quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Instrumentos de gestão das águas[1]


Maurício Andrés Ribeiro

Cada profissão dispõe de sua caixa de ferramentas: um cirurgião dispõe de pinças, bisturis, luvas, equipamentos informatizados; um mecânico de automóveis usa chaves de rodas, macacos, alicates; um marceneiro dispõe de serrotes, martelos, chaves de fenda, esquadros etc. Numa orquestra há flautistas, violinistas, pianistas, fagotistas, harpista, entre outros músicos e um maestro capaz de harmonizar o conjunto.
Maestro e orquestra

Instrumentos musicais

Há profissionais especializados em trabalhar com um único instrumento e outros que sabem operar com vários deles. Cada um desses profissionais pode alcançar bons resultados, caso conheça seus instrumentos e saiba usá-los com perícia.

Perícia no uso de instrumentos
Na área de recursos hídricos há seis instrumentos previstos na lei n.9.433 de 1997. Eles são necessários, porém são insuficientes para se alcançar bons resultados na gestão das águas.
Na gestão ambiental, há 13 instrumentos previstos na lei n. 6.938 de 1981. Essa caixa de ferramentas é mais completa do que a de recursos hídricos, mas ainda assim não abarca o universo de novos instrumentos que se criaram e desenvolveram nos últimos anos.
A caixa de ferramentas evolui. Sempre se criam e inventam novos instrumentos que aumentam a capacidade de atuação.[2]
 Do mesmo modo como há instrumentos musicais de corda, de sopro, de percussão, também os instrumentos para a gestão das águas podem ser agrupados em subconjuntos:  instrumentos que definem padrões de qualidade, instrumentos de ordenamento territorial, instrumentos regulatórios de comando e controle, instrumentos econômicos, instrumentos sócio-culturais e educacionais.  Alguns deles são usados intensamente (outorgas, licenciamento ambiental) e outros pouco são usados (enquadramento das águas).
Tanto na gestão ambiental como na gestão das águas existe uma multiplicidade de atores sociais com variados interesses econômicos, visões de mundo, percepções, valores culturais, graus de conhecimento e de informação, acesso ao poder político e econômico etc. Entre eles destacam-se o Legislativo – Congresso, Assembleias, Câmaras; o poder executivo – Federal, Estados e Municípios, o judiciário, o Ministério Público, os usuários da água; especialistas e técnicos, universidades, a Imprensa, ONGs e Organismos comunitários; os bancos e as Fontes de financiamento.
Especialmente no Brasil, há disparidades e desigualdades muito grandes e uma crescente demanda por água. Essa situação traz disputas e conflitos pelo acesso e uso da água, que por vezes tornam-se violentos. Milhares de quilômetros de trechos de rios encontram-se em zonas de conflito. Assim, são necessários métodos de prevenção, mediação e resolução não violenta de conflitos, que buscam encontrar denominador comum entre esses vários interesses e atores. Órgãos colegiados tais como conselhos, comissões, comitês, são as respostas institucionais para se lidar com conflitos e tentar chegar a resultados satisfatórios. No passado, tais colegiados tinham legitimidade e eram respeitados, mas à medida em que passaram a ser instrumentalizados e capturados por alguns desses atores, perderam sua credibilidade. Suas decisões passaram a ser contestadas, sendo crescente a judicialização dos processos.
Situações de estresse hídrico se multiplicam, demandando novos métodos e instrumentos de gerenciar conflitos e disputas. Depois de 20 anos da lei 9.433, existe a consciência de que há outros instrumentos valiosos à disposição do gestor das águas, alguns deles no próprio campo da gestão de recursos hídricos. Entre esses, ressaltam as salas de crise, a alocação negociada de água, os marcos regulatórios de águas, observatórios de secas, a fiscalização de usos da água, que têm dado bons resultados. Uma prática exitosa é a das salas de crise, nas quais atores e usuários interessados na água de uma mesma bacia se reúnem periodicamente, por meio de videoconferências, ali tomam conhecimento da situação real hidrológica e meteorológica e compartilham informações valiosas para subsidiar a tomada de decisão sobre o que fazer e como gerenciar a água disponível naquela bacia crítica. Essas salas de crise são baseadas em muita informação, nivelam o conhecimento de vários atores sobre um tema e ajudam-nos a entenderem a realidade e a dar respostas aos problemas.
Além dos instrumentos da gestão ambiental e da gestão de recursos hídricos, há também aqueles ligados a unidades de conservação e à proteção do patrimônio natural, como o tombamento, que podem ser úteis para se gerenciar a água considerada como patrimônio e não apenas como recurso, como está na lei 9433.
O SINGREH -Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos - merece uma observação especial.   Ele é muito importante mais insuficiente para dar conta de todos os desafios relacionados com a gestão das águas. Ele pode funcionar como uma gaiola dentro da qual se refugiam os especialistas em sua zona de conforto.
Uma segunda parte da aula foi a leitura silenciosa e a discussão em grupos de cinco textos que focalizam o contexto em que se aplicam os instrumentos e que falam sobre a importância de considerar que o sistema está inserido num organismo maior; que enfatiza a água como um patrimônio a ser protegido; que chama a atenção para a água como uma questão de segurança; que descreve temas emergentes ara gestão das águas no Brasil   e que mostra experiência pratica de compartilhar aguas de modo pacifico por meio de alocação negociada de água. 

Uso combinado de instrumentos em grupo de chorinho
Ao final enfatizo a importância do uso combinado dos instrumentos e a insuficiência que ocorre quando se domina apenas um deles sem ter um maestro que coordene a aplicação integrada de todos eles. A perícia no uso combinado dos instrumentos pode trazer bons resultados e resolver problemas de falta, excesso ou má qualidade das águas.
No Brasil, já se avançou bastante na gestão de recursos hídricos, mas ainda precisa-se avançar na integração com outras políticas. É preciso evitar que os colegiados sejam capturados por atores mais fortes; considerar a água como patrimônio a ser protegido e não apenas como recurso a ser gasto. Em suma, há muito a ser feito e isso é cada vez mais necessário no contexto das mudanças do clima que acontecem no planeta.

[1] Aula sobre instrumentos das políticas de meio ambiente e de recursos hídricos no mestrado profissional sobre gestão de regulação de recursos hídricos em 31-8-2018.

[2] Vários outros instrumentos são aplicados em outros países em que se faz a gestão ambiental . Essa lista consta do livro Instrumentos para a ação, parte da trilogia Ecologizar, publicado em 2009.