quinta-feira, 13 de abril de 2017

A Qualidade da Água e o tempo livre





Maurício Andrés Ribeiro

A qualidade das águas no Brasil é alterada por atividades agrícolas, industriais, de mineração, de construção de infraestruturas, pela falta de saneamento.
A poluição das águas prejudica o esporte, o lazer, a recreação, a pesca recreativa, a celebração de cultos religiosos e o turismo. Muitas dessas atividades que se realizam no tempo livre dependem da agua de boa qualidade.
No Brasil, entre as localidades com atividades turísticas ou com potencial turístico que tem como atrativo a águas destacam-se as cataratas do Iguaçu, os rios na região Amazônica, o encontro das águas em Manaus, cavernas calcárias, Bonito no Mato Grosso do Sul, o Pantanal, praias, cachoeiras e lagos, as orlas de reservatórios de água.
Preservar a qualidade das águas e sua disponibilidade é essencial para sustentar essas atrações. A água para a recreação de contato primário e para a balneabilidade precisa ter boa qualidade, para evitar epidemias e doenças.
Por vezes há disputas e conflitos entre os usos da agua para o tempo livre e os demais usos. Assim, por exemplo, entre os destinos turísticos procurados estão as orlas de lagos e lagoas. Em alguns reservatórios artificiais que geram energia hidroelétrica ou para abastecimento, prefeituras e empreendedores privados investiram em portos, cais, embarcadouros e infra-estrutura de hospedagem. Entretanto, a operação de usinas hidrelétricas pode exigir o rebaixamento do nível da água, ocasiões em que as margens banhadas pelas águas retrocedem, inviabilizando o lazer e a recreação. Multiplicam-se, então, conflitos que se refletem em ações judiciais de empreendedores e prefeituras.
Conflitos entre usos também ocorrem quando populações locais pretendem proteger rios e cachoeiras como patrimônio natural para usufruto local e são confrontadas pelos interesses de investidores e de empreendimentos de geração de energia elétrica, como ocorreu nos casos da Cachoeira em Salto da Divisa em Minas Gerais.
Do mesmo modo, o uso da água para fins de culto religioso pode implicar em mudar a operação de reservatórios para liberar água que permita a navegação sem o risco de encalhe das embarcações, como no caso da procissão do Bom Jesus de Piaçabuçu, em Sergipe, no Rio São Francisco.   
A proteção de locais de culto sagrados para povos indígenas pode ser feita   por meio de tombamento e outros instrumentos, como no caso das Cachoeira de Iauaretê na Amazônia.    
Os empreendedores ligados ao turismo, ao lazer e à recreação são potenciais aliados da luta pela boa qualidade das águas. O principal motivo de insatisfação dos turistas no Brasil é a sujeira causada pelo lixo e pela falta de saneamento nos locais visitados. Garantir boa qualidade de saneamento ambiental é crucial para o sucesso de empreendimentos de turismo rural, esportivo, eqüestre e outros. Investir em saneamento básico e na despoluição dos cursos d'água ajuda a atrair turistas e a ação dos empreendedores do turismo junto às prefeituras municipais e junto aos promotores de justiça das comarcas pode desencadear soluções para dar destino final adequado ao lixo e ao esgoto. O turismo pode ajudar a conservar os ecossistemas e a proteger a qualidade das águas, ao comprometer-se com o entorno que o viabiliza.
Do mesmo modo os pescadores amadores dependem de agua de boa qualidade e são potenciais aliados nos trabalhos pela proteção das águas.
O esporte aquático é outra atividade que depende de água despoluída, como mostraram as Olimpíadas. Por outro lado, as atividades desenvolvidas no tempo livre também provocam impactos ambientais negativos, com a poluição das aguas por esgotos, despejos de embarcações etc.  Ter noção da capacidade de suporte do ambiente e da carga máxima de visitantes que pode receber sem ser prejudicado é essencial para que as paisagens sejam protegidas.
Fortalecer os segmentos economicos ligados às atividades do tempo livre – esportes, lazer, recreação, turismo, culto religioso – pode ser um bom modo para alcançar resultados positivos na qualidade das águas.
            





A Nova Zelândia e o rio como pessoa[1]



Maurício Andrés Ribeiro

O Rio Whanganui foi reconhecido como pessoa pelo parlamento neozelandês
Na Nova Zelândia houve uma secular história de confronto entre duas cosmovisões: a dos povos nativos que ali viviam e a dos colonizadores britânicos.  Depois de muita luta, persistência e perseverança o governo da Nova Zelândia celebrou um acordo com os Maoris que considerou o rio Whanganui como pessoa, um ente vivo, com seus direitos próprios. Foi um passo revolucionário, o primeiro rio no mundo a ganhar tal status. Ao reconhecer o Rio com Poder Ancestral como uma pessoa legal com seus direitos próprios, ele foi colocado em nova relação com os seres humanos.
Pelo acordo, duas pessoas escolhidas pelo governo neozelandês e pelos Maoris atuam como a face humana do rio, agindo em seu nome e guardiões de seus interesses. Elas administram um fundo de $30 milhões de dólares dedicado a melhorar a saúde e bem estar do rio.  Esses dois indivíduos são apoiados por um grupo de pessoas com interesses no rio para fazer avançar a saúde ambiental, social, cultural, econômica e o bem estar do rio. Haverá uma forte vigilância para evitar violações ao acordo.
Em agosto de 2014 uma multidão se reuniu quando os líderes tribais assinaram um acordo com o governo da Nova Zelândia reconhecendo legalmente o Whanganui como um ser vivo. Na introdução desse acordo, aprovado no parlamento em março de 2017, o Rio Whanganui é descrito como fonte de vida, saúde e bem estar, um todo vivo que vem das montanhas até o mar, um todo indivisível e vivo incorporando todos os seus elementos físicos e metafísicos. Desculpas formais foram pedidas pelo governo da Coroa aos indígenas por seu fracasso em reconhecer seus interesses. Um pagamento de 80 milhões foi feito para compensa-las pelas quebras em seus direitos em relação com o rio.
No entendimento maori, a relação entre as pessoas e a terra é baseada em parentesco, consanguinidade e não em domínio. Os Maori pensam que o rio existe como uma entidade única e indivisível. Na sua cosmologia a água são as lagrimas do pai, chorando por sua esposa, a mãe terra. O sangue da terra é a água que traz vida. Seu ritmo de vida é regido conforme o ciclo agrícola, o movimento dos peixes e de pessoas rio acima e rio abaixo. O modo Maori de pensar sobre rios os considera como “as veias da terra” que traz saúde, vida, prosperidade, bem estar para plantas, animais, e pessoas. A tradição Maori diz que “Eu sou o rio, o rio sou eu.” (nesse  sentido ela é idêntica à de J.Krishnamurti, que disse  “O ambiente é o que somos em nós mesmos. Nós e o ambiente não somos dois processos diferentes; nós  somos o ambiente e o ambiente somos nós.” E também corresponde à visão de Pierre Weil sobre a fantasia da separatividade.)
Essa cosmovisão de unidade do ser humano com a natureza gerou consequências práticas, jurídicas, legais e de gestão.
Durante séculos os colonizadores britânicos menosprezavam essas visões, impunham injustas vendas de terras para os europeus e confiscavam territórios ancestrais dos Maoris. No século XIX os povos indígenas eram vistos como parte das coisas vivas que movem na terra, para serem governadas pelos cristãos civilizados. A expansão colonial era entendida como virtude e esse domínio sobre a terra era visto como um progresso. Ao acreditarem que os peixes, pássaros, florestas e rios foram criados para o uso humano, os colonizadores subjugaram a natureza selvagem, queimaram florestas, drenaram várzeas, poluíram os rios. Os colonos não consideravam  conveniente respeitar as convenções e os direitos dos Maoris.
Os Maoris levavam aos tribunais o significado temporal e espiritual do rio, essencial para sua identidade, cultura e bem-estar. O rio era visto como uma entidade viva com sua propria personalidade e força de vida, e como um todo indivisível, não algo para ser analisado pelas partes constituintes de agua, leito e margens. Houve debates jurídicos acalorados sobre a propriedade ou o usufruto da agua. Os Maoris lutaram contra as agressões e reclamaram nos tribunais sobre as poluições dos rios, sua drenagem e canalização bem como sobre o fracasso do governo em proteger seus direitos de usar e desfrutar de rios ancestrais. Por gerações, o povo de Whanganui protestou contra a destruição que sofriam com a introdução de outras espécies de peixes, a extração de cascalho, os desvios no leito do rio para produzir energia elétrica. Eles registravam sua tristeza com a situação, o rio estagnado e morrendo. “ Eu sou o rio, o rio sou eu. Se eu sou o rio e o rio sou eu – então empaticamente eu estou morrendo.” Práticas ancestrais foram ignoradas contra a sua vontade, seu desfrute dos rios foi prejudicado; falharam os apelos à lei para protege-los contra tais prejuízos e danos. Nos tribunais eles tentaram proteger sua relação com os rios ancestrais com petições, apelos, ação legal. Tais lutas nos tribunais se estenderam por mais de um século .
Por muito tempo  não escutava se a raiva expressa pelo povo e o dano a sua vida causada pela degradação do rio e não tocava nos deveres legais da Coroa de proteger usuários do rio contra danos. A decisão do parlamento neozelandês de março de 2017 foi resultado dessa longa luta de um povo indígena para defender sua cosmovisão e suas práticas ns relações com a água, diante de outra cosmovisão poderosa.
A resiliência demonstrada pelos Maoris e os resultados de sua perseverança podem inspirar outros povos em aprimorar sua relação com a água.




[1] Texto baseado no artigo “Veias da Terra- Direitos, responsabilidades e a governança dos rios na Nova Zelândia”, de Anne Salmond, publicado em março de 2017.

quarta-feira, 12 de abril de 2017

Água como patrimônio a ser protegido




Maurício Andrés Ribeiro

A legislação brasileira trata as águas como um recurso a ser usado, mais do que como um patrimônio a ser cuidado e protegido. Entretanto, a noção de patrimônio hídrico está presente na Constituição Federal, no artigo 216° que dispõe que constituem patrimônio cultural brasileiro bens de natureza material e imaterial, nos quais se incluem sítios de valor paisagístico. 
Um instrumento relevante para a proteção do patrimônio é o tombamento. Tombar alguma coisa de acordo com normas legais equivale a registrar, com o objetivo de proteger, controlar, guardar.  São sujeitos a tombamento os monumentos naturais, bem como os sítios e paisagens que importe conservar e proteger. O Patrimônio Cultural compreende três categorias e a primeira delas engloba os elementos do meio ambiente. No Brasil, entre os bens naturais, considerados como patrimônio da humanidade destacam-se o Parque Nacional do Iguaçu, a área de conservação do Pantanal, o parque nacional do Jaú, a costa do descobrimento e reservas do sudeste da mata atlântica; o parque nacional da Serra da Capivara, ilhas atlânticas brasileiras.
Parque Nacional do Iguaçu 

















Parque Nacional do Jau
Em Minas Gerais, houve a proteção das estâncias hidrominerais de Araxá e Poços de Caldas e Caxambu.
Parque das águas de Caxambu 














O tombamento foi usado para a proteção de recursos hídricos para fins de turismo, balneabilidade e lazer, a partir de iniciativa local de uma estância hidromineral, o município de Piraju-SP. Piraju mobilizou-se para defender os interesses da comunidade local na proteção de áreas especiais. Lei municipal tombou o trecho de 8 km do rio Paranapanema que tem águas limpas é rico em peixes, abriga em seu leito sítios arqueológicos indígenas com até oito mil anos, ruínas de missões jesuíticas do século XVIII. Ele foi complementado com Lei municipal que cria o parque natural de Dourado; e lei que institui plano diretor da Estância turística de Piraju, e reserva a área para preservação ambiental e desenvolvimento de turismo.


Piraju -SP


O tombamento por vezes se contrapõe a interesses fortes. Isso ocorreu com o tombamento estadual das Cachoeiras do Tombo da Fumaça, no município de Salto da Divisa, em Minas Gerais, localizado na divisa com a Bahia, estado no qual foi construída uma barragem devido à implantação de hidrelétrica que acabou inundando o bem tombado em Minas. Houve na época um conflito jurídico, pois se tentou com o tombamento estadual evitar a inundação das quedas d'água, porém, falou mais alto o interesse federal em detrimento do regional: o progresso e os empregos versus a preservação cultural e ambiental.[1]



  1. RIBEIRO, Morel Queiroz da Costa - O Licenciamento Ambiental de Aproveitamentos Hidrelétricos: O Espaço da Adequação, tese de mestrado na UFMG,2008.