terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

Paz e Consciência ecológica na Unipaz-MG


Maurício Andrés Ribeiro


 Este foi o tema de seminário oferecido na Unipaz-MG em fevereiro de 2019 dentro do programa da formação holística de base. Eram  cerca de 25 aprendizes.
O primeiro dia foi dedicado ao conhecimento científico, trabalhando o aspecto racional e intelectual.
Num mundo com população crescente – somos mais de 7 bilhões – com desejos e demandas crescentes de consumo, a pressão sobre a natureza cresce e ela tende a se exaurir.
A água é uma  substância essencial para a vida e para todas as atividades humanas e  foi o tema focalizado no início. Destacamos o estresse hídrico que existe em muitas partes do mundo e do Brasil  e as disputas e conflitos crescentes por esse recurso.  Como nosso corpo é composto em 70% por água, isso facilita percebermos nossa unidade com a natureza e que somos parte integrante dela. Nesse contexto, aplicar métodos e técnicas de resolução não violenta de conflitos e de mediação e prevenção de conflitos é um modo de lidar com o tema da água, que cada vez será mais valioso. Daí a importância do trabalho da Unipaz com a ecologia integral e com a cultura de paz.
Em seguida, fizemos um exercício de calcular a pegada ecológica individual de cada um. Ou seja, qual o espaço em hectares necessário para sustentar o estilo de vida e os padrões de consumo de cada aprendiz.  A pegada ecológica é um indicador de sustentabilidade que nos ajuda a tomar consciência do peso que exercemos sobre a Terra com n ossos hábitos de consumo e estilo de vida. Identificamos quais os fatores que mais contribuem para tornar pesada a pegada ecológica – transportes, automóvel, geração de lixo, consumo de alimentos produzidos longe do local de consumo, gastos de energia. Cada um pode então avaliar o seu   peso ecológico e imaginar maneiras de caminhar com mais leveza. Em geral  nas turmas da Unipaz e nas turmas de aprendizes em universidades, a pegada ecológica sempre está mais pesada do que a média brasileira e mundial. O exercício de calcular a pegada ecológica  ajuda as pessoas a tomarem consciência dos impactos que causam ao ambiente exterior.
Uma apostila foi previamente preparada e distribuída. A turma é dividida em sete grupos de até quatro aprendizes. Cada grupo lê um dos textos e depois o relata para o restante da turma: os temas  escolhidos para a apostila são atualizados a cada ano em que ofereço esse seminário. Em 2019,   havia textos sobre paz e ecológica, sobre a ecologização da economia, as várias partes interessadas num relacionamento com as empresas e o papel dos acionistas engajados;

Relacionamentos de uma empresa ou corporação - partes interessadas
Movimento de acionistas engajados em Sidney, Austrália.
sobre os modos de exercer a atitudes ecológicas no cotidiano, nos vários papéis que cada um representa, como cidadão, consumidor, eleitor, educador etc. Um tema sensibilizador é o consumismo infantil, pois muitas mães e pais convivem diariamente com essas questões. Foram mostrados os problemas, mas também as respostas e boas iniciativas o Brasil para lidar com o consumismo infantil, tais como as ações do Instituto Alana e do movimento por uma infância livre de consumismo. A questão de desejo e de como lidar com ele se coloca. Frases selecionadas inspiradoras  mostram  modos de atuar espiritualmente em relação ao consumo.
A parte final desse primeiro dia do seminário é dedicada a uma visão mais ampla. Distanciando-se da conjuntura do dia a dia e dos problemas imediatos, viaja-se no tempo e no espaço, abordando a grande transição atual na perspectiva da evolução;  a unidade do micro e do marco, a jornada da humanidade desde seus primórdios até o dia de hoje, grandes cenários prospectivos e visões sobre para onde vamos como humanidade e como espécie, como enfrentar a grande crise da evolução que engloba todas as demais crises.
No dia seguinte, arte e música trazem uma perspectiva complementar sobre como lidar com a paz e a consciência ecológica.
  O segundo dia foi conduzido pelo grupo Voz e Poesia, que tratou o tema a partir da arte, da música, da poesia, das artes cênicas. As artes lidam com o emocional, com o intuitivo, com sentimentos, caminhos poderosos para despertar a sensibilidade ecológica.


Dinâmica com o Grupo Voz e Poesia- arte para  a cultura de paz. 


 

 

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Deus e as responsabilidades

Maurício Andrés Ribeiro 

Umberto Eco observou que “Justificar tragédias como "vontade divina" tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas.”
Umberto Eco pode ter razão caso Deus seja colocado acima de todos, no alto, fora de cada ser humano. Quando Deus é colocado nessa posição, as expressões “se Deus quiser”, “entregar para Deus” mostram uma acomodação,  uma impotência ou falta de desejo de encarar as questões. Se acontecem tragédias ou desastres é porque Deus quis e não há nada a fazer senão aceitar a vontade divina. “Deus é brasileiro” é outra expressão que também entrega para Deus a responsabilidade de resolver os problemas.
Entretanto há outras maneiras  de entender a existência de Deus e de definir onde colocá-lo. Na tradição dos vedas  escrituras sagradas hindus, Deus não está apenas acima, no alto, fora dos seres vivos, mas está dentro de cada um. A saudação indiana do “Namasté” significa que “o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você.” Para além das aparências do corpo, da mente, das emoções e sentimentos, há nessa concepção uma essência divina nos seres vivos humanos e não humanos que pode ser chamada de alma ou espírito.
O entendimento do que seja um ser humano se expande e mostra-se generoso. O homo sapiens não é percebido apenas como um descendente dos macacos, na história da evolução, mas como portador de uma consciência e energia divinas. As expressões “se Deus quiser”, “ a vontade divina”, “Deus é brasileiro”, “entregar para Deus” passam a ter outro significado: dentro de cada brasileiro há uma essência divina. Ao invés de ser apenas e exclusivamente movido por  interesses particularistas, por desejos do ego, pessoais, acredita-se que possa ser movido por uma vontade e uma aspiração mais elevada, divina e transpessoal.
Nesse  contexto, quando acontece uma tragédia ou um desastre, cada um tem sua parcela de responsabilidade, o dever de arcar com as consequências do próprio comportamento ou do comportamento de outras pessoas.
     Não se nasce responsável, aprende-se a ser responsável. Uma criança pequena não sabe avaliar  com clareza as consequências de seus atos. Pratica ações temerárias, não tem a noção do risco que corre. Em situações  de perigo  ela só pode comparecer acompanhada de seus pais ou responsáveis. Esses têm deveres de cuidar para que ela não sofra danos ou se machuque ao praticar ações imprudentes.
Atualmente,  o movimento de crianças e jovens sobre a questão climática mostra que essa faixa etária está assumindo consciência e responsabilidades num mundo em que muitos adultos são alienados, alheios, inconscientes ou irresponsáveis quanto a esse tema.
Um adolescente impetuoso pratica ações  temerárias e se arrisca a sofrer danos e prejuízos. Um delinquente juvenil pratica conscientemente crimes com consequências funestas, mas não pode ser legalmente responsabilizado por seus atos. Maiores e  pessoas adultas são considerados legalmente responsáveis por seus atos e palavras e podem pagar por seus erros.  
Consciência e conhecimento trazem responsabilidade.
 Assumir a  responsabilidade  por seus pensamentos, palavras e ações é sinal de maturidade pessoal e individual, empresarial, coletiva. Aprender a ser responsável  é parte importante da educação básica de todos e de cada um.
 No mundo contemporâneo, é como se a espécie humana, movida  por desejos do ego, se comportasse como um delinquente juvenil ou como um psicopata, praticando irresponsavelmente atos danosos sem assumir  as consequências e pelo sofrimento que possam causar a terceiros e ao ambiente. Caso evolua, nossa espécie pode  superar a fase de busca pelos interesses vitais, de satisfação dos desejos do ego e evoluir para entender seus propósitos, missões ou tarefas e caminhar para a liberação ou a espiritualidade. Cada um pode se mover  por uma nova relação amadurecida com os demais e com o meio ambiente e  assumir responsabilidades de cogestão da evolução.  
Quando o  Deus  que existe dentro de cada brasileiro for despertado e ele não se enxergue apenas como um descendente dos macacos que evolui da história natural para a história humana,   talvez  passe a exercer sua responsabilidade e tragédias e desastres possam ser prevenidos ou evitados.
 

 

 

 

terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Expandir a noção de direitos e evoluir para uma concepção integradora


Maurício Andrés Ribeiro

 

Para quem defende e acredita em direitos humanos pode ter sentido expandi-los para abranger uma nova geração ainda não contemplada.

 Dos direitos individuais - à liberdade, à vida, à expressão -, evoluiu-se para os direitos sociais, econômicos e culturais – à educação e à saúde, ao trabalho e à greve. Daí se evoluiu para a terceira geração, a dos direitos e interesses difusos, que ultrapassam a perspectiva individual e que incluem a proteção da coletividade, da paz e da segurança pública, do patrimônio histórico e cultural e do meio ambiente.

Comporiam os direitos humanos de 4a. geração: o direito de ser responsável; o direito de agir corretamente; o direito de cumprir o dever; o direito de ser ético. Isso significa evoluir para os Direitos Éticos, o direito à ética, o direito ao dever.

Divulgada numa rede social, essa proposta gerou comentários variados. Uma amiga acha que toquei num ponto sensível e escreveu “Nós, ativistas de um modo geral, diante da desigualdade e das injustiças nos batemos pela ampliação dos direitos, mas não dos deveres. No Brasil, hoje, o indivíduo acha que ser cidadão é pagar impostos. E ter os serviços que estes impostos pagariam. Os deveres, principalmente aqueles que sedimentam o tecido ético são ignorados. Os éticos em uma sociedade enfurecida são considerados babacas.” Ela expressa uma visão corrente na sociedade da qual decorrem práticas , atitudes e comportamentos de fugir de responsabilidades. Desastres ambientais acontecem e é difícil apontar responsáveis, pois “filho feio não tem pai”.

Outro  amigo virtual indagou se essa proposta trata de direitos  humanos  ou de valores humanos. Concordo que  se trata de valores humanos, entendidos como direitos: o direito de exercitar valores éticos.

Um amigo  português que desenvolve um trabalho em Ecologia Espiritual, numa abordagem para além do antropocentrismo, comentou que “Uma ética ecocêntrica, integral ou cósmica integra direitos universais, que inclui direitos dos animais, da vida e da Natureza. Sem incluir esses agentes, os direitos estarão sempre deficitários.” Essa seria  uma última geração dos direitos,  que engloba os da natureza.

Até aqui falamos  de direitos, mas vale a pena ver a questão a partir de outra concepção, de outro modelo mental e de outra cosmovisão. Sri Aurobindo foi o pensador que formulou mais claramente essa questão, ao escrever sobre democracia, direitos e deveres:  “Tem-se dito que a democracia se baseia nos direitos do homem; foi respondido que deveria basear-se nos deveres do homem; mas ambos, direitos e deveres, são ideias europeias. Dharma é a concepção indiana em que os direitos e deveres perdem o antagonismo artificial criado por uma visão do mundo que faz do egoísmo a raiz da ação, e recupera a sua unidade profunda e eterna. Dharma é a base da democracia que a Ásia deve reconhecer, pois nisso reside a distinção entre a alma da Ásia e da alma da Europa. Por meio do dharma a evolução asiática se realiza; este é o seu segredo.”  (Sri Aurobindo, vol.1 pag.-759).

Como os dois lados  da fita de Moebius, direitos e deveres  são unificados no Dharma.
Isso que  Sri Aurobindo postula para a Ásia poderia ser estendido a outras partes. Tomara que se torne melhor conhecido no ocidente  e melhor aplicado no Brasil o conceito unificador do Dharma que, como numa fita de Moebius, dissolve as diferenças entre direitos e deveres.