segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Ciência e fé fazem uma combinação poderosa na pandemia.

 


Maurício Andrés Ribeiro


Andar com fé eu vou

Que a fé não costuma faiá.

Gilberto Gil

Nos últimos anos tenho presenciado nascimentos e  intervenções cirúrgicas em hospitais. Tais eventos trouxeram aflições devido aos riscos associados a eles. Foi preciso confiar que os médicos e enfermeiros estavam fazendo o seu melhor para salvar vidas. Para a cura, são importantes a competência e dedicação dos profissionais e suas máquinas, medicamentos e monitores, produtos da ciência e da tecnologia humanas. Para além  disso, ajuda muito a vontade de viver do paciente; o amor e presença de familiares e amigos; as  confortadoras mensagens com torcidas e orações;  a invocação das energias e vibrações  daqueles que já se foram para outros planos da existência.

A sabedoria mineira diz: “Confiar desconfiando”.  A confiança não pode ser cega pois se a fé não costuma faiá, os seres humanos costumam falhar. erros médicos, imperícia, incompetência  nos diagnósticos e nas intervenções. Falhamos ao criar expectativas que se frustram, ao fazer promessas que não são cumpridas, ao cometer imperícias no trânsito ou nos procedimentos médicos etc.

Várias músicas falam do tema. Fernando Brant escreveu que Maria Maria possuía a estranha mania de ter fé na vida. Roberto Carlos cantou a sua . Músicas religiosas cantam para multidões a confiança em Deus e seu poder; louvam-no como  um amigo que espanta o medo e a desesperança e que alivia as aflições e sofrimentos.

Em que medida a fé reforça a imunidade e ajuda a lidar com a pandemia?  O papel da fé na pandemia  foi abordado em  artigos que tratam da existência humana, das incertezas trazidas pela doença, dos  aprendizados pessoais e coletivos.  

Confiar na providência divina ajuda a obter proteção e segurança psicológica para enfrentar as aflições da doença. O poder da fé  fortalece o ânimo, reduz o  estresse e aumenta a capacidade de superar obstáculos.

Entretanto, não basta ter fé e sair por aí se aglomerando, sem máscara, sem higienizar as mãos. A fé em Deus e  a crença de que tenho o corpo fechado e nada me atingirá levam a comportamento temerário.  É preciso fazer a sua parte. Deus ajuda a quem se ajuda. A fé é uma  condição necessária, não suficiente, e precisa estar combinada com outros cuidados. Ciência e fé fazem uma combinação poderosa.

Numa pandemia, a fé fortalece o corpo ao reduzir o estresse, que é intensificado pelo medo das perdas de vida ou perdas materiais. Vale manter a confiança nos médicos e na providência divina ou numa força maior que dá a sua proteção para que o melhor aconteça.

Confiar em si próprio e confiar em Deus tornam-se crenças idênticas quando se acredita que o Deus que se encontra dentro de nós  precisa emergir. O  Namasté, cumprimento tradicional indiano, significa isso: “O Deus dentro de mim saúda o Deus que existe em você.”

A confiança  é uma atitude que ajuda a enfrentar a pandemia e a lidar com outras crises sanitárias, climáticas e ecológicas que ocorrerão nessa etapa de transição na evolução humana, nesse estágio terminal da era cenozoica.

 

 

domingo, 29 de novembro de 2020

Render-se a uma vontade maior na pandemia

 


Maurício Andrés Ribeiro

Enquanto a vacina contra o vírus  da Covid-19 não chega, procura-se fortalecer a imunidade do corpo. Um organismo  fortalecido torna-se capaz de reduzir os efeitos devastadores do vírus.  Procura-se melhorar a qualidade da alimentação, a exposição ao sol, praticar exercícios, tomar banho frio, repousar. Manter a  saúde mental e emocional  se reflete sobre a saúde do corpo físico.  O estresse  emocional e mental fragiliza o corpo.

 O psicólogo e educador  Pierre Weil mostrou como o apego e o medo da perda  de algo gera prazer produzem estresses e doenças de origem psicossomática. No desprendimento  está um modo eficaz de reduzir o estresse. Quando se  desapega fica mais fácil render-se a uma vontade ou a uma inteligência superior. Desapegar-se pode significar dissolver o próprio ego, renunciar ao egoísmo e às próprias preferências pessoais condicionadas culturalmente e estar aberto para aceitar o que a vida indicar. A entrega é o título do último livro biográfico de Pierre Weil, em que ele coloca seu destino nas mãos de uma vontade superior. Ao invés de ser movido por  interesses particularistas, por desejos do ego, passa-se a ser movido por uma aspiração mais elevada. Essa ideia de rendição está presente em antigas tradições espirituais, como no raja yoga:  render-se (to surrender) à vontade divina e deixar-se levar na vida  a partir dessa força ou energia, do self universal e não do ego individual.

As expressões “se Deus quiser”, “entregar para Deus”, são praticadas diariamente por milhões de pessoas. Não querer controlar o futuro,  estar aberto às mudanças de planos, deixar a vida fluir e indicar os caminhos, render-se à vontade maior são atitudes de resignação e aceitação que podem reduzir estresses.

 Zeca Pagodinho cantou “Deixa a vida me levar  Vida leva eu  Sou feliz e agradeço  Por tudo que Deus me deu”.  Na perspectiva da não violência, render-se pode significar libertar-se de dualismos, da luta do bem contra o mal, deixar de fazer julgamentos de valor e desapegar-se daquilo que dá prazer: a vitória, a vaidade, o orgulho.

Outra música popular expressou a atitude de indignação  e de  resistência a entregar-se. Sergio Ricardo cantou: “Se entrega, Corisco! Eu não me entrego não!”  Entregar-se ou render-se no sentido militar ou do ativismo político ou ideológico masculino  tem uma conotação de reconhecer a derrota, de perder a luta, retirar-se do campo de batalha. Na guerra do Vietnã um general aconselhou o presidente americano a declarar vitória e bater em retirada.

Quem acredita em Deus coloca-o em diferentes lugares: alguns o imaginam acima de todos, no alto e distante.  Outros o colocam tanto no universo (o Brahman) como no interior de cada ser vivo (o Atman). Há tradições que o visualizam como uma centelha de luz  dentro de cada  ser. Sri Aurobindo escreveu extensamente  sobre isso em A vida Divina. A principal saudação dos hindus, o Namasté, significa que o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em ti. Quando se percebe Deus dentro de si, as expressões “se Deus quiser”, “a vontade divina”,  “entregar para Deus” passam a ter outro significado pois cada homo sapiens assume seu papel e responsabilidade, como  portador de uma consciência e energia divinas.

 

 

 

 

 

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Na pandemia há mais motivos para agradecer pela vida.


Maurício Andrés Ribeiro

Depois de meses de isolamento, quarentena e pandemia, é preciso agradecer ao fato de  estar vivo e da doença não ter tido resultados piores do que mostrou até o momento . Obrigado, muchas gracias, thank you, arigatô, grazie mille, merci beaucoup, danke schon. Em várias línguas se manifesta a gratidão. Thanksgiving, dar graças a Deus pela vida.

A população crescente de idosos no mundo e no Brasil tem bons motivos para agradecer. Há poucas décadas a idade média das pessoas era muito mais baixa e muitos não chegavam a ser idosos.

Como retribuição e sinal de gratidão pela vida, os idosos tem muito a dar. Nas famílias,  podem contribuir para a saúde e a educação das gerações mais novas, seus filhos, netos e bisnetos. Podem transmitir conhecimentos que acumularam com sua experiência.

Do mesmo modo, na interação com os mais jovens, podem aprender com eles sobre novos conceitos e ideias que circulam num mundo cada vez mais consciente dos temas ecológicos e climáticos. Os jovens se tornaram educadores dos mais velhos.

Aqueles idosos que ainda trabalham podem dedicar-se a atividades que contribuam para reduzir a pegada ecológica e reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Aqueles que deixaram de trabalhar dispõem de tempo livre que podem dedicar a atividades voluntarias para as quais tenham gosto e aptidão e que reduzam os impactos sobre o ambiente.

Nesse abundante tempo livre podem também educar-se, considerando que a educação continuada vai até o final da vida, e tornar-se menos eco alienados e ecologicamente mais conscientes.

A idade avançada é um período propício para fazer um balanço do que foi sua vida, dos impactos ambientais que causou, e para aprimorar atitudes e comportamentos que os tornarem menos impactantes.

As cidades atuais oferecem  facilidades para idosos, com estacionamento preferencial. Eles podem circular no transporte coletivo e no metrô gratuitamente e podem se deslocar com baixo custo pelas cidades, fora do período de isolamento da pandemia.

As cidades oferecem múltiplas oportunidades de programação cultural gratuita ou de baixo custo, que podem atrair os idosos para se capacitarem.  A vida ao ar livre e nos espaços abertos, as caminhadas, podem contribuir para a boa manutenção da saúde, para novas relações sociais e para tomar conhecimento do espaço em que vivem.

O viajismo e o turismo geriátrico também trazem benefício para a saúde dos idosos, mas por outro lado têm um impacto ambiental pesado, ao emitirem gases de efeito estufa. Evitar o consumismo na forma de viagens é um tipo de contribuição que os idosos podem dar à saúde do planeta.

A vida contemplativa é por natureza menos impactante ambientalmente do que a vida ativa. Aprender a contemplar, a meditar, a ter autoconhecimento ampliado faz bem à saúde individual e ambiental.

Vários problemas de saúde dos idosos resultam de hábitos adquiridos muito tempo antes, durante sua infância, a adolescência e maturidade. Assim, por exemplo, posturas corporais incorretas quando jovem podem resultar em problemas na velhice. A reeducação postural global pode ser exercitada e também ensinada aos mais jovens, hoje em dia sujeitos a novos problemas devido ao uso de computadores, celulares etc com posturas corporais inadequadas. Hábitos alimentares também podem contribuir para a manutenção da saúde e a educação alimentar desde jovens pode reduzir a pressão sobre os serviços de assistência à saúde. A respiração consciente é um hábito saudável desde a infância e que pode trazer benefício à saúde dos mais idosos.

Há idosos sábios, conscientes, que aprenderam com a vida e que dispõem de ensinamentos valiosos a transmitirem  para as gerações mais jovens. Entretanto, há aqueles idosos que se tornaram doentes física, emocional e mentalmente e que necessitam de cuidados e de reaprendizado, para que possam continuar a prestar algum serviço à comunidade e dar sentido a   suas vidas nesse período final.

O envelhecimento da população e o crescimento de sua idade média pode significar, coletivamente, um amadurecimento da sociedade no sentido de tornar-se ecologicamente mais consciente e deixar para trás a fase juvenil associada ao consumismo e a hábitos ecologicamente pouco amigáveis. Um dia de ação de graças vegano pode estar no horizonte, e os perus vão também agradecer.

 

segunda-feira, 23 de novembro de 2020

Um virus que pode levar a mais justiça social por meio da coimunização

Maurício Andrés Ribeiro

 


É por meio das redes de relações sociais que se espalham os vírus numa pandemia.

Ainda que na sociedade existam grupos relativamente segregados, sempre acontecem relações entre eles. Nas relações de trabalho e na prestação de serviços acontecem muitas interações entre pessoas de distintas classes sociais. Existe separação social entre ricos e pobres,  mas não existe  separação biológica. Numa pandemia, o vírus não conhece fronteiras sociais, observa o físico teórico Fritjof Capra. As condições de sua moradia, do saneamento, do ambiente em que vive  o protegem ou colocam em risco. E ao colocá-lo em risco, coloca em perigo também a saúde dos empregadores.  Durante uma pandemia a boa saúde de um prestador de serviço doméstico ou de um trabalhador interessa diretamente ao seu patrão. Nesse sentido a pandemia as questões de justiça social deixaram de  ser apenas discussões ideológicas, mas passaram a ser questões de vida ou morte.  

Se  a  insensibilidade tende a deixar os mais vulneráveis entregues à sua própria sorte, isso passa a representar um risco para os que são menos vulneráveis. A pandemia evidenciou a necessidade de um contrato social entre pobres e ricos que beneficie ambas as partes, pois suas sobrevivências e destinos estão interconectados. Caso todos não se encontrem imunes, isso significa um risco para todos. Assim, passa a ser de interesse de todos que cada um esteja protegido.

Na Índia, um  pais  com grandes desigualdades sociais, a pandemia acelerou a consciência sobre a importância da fraternidade, "o senso de que todos sejam governados pelas mesmas regras mutuamente benéficas" e de que os pobres são seres humanos que precisam de casas bem ventiladas e decentes. Viram-se ali expressões de egoísmo e de solidariedade. Entendeu-se que a médio prazo a fraternidade traz menores prejuízos para todos e não apenas para aqueles que  se beneficiam diretamente dessa atitude.

No Brasil, o isolamento físico e as quarentenas levaram a atitudes de proteção mútua.  Um exemplo comum nas cidades brasileiras: uma família contrata os serviços de uma empregada doméstica que mora numa periferia e que diariamente se deslocava no transporte público  para trabalhar no bairro de classe média ou alta, gastando muito tempo de ida e  de volta no deslocamento diário. Com a pandemia muitos pactos de trabalho com os empregadores se alteraram. A empregada passou a ir de casa para o trabalho usando o transporte solidário e evitando o transporte público. Ao invés de ir e vir a cada dia útil da semana,  concentrou o seu trabalho em três dias corridos, pernoitando na casa dos empregadores. Liberou-se do trabalho alguns dias da semana e evitou se expor à contaminação pelo vírus. Para ela, houve um ganho no seu tempo livre, houve menores riscos. Para seu empregador, houve uma redução do perigo de se expor ao vírus. Houve uma adaptação ganha-ganha estimulada pela pandemia, que não aconteceria em tempos normais.  Aos seus empregadores passou a interessar que no ambiente onde vivem as empregadas domésticas também não exista a propagação da doença.  Esse é um exemplo micro específico de como se pode construir a coimunidade por meio de atitudes de solidariedade e fraternidade e prudência que atendem aos interesses de ambas as partes  envolvidas.

Um dos conceitos mais fecundos que surgiram durante a pandemia foi o da coimunidade proposto pelo filósofo Peter Sloterdijk. A coimunidade significa obter uma imunidade geral a partir do compromisso de cada individuo voltado para a proteção mutua. Peter Sloterdijk  afirma que tudo está em mudança e que estamos aprendendo uma nova gramática  de comportamento que demanda grande dose de atitudes positivas de solidariedade, fraternidade, prudência e responsabilidade. Isso poderá levar a mais investimentos em moradia, saneamento, saúde pública reduzindo as  desigualdades sociais e alcançando ao mesmo  tempo a coimunização benéfica para todos.

 

 

 

 

 

 

 

 

domingo, 22 de novembro de 2020

A pirâmide das necessidades e os centros energéticos do corpo

Maurício Andrés Ribeiro

 Nas quarentenas e no isolamento físico durante a pandemia milhões de pessoas  perderam sua fonte de renda. Precisaram ser socorridas com auxílio emergencial dado pelos  governos para suprir suas necessidades.

 As diferentes necessidades humanas foram representadas pelo psicólogo norte americano Abraham Maslow. Na base da pirâmide de Maslow estão as necessidades fisiológicas e de segurança ligadas ao ter; em seguida, estão as necessidades intrínsecas de prestígio, respeito, aceitação social e de ser amado, que se traduzem em recompensas externas, sociais, ligadas ao ser. No ápice da pirâmide estão as necessidades de auto realização,  voltadas para a transcendência.

Uma representação similar é encontrada nos centros energéticos no corpo humano, ou chacras, o sistema concebido pelos antigos sábios da Índia.  Nos vários centros de energia ou chacras no corpo físico se representam as necessidades humanas. Os três primeiros são os chacras da segurança, da sensualidade e do poder. O quarto centro energético refere-se ao amor e a suas formas altruístas; o quinto refere-se à inspiração poética e à criatividade; o sexto integra o conhecimento intelectual, intuitivo e extra-sensorial; o sétimo centro energético faz referência ao estado transpessoal, de êxtase ou de consciência cósmica.

 











Figura - A pirâmide de Maslow  e o sistema de chacras se correspondem.

 
É forte o anseio por segurança econômica e física num mundo caótico e desordenado onde se busca proteção em salvadores. Quem provê um nível básico de segurança econômica, física e psicológica obtém apoio.

 Diante das incertezas e das mortes, busca-se religar com algo maior, imaterial e intangível. As visões que valorizam apenas a matéria não alcançam isso e vem sendo rejeitadas em favor de propostas que incorporem valores mais abrangentes.  O ser humano é mais do que um corpo físico com energia vital movido por interesses de bem estar material. Atender às  necessidades básicas de sobrevivência e de segurança  (correspondentes ao chacra mais básico do corpo) não é suficiente.  O ser humano anseia por mais do que apenas bens materiais, o que é chamado  de autorrealização, a necessidade no topo da pirâmide de Maslow e de consciência cósmica, o centro energético mais alto no sistema dos chacras.

Percebendo  essa necessidade e utilizando o nome de Deus  como ferramenta de persuasão, políticos obtiveram sucesso eleitoral e líderes religiosos montaram impérios economicamente poderosos, os spiritual businesses, como são chamados na Índia. Quando alguém demanda para sua segurança psicológica ter muito mais do que aquilo que necessita para sua subsistência básica, torna-se ganancioso. Ao invés de subir na escala dos chacras, a pessoa estaciona num deles e ali passa a acumular mais bens e poder. Eles não são necessários fisicamente, mas atendem a uma carência emocional e mental.  Mover-se do estágio  em que estacionou e ascender para outro centro energético demanda autoconhecimento.  Práticas de ioga e meditação foram desenvolvidas há milênios e hoje são ferramentas valiosas nesse processo de evolução humana. A espiritualidade indiana é enraizada na matéria.

 

sábado, 21 de novembro de 2020

Restauração de ecossistemas na pandemia

Maurício Andrés Ribeiro


No início de 2020 a pandemia provocou em todo o mundo a adoção de quarentenas e lockdowns, com redução drástica das atividades humanas. O vírus impôs, de fora para dentro, uma mudança de hábitos cotidianos que reduziu as  poluições e emissões de gases de efeito estufa.

Nas primeiras  semanas  das quarentenas reduziu-se a poluição do ar, reapareceram paisagens que antes ficavam encobertas pela poeira, como os Himalaias;  na Turquia foram redescobertos bens arqueológicos subaquáticos nas águas mais limpas; tartarugas e peixes voltaram a rios e baias. Reduziu-se a poluição das águas, como as do rio Yamuna na Índia. Esses resultados ambientais aconteceram rapidamente. Todos perceberam que  o intenso ritmo de atividades  humanas  causa impactos negativos e adoece a natureza. A parcial hibernação provocada pela pandemia trouxe vários ganhos para o ambiente natural e social.

Tanto a saúde humana como a economia e as atividades que  exerce foram  profundamente afetadas por um vírus minúsculo que escapou do  ambiente silvestre e se multiplicou  entre os humanos. A pandemia explicitou que o ser humano não se descolou da natureza. O coronavirus mostra que não é assim.  O que acontecer com ela repercute sobre os humanos. A pandemia ajudou a compreender a unidade humana com os seres vivos, superando a fantasia da separatividade e o dualismo que opõe natureza e cultura. Mas persiste o equívoco de considerar que somos animais que escapamos da natureza na forma de uma crença ideológica antropocêntrica  com  consequências  perigosas que está na raiz de muitos problemas. Essa visão pré-ecológica é cega para a destruição ambiental que está na origem de muitas pandemias.

Ambientalistas denunciaram o déficit de consciência ecológica dos governantes e das  populações, a arrogância,  a avareza,  a ganância e o egoísmo  como atitudes  que estão na  origem  de ações que agravam a injustiça  social,  a devastação ambiental e o risco de surgirem novas pandemias.

A pandemia realçou a importância de manter o cuidado com o meio ambiente. Em vários  países se fortaleceram iniciativas para a restauração ambiental. Na quarentena no Paquistão, procurou-se  gerar empregos com o plantio de milhões de árvores, com benefício econômico, social e ambiental ao mesmo tempo. Os alertas de cientistas relacionaram a pandemia com a destruição florestal  e a relação pouco saudável com os animais. A Nova Zelândia  reconheceu os animais como seres sencientes.

 Retirar-se de ambientes ocupados e desmatados  e deixar que se regenerem naturalmente ou por meio de restauração humana é atitude prudente e sábia para prevenir futuras pandemias. James Lovelock, o cientista que criou a teoria de Gaia,  escrevera que não precisamos mais de desenvolvimento sustentável; precisamos de uma retirada sustentável. Precisamos exercer a arte de sair de cena.

Retirar-se de cena é meio caminho andado para promover a restauração  ambiental. Quando se dá um impulso inicial, a natureza trabalha a favor de sua própria regeneração.

Restaurar é corrigir algo, depois que foi danificado ou degradado, proporcionando uma forma que se aproxime do original ou que permita o mesmo desempenho das mesmas funções que tinha antes de ser danificado.

A regeneração  pode ser natural quando  se deixa um ambiente ou paisagem sem uso ( o que ocorreu por exemplo em Chernobyl depois do desastre atômico, ou o que acontece na fronteira entre as duas Coreias, faixa não usada onde a natureza se regenerou. A Restauração pode se fazer a partir de um incentivo ou impulso humano deliberado. Projeto de restauração florestal no Rio de Janeiro em algumas décadas, com persistência, mostra bons resultados.

A proteção das florestas pode ser um modo eficaz de evitar o surgimento de novas epidemias danosas para a vida humana. O investimento nesse tipo de projeto gera empregos, recompõe a natureza ferida, melhora a qualidade do ambiente e o bem estar das pessoas. O Japão é um país que tem longa experiência de recomposição florestal  noa Alpes japoneses anteriormente degradados e de restauração da natureza.

O ONU designou os anos de 2021 a 2030 como a década da restauração dos ecossistemas, chamando a atenção para esse tipo de ação prioritária e necessária.

 

 

sexta-feira, 20 de novembro de 2020

Impactos da pandemia na micro e na mega história

Maurício Andrés Ribeiro


A história humana na espiral da evolução da história natural

Em meio à neblina da pandemia é imprevisível o que está à frente. Prevalece a sensação de que atravessamos uma zona de turbulência na  mega história natural e na história humana, nas micro histórias  pessoais e nas histórias das nações.

 Esperar que tudo volte ao normal ou torcer para que isso aconteça não parece ser realizável. Voltar ao normal, não! escreve George Monbiot, mostrando os custos  da volta a uma normalidade que expolia o planeta.  Melhor  é  seguir em frente e mergulhar no desconhecido. As histórias pessoais e familiares de cada um  de nós estão sendo reescritas. Planos foram alterados,  opções de vida foram repensadas, valores e atitudes foram  revistos. Mudanças de ritmo na vida coletiva e na vida pessoal induzida pela pandemia pode alterar o rumo da evolução caso seja duradoura e caso a inércia do modo antigo não  force um retorno à normose anterior.

Várias análises focalizaram as mudanças na escala dos estados-nação. A pandemia acelerou a história e tornará o mundo diferente do que foi, com menor presença norte-americana, mais desordem e mais desafios globais, menos dependência da China e da Índia para as cadeias de suprimento de equipamentos de saúde e medicamentos, por meio de produções em muitos outros países, bem como maior resistência a imigrantes, possíveis portadores de vírus perigosos. Neil Howe periodizou os ciclos da história e identificou uma grande crise no Estados Unidos a cada quatro  gerações, o que coincide com a pandemia de 2020.

Outras análises foram mais longe e abordaram como a pandemia acelerou o aprendizado humano e com isso impulsionou transformações no mundo e no rumo da evolução. Como um evento extremo e que tem seu lado trágico, acelerou mudanças na história,  relembraram  escritores. Bruno Latour escreveu que o vírus teve a capacidade de mudar o mundo  rapidamente, como uma guerra, e que havendo visão, vontade política e ações aplicando os instrumentos corretos,  essas transformações podem continuar. 

Historiador que em seus livros conectou a história natural e a história humana, Yuval Harari  constatou que para lidar com a pandemia  o maior perigo é o ódio, a ganância e a ignorância.

A antropóloga e historiadora Lilia Schwarcz opinou que a pandemia vai alterar  a história   e que tudo vai ser reinterpretado, em novas narrativas. Spike Lee  dividiu a história em aC/dC- antes e depois do coronavirus - e propôs apertar o botão de reiniciar e fazer um reset.

O evento do Covid-19 é pequeno diante da magnitude da ruptura trazida pelas mudanças do clima e pela dinâmica planetária nesse estágio terminal da era cenozoica. Em transição para nova etapa, a humanidade entrou numa mega crise da evolução. Vários pensadores propuseram nomes para ela: era ecozoica, tecnozoica, eremozoica, psicozóica etc. Sugiro que pode ser a era da consciência - a era  noológica. Para sobreviver nessa nova etapa, a espécie humana precisa se reinventar, especialmente no campo da consciência: das ciências, das artes, das filosofias e cosmovisões,  do autoconhecimento, da educação, da aprendizagem, da espiritualidade e das práticas de vida frugais.

A pandemia criou oportunidade para refletir sobre o que já fez sentido, sobre o que não faz mais sentido e sobre o que pode dar um propósito claro à vida  humana individual e coletiva. Foi uma oportunidade para a recriação e a autotransformação que ainda não se sabe se será ou não bem aproveitada.

O tempo dirá.

 

A pandemia mostrou quais são as atividades essenciais

 Maurício Andrés Ribeiro

Os recicladores de resíduos  prestam   um serviço essencial à sociedade e ao ambiente.


Nesta pandemia houve serviços essenciais que não pararam.

Os profissionais da saúde – médicos, enfermeiras, auxiliares, laboratoristas, atendentes de hospitais e postos de saúde – prestaram um serviço abnegado ao salvarem vidas, sacrificando suas convivências familiares. Vários deles se colocaram em risco e perderam a vida nessa missão.

A pandemia evidenciou a importância dos cientistas para lhe dar respostas. Especialistas em imunologia, virologia, infectologia, pneumologia, epidemiologia, genética, colocaram seu conhecimento a serviço do ritmo de abertura  e isolamento nas quarentenas. Cientistas e pesquisadores em todo o mundo tentaram encontrar uma vacina como resposta à doença.

Caminhoneiros transportaram alimentos e outras cargas para abastecer as cidades.  Motoristas de ônibus, taxistas e motoboys transportaram pessoas  e entregaram encomendas. Trabalhadores em postos de combustíveis abasteceram os veículos. Trabalhadores em farmácias e em supermercados mantiveram em funcionamento esse comércio essencial. Lixeiros cuidaram da limpeza urbana. Comunicadores e jornalistas trabalharam para manter a sociedade bem informada sobre a evolução da doença. Servidores dos  serviços de água e energia operaram essa infraestrutura.

Multiplicou-se a demanda de serviços digitais do teletrabalho, a teleducação, a tele cultura, que os trabalhadores das tecnologias da informação precisaram atender. Professores deram aulas on line  para estudantes em suas casas. Mestres de música, de ginástica e yoga colaboraram para a saúde física e mental de seus alunos.  Produtores culturais abasteceram os espaços e tempos virtuais com bons, belos e verazes programas,  webinars, aulas, debates, mostras e exposições.

Artistas colocaram sua criatividade a serviço da população em lives e apresentações digitais, colaborando para reduzir o estresse mental e emocional das pessoas. Eles aprenderam  novos modos de se comunicar com o público nas redes.

Líderes comunitários e empresários doaram tempo e recursos voluntariamente, em manifestações de autoajuda e solidariedade.

A pandemia evidenciou que há atores que desempenham papéis vitais e essenciais na sociedade e que merecem ser valorizados e ter o justo reconhecimento.

Muitos deles - médicos, enfermeiros, entregadores e outros profissionais essenciais sofreram com falta de  recursos. Como remunerá-los com maior justiça? Quanto aos artistas, devem ser sustentados com mecenato do estado ou de empresas familiares, contatos e redes de conhecidos, crowdfunding?

Outras atividades se mostraram obsoletas, desnecessárias. Geram despesas vultosas em ações supérfluas ou que beneficiam apenas pequenos grupos ou corporações.  Os recursos que consomem  poderiam ser redirecionados para aqueles atores que desempenham papéis essenciais e prioritários  para o bem estar social e ambiental. A sociedade faria bem em tirar dos supérfluos para dar aos essenciais.

quinta-feira, 19 de novembro de 2020

Alerta diante dos riscos à segurança na pandemia

 Maurício Andrés Ribeiro

 


A pandemia foi como um terremoto que sacudiu a humanidade. Num terremoto, placas tectônicas subterrâneas submetidas a estresse subitamente se movem e provocam uma readaptação. Nesse movimento, provocam impactos na superfície, tsunamis ou ondas gigantes, destruição de cidades e construções, mortes e sofrimento.   A pandemia surgiu repentinamente e se alastrou, com consequências que foram comparadas a uma guerra. Ela acelerou a consciência sobre os perigos  que ameaçam a sociedade e os indivíduos.

No mundo atual acontece uma sucessão de desastres: num dia ocorre um ataque terrorista, em outro dia um furacão ou um acidente ambiental, noutro dia uma pandemia. Incertezas  crescentes e fatos inesperados perturbam as rotinas.

Vivemos na sociedade do risco, escreveu o sociólogo Ulrich Beck. Os riscos estão crescentemente associados a causas globais que inicialmente são invisíveis. A percepção do dia a dia é insuficiente para identificá-los. Por virem de dimensões pouco perceptíveis aos sentidos humanos (vírus, radiações atômicas) depende-se cada vez mais de ciência (matemática, química, física, biologia) e tecnologia (microscópios, radiômetros etc) para detectar tais ameaças. A vida prática real torna-se cega e incapaz de gerar as defesas necessárias diante deles. É necessário conhecimento técnico especializado para compreender o mundo e saber como lidar com ele.

Para proteger a população dos vírus os epidemiologistas, infectologistas, patologistas, imunologistas e profissionais da saúde foram convocados por governos. Eles detêm conhecimento especializado  para lidar com as situações, reduzir os danos à vida e orientar sobre as medidas de controle para evitar sua propagação. Revalorizou-se o conhecimento prático, como lavar as mãos e colocar máscaras. Medidas de isolamento físico e de higiene foram adotadas, aceleraram-se pesquisas e estudos para compreender a doença e para produzir vacinas.

A pandemia acelerou a reflexão sobre a ciência, os limites do conhecimento científico, as   certezas e as incertezas.

A ciência e os cientistas se alimentam das controvérsias e de aproximações sucessivas à verdade. Isso alimenta insegurança nas mentes das pessoas, que recorrem a lideranças que aparentemente lhes fornecem proteção e desacreditam da  ciência.

Em vários países os cuidados praticados no início da pandemia foram relaxados, com maior aglomeração e saída às ruas: "O vírus destruiu o significado antigo de segurança." O comportamento temerário facilita a circulação do vírus e prolonga a duração da doença em ondas sucessivas.

A vulnerabilidade e a exposição a riscos se distribuem desigualmente na sociedade,  prejudicando os menos capazes de se protegerem. Numa metrópole, pessoas nas periferias tem poucas condições de fazer quarentena e  isolamento físico, por necessidade de trabalhar e ganhar o pão de cada dia ou por falta de espaço.

A segurança foi  reconceituada e a biossegurança tornou-se um tema central, juntamente com as questões  de segurança ecológica, segurança climática, segurança hídrica, segurança alimentar, que estão na origem e na raiz de outras formas de insegurança pública, econômica, social, política.

 

Reconhecer o perigo é um primeiro passo para prevenir outras pandemias. A percepção do risco  desperta energias para enfrentá-lo. O aprendizado com a pandemia de 2020 pode deixar lições valiosas para se lidar com outras emergências e acender um sinal de alerta para se ficar atento em relação a outras ameaças à segurança  que emergem no horizonte.