terça-feira, 31 de janeiro de 2023

A CIÊNCIA E O QUARTO ESTADO DA ÁGUA

Maurício Andrés Ribeiro




O avanço do conhecimento científico expande a compreensão do universo e dos riscos a que estamos sujeitos. A ciência ajuda a compreender de modo integral o ciclo da água e  expande a hidroconsciência. A física e a química, a hidrologia, a oceanografia, a climatologia, a hidrogeologia, são ciências naturais que   a estudam. As ciências da saúde e biológicas focalizam a sua presença na biosfera e no ser humano. As ciências humanas e sociais a abordam pelo ângulo das suas relações com as sociedades e indivíduos. As ciências ecológicas são permeadas pela água. Desses e de outros campos do conhecimento científico derivam aplicações práticas, múltiplas e variadas.

Campos emergentes da pesquisa estudam a informação transportada pela água, as fronteiras do seu uso na saúde, a dinamização e procedimentos na homeopatia, as ultradiluições de substâncias biologicamente ativas e seus efeitos nos sistemas vivos, a nanoestrutura e a sua microestrutura molecular.

O Professor Gerald Pollack, da Universidade de Washington em Seattle escreveu o livro "A quarta fase da água".  Ali ele propõe que a água tem uma quarta fase, , além das fases sólida, líquida e gasosa   tradicionalmente reconhecidas. A quarta fase da água é intermediária entre o sólido e o líquido, como uma espécie de gelatina, coloidal, semelhante à clara do ovo, na qual as moléculas de água se organizam de forma coletiva. Ela  se apresenta como H3O2. 

Ele diz que há 75 anomalias no comportamento da água que precisam  de outras explicações e que o quarto estado ou fase da água seria um caminho para explicar tais anomalias. Ele considera que é crítico entender a quarta fase da água para entender a natureza e a vida.

 As pesquisas científicas sobre a sua microestrutura dinâmica podem ser aplicadas em vários campos, como a agricultura, a medicina homeopática, a produção de energia limpa. As aplicações práticas associadas com a quarta fase da água vão desde a geração de energia (a água é um repositório de energia, absorve energia que vem da luz); a obtenção de água potável, a dessalinização de água do mar, a despoluição e descontaminação das águas.

Cientistas e técnicos alertam, a partir do seu conhecimento especializado, sobre temas que escapam à percepção direta, como os riscos à saúde humana e das águas, das  emergências climáticas, da contaminação de águas subterrâneas, dos resíduos radioativos. Entretanto, quando tais alertas não estão formulados em linguagem comunicativa e estão desacompanhados de soluções para os problemas, eles tendem a saturar e criar uma insensibilidade, como defesa psicológica e a serem negados ou ignorados, para que não se constituam numa camada adicional de preocupações.

A consciência da crise hídrica é divulgada por estudos científicos; os relatórios do IPCC – Painel intergovernamental de cientistas sobre a crise do clima – apontam-na como elemento chave nas estratégias de adaptação. 

A vulgarização do conhecimento científico é feita por cientistas com linguagem inteligível para o grande público. Um dos mais conhecidos foi o astrônomo Carl Sagan; no Brasil, Antonio Donato Nobre e os rios voadores; Altair Sales Barbosa em seus estudos sobre o cerrado.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

COMENTÁRIOS SOBRE A LEI BRASILEIRA DE RECURSOS HÍDRICOS

 Maurício Andrés Ribeiro

 A lei brasileira de recursos hídricos,  n.9.433 de 8 de janeiro de 1997, completou 25 anos em 2022.

Ela tem grande méritos. Adotou o espírito da democracia participativa. Deu voz e poder de decisão a representantes de usuários, governos, organizações civis de recursos hídricos e comunidades. Definiu um sistema de gerenciamento de recursos hídricos do qual participam conselhos de recursos hídricos,  comitês de bacia  e as agências, que são os motores executivos para impulsionar o sistema.

 

Ela dispôs que os planos de recursos hídricos devem identificar potenciais conflitos pelo uso. Conferiu ao sistema de gerenciamento de recursos hídricos a missão de arbitrar administrativamente tais conflitos: em primeira instância, isso cabe aos comitês de bacia e em última instância ao Conselho Nacional de Recursos hídricos - CNRH.

Nessas décadas de vigência da lei houve avanços na gestão das águas no Brasil. Muitos conflitos foram evitados, muito conhecimento foi produzido, multiplicaram-se as pessoas capacitadas para gerenciar os recursos hídricos. Implantaram-se conselhos e comitês; criaram-se órgãos gestores e agências reguladoras; aplicaram-se instrumentos de gestão; tornou-se prioritária a busca por segurança hídrica.

Entretanto a lei tem  algumas limitações.

Historicamente, desde o Código de Águas de 1934, o tema era da alçada do setor elétrico, devido à importância da hidroeletricidade na matriz energética brasileira. A lei brasileira foi concebida num momento em que o usuário dominante era o setor elétrico. Na origem conceitual e no DNA da lei  9.433 há forte influência do setor elétrico. Um Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica – DNAEE era responsável por cuidar do tema. A lei traz naturalmente a influência do pensamento e das práticas desse usuário, a geração de hidroeletricidade. Para esse uso o grande segmento de interesse é o curso médio dos rios onde há volume e quedas com potencial para gerar energia. Os cursos superiores e as nascentes em geral têm pouca água e as zonas costeiras e estuarinas tampouco são priorizadas, pois nelas há poucas diferenças de altitudes para  gerar energia. As subterrâneas não são aproveitáveis para gerar energia e foram colocadas sob o domínio dos estados. A questão da qualidade é secundária para a geração de energia. Assim, a lei privilegiou aspectos ligados às águas utilizáveis na geração de energia.

No Brasil, a Lei nº 9.433 explicita duas vezes que a água é um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, mas não explicita em nenhum momento que ela tenha valor ecológico. Aqui há um contraste com a legislação europeia. Aprovadas em anos próximos, as leis  no Brasil e na Europa  são bastantes diferentes em suas concepções. Aprovada em 1997, a lei enfatizava  o valor econômico da agua e seus aspectos utilitários como recursos hídricos.

Na Europa, a diretiva quadro das águas foi aprovada no ano 2000 e enfatizava a meta de alcançar o bom estado ecológico das aguas e a sua importância como patrimônio a ser protegido.

 
A lei brasileira tinha um viés utilitarista, considerava a agua como um objeto, um insumo da produção econômica, um recurso hídrico ao qual se podia recorrer para atender a necessidades essenciais ou a demandas supérfluas da sociedade. As outorgas ou autorizações para uso das águas visavam repartir esse recurso, crescentemente disputado para a produção agrícola, o abastecimento humano, a geração de energia, o transporte hidroviário, a indústria etc.

A lei menciona 174 vezes a palavra recurso. Entretanto a legislação brasileira em nenhum dispositivo define o que são os recursos hídricos.  Todo recurso hídrico é agua, mas nem toda água é recurso hídrico. Por isso, a lei 9.433 pode ser chamada de lei de recursos hídricos, mas não de lei das águas. Ela a concebeu como um recurso a ser utilizado e não como patrimônio de valor ecológico a ser, também, cuidado e protegido. A lei não menciona uma única vez a palavra patrimônio, uma riqueza a ser cuidada e preservada.

Recursos hídricos se referem basicamente àquela porção das  aguas aproveitável como insumo para a economia: as águas doces superficiais e subterrâneas. Não são consideradas como recursos hídricos as águas dentro dos seres vivos (biosfera), nas nuvens (atmosfera) no interior quente da terra (pirosfera) no espaço sideral (cosmosfera). Todos os recursos hídricos são água, mas nem toda água é um recurso hídrico.

Assim, a lei brasileira  pode ser caracterizada como uma lei da política nacional de recursos hídricos, mas não como uma lei  das águas. Para tornar-se efetivamente uma lei das águas, sua concepção precisaria ser ampliada para abranger as demais formas de presença da água nos oceanos e mares, nas nuvens, nos corpos vivos etc.

A visão utilitarista que está na sua origem ou DNA tem repercussões em toda a política e na gestão que  se faz baseada no texto legal.  Quando se deseja proteger um curso d’água como patrimônio é necessário recorrer a outras legislações, tais como os planos diretores, na lei  urbanística, e o tombamento, na legislação relativa ao patrimônio cultural. Caso venha a se ecologizar a legislação brasileira de recursos hídricos, alterar o seu DNA e sua concepção ela poderá,  à maneira da diretiva quadro das águas europeia, valorizar seus aspectos ecológicos e de proteção do patrimônio.

 

 

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Rumo ao homo oecologicus

 


Maurício Andrés Ribeiro

A perspectiva humanista, característica da modernidade, coloca no centro a espécie humana, seus direitos, demandas e desejos.  A visão humanista reflete a perspectiva do ser humano como o ápice da evolução.

Algumas tradições religiosas colocam o ser humano como o coroamento da criação, com mandato para dominá-la. O historiador da cultura Thomas Berry apontou as deficiências dessa cosmovisão: “Tanto nossas tradições religiosas como humanistas são primordialmente comprometidas com uma exaltação antropocêntrica do humano.”  

A perspectiva humanista tem sido crescentemente questionada, diante da constatação de que nossa espécie se tornou um grande fator de pressão sobre a natureza e da devastação, ao dizimar habitats, provocar a extinção de espécies e mudar o clima.

James Lovelock, autor da teoria de Gaia, é crítico da visão humanista, que teria levado a sobre explorar o planeta e a precipitar a atual crise hídrica, ecológica e climática. Ele considera que “A humanidade, totalmente despreparada por suas tradições humanistas, enfrenta seu maior teste”. Ele propõe que se priorize o bem-estar e a saúde do planeta, Gaia, tendo em vista que sua existência saudável é precondição para a vida humana e para todas as outras espécies.

A ecologia profunda, que tem uma abordagem distinta do ambientalismo superficial, também rejeita o humanismo. Atribui os problemas ambientais ao antropocentrismo, que procura preservar recursos para o uso pelo homem e não pelo valor intrínseco da natureza.

As respostas para a crise ecológica atual devem estar à altura das dimensões épicas das transformações pelas quais passa o planeta. Isso inclui uma mudança de perspectiva semelhante àquela adotada por Copérnico, que demonstrou que o sol, e não a Terra era o centro do sistema. Galileu sofreu por demonstrar essa realidade. Somos mais periféricos do que eles imaginavam, pois o sol é apenas uma estrela de quinta grandeza situada na periferia de uma das milhões de galáxias no universo.

Cabe à educação transcender a perspectiva humanista e adotar princípios e conteúdo que facilitem a transição para a era da evolução consciente do planeta. Thomas Berry propõe um papel para a educação: “O objetivo da educação não é treinar pessoal para explorar a Terra, mas apoiar os estudantes numa relação íntima com a Terra e estabelecer um caminho mais viável para o futuro.”

Para superar a atual crise  hídrica e da evolução cabe uma perspectiva pós-antropocêntrica. Nela, o ser humano ecologizado e hidroconsciente deixa de ser uma presença devastadora, para tornar-se uma presença benigna diante do mundo natural.  Ele pode tornar-se um cogestor consciente da evolução da Terra e de sua própria evolução. 

Migrar de um ângulo de visão antropocêntrico e humanista para uma perspectiva Gaiacêntrica, que coloca como ponto de partida a saúde do planeta,  demanda humildade e desprendimento. O Homo sapiens não é o fim da evolução, mas é um ser em transição, como definiu Sri Aurobindo. Esse ser poderá ser sucedido por um ser trans-humano, pós-humano ou, numa perspectiva ecológica, eco-humano: o homo ecologicus.

Abolição de usos da água

Maurício Andrés Ribeiro 

No passado, quando a sociedade aceitava a escravidão, era necessário produzir os instrumentos e  equipamentos para subjugar os escravos: gargalheiras, troncos, chibatas, correntes, algemas, pelourinhos. Cada um desses objetos demandava uma quantidade de água para ser produzido.

No passado, quando se aceitava a tortura, era necessário produzir instrumentos para essa finalidade, como as forquilhas, parafusos, chicotes, garrotes etc e aplicar as práticas  como os afogamentos.  Era necessário usar água para produzir tais instrumentos ou  práticas. Quando a tortura deixou de ser socialmente aceitável,  deixou de ser necessário usar água para essas finalidades. Abolir a tortura e a escravidão aboliu também a demanda por uma parte da água que era então consumida.

Na medida em que as sociedades evoluem, mudam as demandas e as necessidades  de uso da água. Alguns usos são abolidos junto com as práticas que os demandavam, outros caem em desuso.

Ao longo do tempo surgem, por outro lado, novas demandas de uso da água. Atualmente há outras atividades humanas, como as guerras, que demandam grande quantidade de água para  a fabricação de tanques, aviões e navios de guerra, submarinos, armamentos de todo tipo. Enorme quantidade de água é demandada para produzir tais objetos bélicos. Caso as guerras fossem abolidas, deixaria de ser necessário o uso de grandes quantidades de água, que poderiam ser liberadas para outras utilizações ou para a proteção e conservação.

Do mesmo modo, caso se mudassem as dietas alimentares, de hábitos carnivoristas para outros mais vegetarianos, veganos, grandes quantidades de água deixariam de ser necessárias para  irrigação, uso em frigoríficos, matadouros, lavagens de resíduos etc e poderiam ser liberadas para finalidades social e ambientalmente menos impactantes.

O consumismo, o viajismo, o belicismo, o carnivorismo estão presentes na sociedade contemporânea e merecem uma abordagem crítica para que sejam reduzidos ou abolidos, do mesmo modo como no passado a escravidão e a tortura foram questionadas e abolidas depois de lutas e embates.

Hoje a sociedade se encontra diante de situações em que é necessário usar a água de modo responsável, parcimonioso, frugal, austero. É necessário não a desperdiçar em usos que não sejam os socialmente prioritários. Uma sociedade que se dispusesse a rumar para uma melhor qualidade de vida para todos deveria escolher que atividades, bens e serviços deve proporcionar e usar a água prioritariamente para tais finalidades. 
Trata-se de escolhas, definições e diretrizes que as sociedades precisam tomar e que repercutem direta ou indiretamente sobre as demandas por água.

No contexto da mudança do clima e da crise ecológica e hídrica, está na hora de levantar tais questões e colocá-las para a reflexão e o debate social, ético, econômico e político. Uma vez feitas tais escolhas ou definições, os gestores das águas teriam um balizamento mais claro sobre como aplicar a cobrança pelo uso da água, que desincentiva seu desperdício, ou a outorga de direitos de uso, que ajuda a reduzir conflitos, o planejamento de recursos hídricos e os demais instrumentos de que dispõem para bem usar ou proteger o patrimônio hídrico.

 

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

UTILITARISMO E HIDROÉTICA

 Maurício Andrés Ribeiro 

Mas pra que
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem

Tom Jobim

 

Na perspectiva utilitarista, a natureza é um objeto para ser usado e consumido, com seus recursos minerais, sua água, os vegetais e animais, atendendo aos desejos, à demanda e à voracidade do ser humano. Na sociedade utilitarista, a água é valorizada por suas possibilidades mercadológicas e para exploração comercial. Cientificidade e tecnicismo predominam. Adota-se uma abordagem pragmática e ela é percebida como um recurso a utilizar, a ser apropriado privadamente e sua utilidade publica fica em segundo plano.

No mundo contemporâneo, prevalece a força das corporações e empresas internacionais e o valor de troca da água se impõe a ferro e fogo sobre o valor simbólico que é caro aos povos indígenas e a populações tradicionais.

A relação com essa coisa – a Terra objeto - é objetiva, sem afeto, pragmática. Nesse tipo de relação, a principal questão deixa de ser a do sentido: o que significa? – para se tornar a da utilidade: para que serve? Que serviços presta? Se é inútil e não serve para nada, não tem valor de uso. Não é funcional, não contribui para o conforto material e portanto não é valorizada.

O utilitarismo subestima o valor dos serviços ambientais prestados gratuitamente pela natureza, tais como a regulação do clima, a produção de água e outros processos fundamentais para sustentar a vida. Manter ecossistemas intocados, espaços protegidos, templos naturais conservados é visto por aqueles com visão utilitarista como uma absurda renúncia ao desenvolvimento econômico e ao usufruto das riquezas naturais, a renúncia do ser humano à felicidade e ao conforto material. Nas artes, a postura utilitarista que coisifica a natureza levou a se associar a beleza à utilidade e a defender que o útil é o belo.

A perspectiva utilitarista e pragmática confronta-se com limites éticos.  O bom nem sempre é o útil, apontou o sábio indiano Sri Aurobindo: “Há somente uma regra segura para o homem ético, alinhar-se ao seu princípio do bem, seu instinto do bem, sua visão do bem, sua intuição do bem, e governar assim sua conduta. Ele pode errar, mas estará no seu caminho, a despeito de todos os tropeços, porque será fiel à lei de sua natureza. A lei da natureza do ser ético é a busca do bem; não pode nunca ser a busca de utilidade.”

Nessa perspectiva crítica se coloca o Movimento Antiutilitarista nas Ciências Sociais – MAUSS que questiona a abordagem de considerar a natureza como objeto a serviço do ser humano. O MAUSS advoga uma relação contemplativa e uma ética do não consumo. 

A crítica ao utilitarismo vem também de uma voz indígena.   Escreve Ailton Krenak[1] que “os povos originários ainda estão presentes neste mundo não porque foram excluídos, mas porque escaparam, é interessante lembrar isso. Em várias regiões do planeta, resistiram com toda força e coragem para não serem completamente engolfados por esse mundo utilitário... Escapar dessa captura, experimentar uma existência que não se rendeu ao sentido utilitário da vida, cria um lugar de silêncio interior. Nas regiões que sofreram uma forte interferência utilitária da vida, essa experiência de silêncio foi prejudicada.” (pg 111) 

Para Ailton Krenak, “A vida é fruição, é uma dança, só que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia ridícula e utilitária. Por que insistimos em transformar a vida em uma coisa útil?” Ele continua :”Nós estamos, em nossa relação com a vida, como um peixinho num imenso oceano, em maravilhosa fruição. Nunca vai ocorrer a um peixinho que o oceano tem que ser útil, o oceano é a vida. Mas nós somos o tempo inteiro cobrados a  fazer coisas úteis.”

A ética utilitária busca o crescimento econômico e o bem estar material; já a ética autóctone defende seus lugares sagrados e apenas secundariamente busca o crescimento econômico. Numa cosmovisão, a água é um recurso econômico; noutra, ela é um patrimônio ecológico e espiritual.

O grande desafio para implementar uma política de águas é ético e espiritual: transformar uma relação agressiva e utilitarista em uma postura amigável, de cuidado e de reverência para com ela.  Nesse contexto, cabe desaprender conceitos e visões de mundo, descondicionar a consciência de seu viés utilitarista e fortalecer o valor da  proteção e da frugalidade.  A demanda por água, se descontrolada e desregulada, se não balizada por limites técnicos e éticos, pode levar a sua exaustão e fazer com que desapareça e se torne escassa, prejudicando a vida e a qualidade de vida. A postura utilitarista enxerga a água como um recurso, sem questionar o uso que  é feito dela.
 

A legislação brasileira é diferente de outras legislações, como a europeia, por exemplo, que enfatiza a importância ecológica da água como um patrimônio a ser protegido. O viés utilitarista da lei brasileira precisa ser contrabalançado com uma valorização da água por seu valor ecológico.



[1] Krenak,Ailton Avida não é útil  Companhia das Letras, São Paulo, 2022. Pgs 108 e 111.