terça-feira, 27 de novembro de 2018

ECOLOGIA CÓSMICA E ECOLOGIA ESPIRITUAL





A dimensão cósmica da ecologia.




Maurício Andrés Ribeiro
A ecologia cósmica estuda as inter-relações dos seres vivos entre si e com o meio ambiente cósmico. Ela considera as influências da cosmosfera sobre o planeta Terra e  ajuda a desenvolver a ciência e a tecnologia para proteger a vida contra riscos e ameaças com origem no cosmos.
Catástrofes provocadas por colisões com corpos celestes foram eventos que modificaram o curso da evolução na Terra, com o colapso de formas de vida que não resistiram às mudanças ambientais então provocadas. O fim dos dinossauros pode ter sido causado pelo choque de um corpo celeste que provocou alterações climáticas e inviabilizou a alimentação e o habitat para aqueles grandes animais.
Influências sensíveis dos astros sobre a Terra incluem  a do Sol cuja luz e calor são essenciais para a vida e a influência da lua sobre as marés, os ciclos menstruais, os líquidos existentes nos corpos vivos humanos, animais  e vegetais.
A lua e os cometas influem sobre os líquidos da Terra.
Corpos celestes mais distantes também influem sobre a Terra. Assim, os cometas aspergem gelo por onde passam e terão dado origem à vida, conforme a hipótese da panspermia, desenvolvida pelos astrônomos. Os cometas seriam espermatozoides cósmicos, como o elemento masculino, portador da água essencial à vida; Gaia é a mãe Terra, o óvulo fértil, o feminino, que nutre a vida.
A cosmosfera protege a Terra de raios cósmicos.
A cosmosfera protege a Terra dos raios cósmicos e há várias outras influências  claramente perceptíveis ou mais sutis sobre a vida e a evolução na terra, parte do sistema solar, de uma galáxia, a Via Láctea e de um universo mais amplo.

As concepções científicas sobre a origem do universo evoluíram muito desde que, com a ajuda de sua luneta, Galileu mostrou uma nova cosmovisão. Os recentes avanços da astrofísica e a melhor compreensão do universo, alcançados com o uso de instrumentos e tecnologias tais como os radiotelescópios, expandiram o entendimento das influências da cosmosfera sobre a vida na Terra.
Radiotelescópios no deserto de Atacama, no Chile.
Desde a antiguidade, tanto as civilizações e culturas humanas quanto as várias tradições espirituais procuraram explicar a evolução, criação do universo e o surgimento da vida.
A dimensão cósmica da ecologia ajuda a criar uma visão espiritualizada de nossa relação com o cosmos e suas leis, já que os processos da evolução são caórdicos, ou seja, oscilam como um pêndulo entre o caos e a ordem.
Na escala da megaecologia cósmica, precisa ser atualizado o lema “Pensar globalmente, agir localmente”, adotado pelo movimento ambientalista na década de 1970. O globo que habitamos é o planeta e precisamos passar a “Pensar cosmicamente e agir local e globalmente”.
Na perspectiva da ecologia integral a Teoria de Gaia, concebida por James Lovelock e Lynn Margulis, considera a Terra como um ser vivo, sendo a espécie humana o sistema nervoso e seu cérebro.
A ecologia cósmica expande a escala de tempo e de espaço e assim o fazendo, ela se aproxima de visões de mundo de antigas tradições espirituais, ajuda a resgatar a dimensão ética e ressacralizar a natureza e  a valorizar campo da ecologia espiritual.
Os astrofísicos desenvolveram a hipótese do big-bang, pela qual há bilhões de anos o universo teve início com uma grande explosão. O universo seria um sistema em evolução e em constante mudança, que pode estar se expandindo.
Outras cosmovisões vislumbram a Terra, diminuta, como um grão de areia nas margens de um mar infinito (Blavastky). O big bang corresponderia, na mitologia hindu, a um momento do respirar de Brahma ocorrido há quatro bilhões de anos.  Nessa cosmovisão, Brahman, o espirito universal se conecta com Atman, a alma de cada ser vivo. As cosmovisões dos indígenas americanos, incas e maias, também incorporam essa dimensão cósmica e espiritual e a importância do ser estar ligado, conectado ao cosmos. A dimensão cósmica abre a sensibilidade para a transcendência.
A ecologia cósmica induz à ecologia espiritual
Nesse contexto, a eco ação, voltada para o bem-estar de cada um e de todos os seres vivos,  ocupa o lugar da ego-ação, voltada para satisfação egocentrada de desejos e compulsões, produtos de uma ecologia interna desequilibrada.
E para além da eco ação está seva, o serviço aos  outros por compaixão e cuidado, que leva ao ganho e benefício coletivo, desinteressado dos ganhos para o individuo que a pratica. 



Do ego ao eco e deste ao seva: da ação egoísta ao serviço desinteressado de ganhos individuais.Ver Martin Brown  e Daniel Wahl.
Num mundo  em que se multiplicam os idosos e outros seres vulneráveis necessitados de cuidados não faltam oportunidades para se praticar seva. Trata-se de um caminho que pode desenvolver a espiritualidade.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

Amizade, política e redes sociais

Maurício Andrés Ribeiro
 
Conta-se que um pesquisador propôs uma competição a crianças famintas de uma tribo africana. Colocou uma cesta com frutas a 20 metros delas e disse: "Quem chegar primeiro, fica com o cesto todo”. Mas quando deu o sinal de partida, as crianças deram as mãos e correram juntas para o cesto. Sentaram-se e, em conjunto, degustaram todas as frutas. Quando o pesquisador lhes perguntou por que fizeram isso, elas responderam:
"Ubuntu - como pode um de nós ser feliz quando todos os outros estão tristes?” Ubuntu significa para elas "Eu sou porque nós somos”.

Numa cultura comunitária, a ação coletiva busca o bem comum e a cooperação para não deixar ninguém para trás. Numa cultura competitiva busca-se benefícios individuais e particularistas e usa-se o poder político para privilegiar os amigos: “A esfera da política coincide com a da relação amigo-inimigo” e em situações de antagonismos, defende-se os amigos e combatem-se os inimigos: “Enquanto houver política, ela dividirá a coletividade em amigos e inimigos.” (Bobbio, Matteuci e Pasquino (1986, p. 959), no Dicionário de política.). Outra expressão corrente na política, que a divide entre os amigos e os outros diz “Para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei.” Aí se expressa a prática política de aproveitar-se da condição de amigo do rei para obter benefícios para si, sacrificando o interesse público em função de interesses particularistas.

Redefinir a amizade é redefinir a política.

Pode-se expandir a abrangência da amizade e outros membros da comunidade da vida. Defendendo hábitos de consumo ecologicamente amigáveis e de alta economia energética, George Bernard Shaw justificava seu vegetarianismo dizendo que “Os animais são meus amigos; e eu não como meus amigos.” Defendia a amizade pelas espécies da biodiversidade e não apenas pelo círculo das amizades humanas. No Brasil, expressão popular trata pejorativamente da amizade com os animais, como no caso da expressão “amigo da onça”.  Mas há muitos casos em que os afetos humanos se dirigem para animais domésticos, gatos e cães, os melhores amigos do homem. Tradições espirituais, como a de São Francisco de Assis, estendem sua amizade aos animais.

As redes sociais que se formam a partir da internet são uma tecnologia de relacionamento que altera o significado da amizade e do que é ser amigo. O conjunto de meus amigos no Facebook inclui desde pessoas com quem tenho relacionamento próximo - esposa, filhos, mãe, irmãos - até familiares, antigos colegas de escola reencontrados virtualmente, ex-empregadas domésticas conectadas na rede social, antigos professores que moram em outro lado do mundo, colegas de trabalho antigos e atuais. Meus amigos virtuais compõem um conjunto de milhares de pessoas, muitas das quais não conheço pessoalmente, mas de quem recebo mensagens, a quem envio aquilo que penso e que me motiva, com quem comento impressões sobre assuntos variados, com quem compartilho informações.

A tecnologia das redes sociais facilita que esse conjunto de pessoas saiba a data de meu aniversário e me cumprimente, à distância, sem contato verbal ou pessoal. No dia de meu aniversário recebo delas dezenas de mensagens com desejos de felicidade e saúde e retribuo os bons votos. Eu também as cumprimento e lhes dou parabéns pelas suas datas e feitos, demonstro solidariedade quando sofrem alguma perda, curto as mensagens que me sensibilizam. Lanço mensagens como as garrafas que um náufrago lança ao mar, para que sejam compartilhadas, espalhadas, curtidas, comentadas, dando-me a sensação de que não estou sozinho.

A rede aproxima pessoas física e socialmente distantes e que não teriam muita oportunidade de conversar entre si. Ha ainda um processo de difusão de conhecimentos e de informações, de nivelamento cultural. Tudo isso é parte da nova ecologia e tecnologia dos relacionamentos humanos.  Atualmente acontecem conflitos e desentendimentos nas redes sociais entre antigos amigos ao exporem suas ideias políticas ideológicas, religiosas sem tato ou discrição.  Muitas pessoas optam por se desconectar, se isolar do ambiente toxico e agressivo que se forma virtualmente. O relacionamento promiscuo gera tensões e conflitos, rupturas de relações, inimizades. Aprender a se relacionar de modo respeitoso nas redes sociais é um aprendizado útil no mundo atual.

Os Brahma Kumaris, praticantes da raja ioga definem que “É nos nossos relacionamentos que podemos realmente conhecer a nós mesmos. Somos um espelho para o outro. O que damos aos outros através de nossos pensamentos, sentimentos e atitudes é o que damos a nós mesmos. Nossos relacionamentos são o aprendizado real, a sala de aula, o laboratório da vida. Relacionamento não é simplesmente estar junto com os outros. Relacionamento é compreensão, construção, nutrição e carinho. Cada interação traz uma lição.”

Oxalá possamos cultivar amizades físicas e pessoais, além de regular nossos relacionamentos virtuais apreendendo a conviver harmonicamente com antigos e novos amigos.

 

 

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

Ecologizar a saúde



Maurício Andrés Ribeiro (*)

São muitos os exemplos de como a falta de saúde ambiental impacta na saúde pública e na saúde dos indivíduos:
  • a alimentação contaminada com agrotóxicos faz os cidadãos adoecerem e pressionarem os hospitais e postos de saúde;
os pesticidas usados para combater pragas contaminam os alimentos, podendo provocar o câncer e poluir os lençóis subterrâneos de água usada para abastecimento humano. As crianças são especialmente vulneráveis aos nitritos trazidos aos alimentos pela adubação exagerada;
  • a falta de saneamento básico agrava as doenças de veiculação hídrica. São altos os custos associados às doenças de veiculação hídrica nas regiões urbanas do Brasil com milhares de casos anuais de mortalidade prematura e morbidez adicional.
  • a água potável contaminada por chuvas ácidas pode causar doenças pulmonares, danos ao cérebro, hipertensão, problemas renais.
  • a poluição do ar nas cidades faz adoecer os cidadãos, causa mortes prematuras e onera os custos do sistema de saúde;
  • ambientes construídos que não tenham ventilação ou insolação adequada tornam-se insalubres e levam as pessoas a adoecerem, terem problemas respiratórios e doenças como tuberculose ou pneumonia.
Alimentos e pesticidas estão no radar da percepção pública e das discussões sobre sua regulação, mas há substâncias químicas tais como bromo, cloro e flúor, usadas em produtos de consumo, que apenas recentemente tem despertado alertas sobre seus impactos na saúde. O professor José Eli da Veiga, da USP, (ver o artigo A pior das poluições) tem chamado a atenção para esses poluentes sintéticos que causam diabetes e obesidade, perturbam o funcionamento das glândulas do corpo, atingem os fetos e lhes causam lesões cerebrais e cognitivas.
Saúde não é assistência médica, pois os médicos, farmacêuticos e enfermeiras em geral lidam com a falta de saúde, tornando-se agentes da indústria da doença.
Uma concepção integral da saúde engloba a saúde mental, psíquica, física, individual e social, bem como a saúde ambiental.
Nesse enfoque, um agricultor orgânico e um lixeiro são trabalhadores da saúde ao evitarem que as pessoas adoeçam. O ecologista e o gestor ambiental e das águas, bem como o pesquisador, o cientista e o cidadão ecologicamente consciente, são agentes de saúde. Promovem a saúde preventiva, diminuindo os riscos de acidentes e todos os custos associados ao tratamento de doenças depois que já se instalaram.
As respostas para os problemas de saúde não são apenas curativas e exigem crescente atenção aos aspectos de ecologia humana e social. A prevenção e controle da poluição sonora, visual, atmosférica, das águas e dos solos e da degradação ambiental pode trazer resultados positivos para a saúde. Isso também é mais barato, pois investir na melhoria do meio ambiente local pode reduzir significativamente a demanda por tratamento corretivo nos hospitais e postos médicos, pois parcela substancial das doenças não existiria caso a qualidade do meio ambiente fosse melhor e ações preventivas fossem adotadas.
É oportuno tratar das questões de saúde no mesmo contexto da questão ambiental.  Os ganhos econômicos, os ganhos em termos de melhoria da saúde das populações e os ganhos em termos de qualidade ambiental justificam a articulação dessas políticas.
A saúde ambiental é um pré-requisito para a saúde pública, coletiva e individual. Articular meio ambiente e saúde é um modo inteligente de abordar as questões da saúde que traz ganhos econômicos. A saúde ambiental é o ramo da saúde publica que trata dos aspectos do ambiente natural ou construído que podem afetar a saúde humana. 
Meio Ambiente e saúde têm grande potencial para desenvolver ações de parceria federal, nos estados e nos municípios, além da escala regional, por meio de consórcios intermunicipais de saúde e de meio ambiente, resíduos sólidos, gestão das águas.
Quando isso acontecer, poderá haver ganhos expressivos para a saúde integral, do ambiente e das pessoas.