sexta-feira, 22 de março de 2019

O princípio da cooperação

Maurício Andrés Ribeiro


A cooperação pode ser benéfica para todos.
Cooperar e competir são dois tipos de relações entre pessoas, organizações, empresas,  países.
No meio natural as relações ecológicas variam da parceria e cooperação até o antagonismo e competição. Simbiose e comensalismo são relações em que os organismos atuam em conjunto para proveito mútuo, nos  quais ambos os organismos recebem benefícios. Simbiose implica  adaptação mútua de um organismo a outro, cooperação, convivência, co-evolução do ser em seu ambiente. São desarmônicas interações como a antibiose (princípio usado nos antibióticos, que matam ou inibem certos organismos vivos), a predação, o canibalismo, o vampirismo, o esclavagismo, o parasitismo.
O físico Fritjof Capra (1993), autor de O ponto de mutação, escreveu que "Quanto mais estudamos o mundo vivo, mais nos apercebemos de que a tendência para a associação, para o estabelecimento de vínculos, para viver uns dentro de outros e cooperar é uma característica essencial dos organismos vivos. O estudo detalhado dos ecossistemas nestas últimas décadas mostrou com muita clareza que a maioria das relações entre organismos vivos é essencialmente cooperativa, e elas são caracterizadas pela coexistência e a interdependência, e simbióticas em vários graus. Embora haja competição, esta ocorre usualmente num contexto mais amplo de cooperação, de modo que o sistema maior é mantido em equilíbrio. Até mesmo as relações predador-presa, destrutivas para a presa imediata, são geralmente benéficas para ambas as espécies. Esse insight está em profundo contraste com os pontos de vista dos darwinistas sociais, que viam a vida exclusivamente em termos de competição, luta e destruição. A concepção que eles tinham da natureza ajudou a criar uma filosofia que legitima a exploração e o impacto desastroso de nossa tecnologia sobre o meio ambiente natural. Darwin propôs uma teoria da evolução em que a unidade de sobrevivência era a espécie, a subespécie ou algum outro componente básico da estrutura do mundo biológico. Mas, um século mais tarde, ficou bem claro que a unidade de sobrevivência não é qualquer uma dessas unidades. O que sobrevive é o organismo-em-seu-meio-ambiente." Nessa mesma linha,  Peter Kropotkin também já escrevera sobre a cooperação e a ajuda  mutua na natureza.
O Homo sapiens mantém relações ecológicas e interações com os demais de sua espécie, com outras espécies e com o planeta que o hospeda. As forças ou energias que movem a ação humana podem ser a ambição de poder, de desejo de enriquecimento material, de vaidade e de obtenção do sucesso, de interesses egoístas; ou podem ser interesses altruístas, de luta pelo bem comum, público e coletivo, com sentido de serviço e de solidariedade social e ambiental mais amplo e generoso.
No campo das relações políticas, sociais, econômicas, afetivas as relações negativas podem ser de guerra, de confronto e de conflito violento ou não violento, de dominação, de submissão, de dependência, de manipulação; na interação positiva ou harmônica ressaltam as relações de diálogo, de cooperação e parceria, de enriquecimento mútuo, de aliança. Lester Smith (1975) em Intelligence came first escreveu que “A inteligência humana pode ser sua destruição ou sua salvação. Aliada à sua natureza mais básica, ela leva a comportamento egoísta, antissocial; aliada a suas qualidades espirituais, ela leva ao altruísmo, cooperação e unidade.”
Uma das muitas percepções sobre nossa espécie, o Homo honestus é um primata que coopera e que se comporta com valores éticos.
O Princípio da cooperação ou da solidariedade considera que diante de um problema ou desafio grandioso, a união e a soma de forças e convergência de ações são um modo eficaz de reduzir riscos e danos potenciais para os indivíduos e as comunidades. O princípio da solidariedade é a base para gerenciar os recursos naturais. Solidariedade para com a atual e com as futuras gerações que virão habitar esse planeta e solidariedade para com as demais formas de vida.
Na área da ecologia e do clima, há significativa aplicação do princípio da cooperação  tanto em escala internacional (cooperação técnica e científica, intercâmbio de conhecimentos, trocas culturais etc.) como em escala local quando, por exemplo acontece uma tragédia e as pessoas são induzidas a cooperar. A aplicação do princípio da cooperação implica transformar valores,  e influi nos modos de construir e organizar o espaço e a sociedade. Envolve o cultivo de atitude de  atenção, de abertura ao diálogo, solidariedade,  compaixão,  paciência,  tolerância,  importância da cooperação e das relações ecológicas harmônicas, o respeito à diferença, para criar situações que favoreçam a vida humana e as demais formas de vida.
A água é fio condutor da convivência regional, pois supõe a solidariedade entre cidadãos de uma bacia. A água é um dos elementos da natureza sobre o qual acontecem relaçoes harmônicas e desarmônicas. Numa bacia hidrográfica, ao longo de um  rio e de seus afluentes,  é crucial a cooperação entre as comunidades que precisam usá-lo para finalidades múltiplas.  Em torno da água se desenvolvem vários projetos de cooperação técnica e cientifica internacional que compartilham conhecimentos  necessários para se lidar com a água em bacias hidrográficas transfronteiriças.  Uma abordagem transdisciplinar ajuda a se alcançar a cooperação. Reflexões, experiencias e alianças em favor da vida compõem o conteúdo de publicação sobre Água e cooperação.[1]
Em torno da água se desenvolvem muitas possibilidades de cooperação.
A partir da água dos rios, lagos e áreas úmidas catalisam-se processos de ordenamento territorial cooperativos.
A internet e as  redes de cooperação e de intercâmbio de conhecimentos oferecem ferramentas contemporâneas que permitem aprofundar a cooperação e a participação da sociedade, das organizações públicas e privadas e de indivíduos na tomada de decisões sobre alocação de água e outros temas ambientais.
 


[1] Água e cooperação . Sergio Ribeiro, Vera Catalão e Bené Fonteles (org.) Brasília 2014.

O nu e o vestido: a moda ecologizada

Maurício Andrés Ribeiro
 
 
 

 
A necessidade de vestir-se movimenta recursos humanos e econômicos consideráveis. Gera empregos na produção de matérias de origem vegetal, como nas plantações de algodão, juta e outras, e na produção da lã e de materiais de origem animal, tais como o couro; ou de origem fóssil – as fibras sintéticas – com os quais se fazem os fios ou se tecem os panos. Impulsiona a indústria têxtil, que no Brasil emprega 800 mil trabalhadores e move as confecções, as profissões dos estilistas e designers de moda, os alfaiates, costureiras e o comércio de tecidos, roupas e calçados.
 
A identidade de um povo ou de um cidadão e sua qualidade de vida são influenciadas pelo que vestem. A roupa é proteção, segurança, proporciona conforto térmico, regulando o calor ou o frio que os corpos sentem através do tato. O vestuário também é mensagem cultural, sinal visual que indica posto, posição, graduação, status social, ocupação. Denota gosto, ou a falta dele, estilo de viver, tem conotações estéticas, confere identidade ao indivíduo ou ao grupo social. Diferencia categorias profissionais ou sociais: os macacões, os colarinhos-brancos, as fardas, os fardões, as togas, os hábitos, os uniformes e os trajes para ocasiões especiais de núpcias, de domingo, de festa ou de trabalho, dos astronautas, as fantasias.
 
Inúmeras expressões se referem ao vestuário, desde “o rei está nu”, o “rasgar a fantasia”, “o desnudar-se das máscaras psicológicas” até o “camisolão”, os “engravatados”, os “descamisados”, “crime do colarinho branco.”
 
Os impactos ambientais da economia do vestuário variam da desertificação em áreas de cultivo de algodão à poluição hídrica causada pelo tingimento de tecidos na indústria têxtil; das vibrações e poluição sonora produzidas pelos teares às condições de trabalho dos empregados da indústria têxtil. Além disso, há os desperdícios e perdas de tecidos por moldes que não consideram as sobras e as possibilidades criativas de seu aproveitamento. Entre os consumidores, existem, num extremo, aqueles que não atingiram o limiar mínimo de meios materiais que permitam atender à necessidade básica de se vestirem. Noutro extremo estão os adeptos da moda predatória, que gastam recursos naturais – o algodão, as peles, as fibras sintéticas – em moldes que provocam perdas dos tecidos, bem como os que se vestem segundo padrões culturais importados dos países de clima temperado, usando roupas que lhes trazem desconforto térmico.
 
Num clima tropical, com temperaturas altas, a nudez é viável e confortável, como demonstram nossas tribos indígenas. A miséria urbana tem sobrevivido sem o abrigo da casa ou a proteção do vestuário, indispensáveis em climas temperados, frios ou polares. O clima tropical clama por uma moda em que a roupa seja leve, arejada, ventilada.
A roupa é fator de identidade pessoal, social e profissional. O design[1] de moda é um dos campos da arte com relação estreita com o ambiente e o conforto corporal e físico. A roupa regula o conforto térmico e as sensações táteis do calor e do frio e essa é uma função elementar do vestuário.
Num clima tropical, com temperaturas altas, vestir-se com roupas frescas e de fibras naturais é viável, mais barato e confortável. Pode-se  até sobreviver sem o abrigo da casa ou mesmo a proteção do vestuário, indispensáveis em climas temperados, frios ou polares.
Manter climas refrigerados artificialmente e manter-se vestido dentro deles, com roupas para frio é um contra-senso, somente suportável em sociedades com abundância de energia barata. Quando a energia escasseia ou torna-se cara, é preciso reduzir a demanda, adequar as necessidades, cortar os usos supérfluos ou que provocam seu desperdício.
Eliminar a roupa desnecessária ou imprópria e despir-se da moda supérflua é um dos meios para reduzir a demanda de energia e promover o consumo consciente. O vestuário ecológico é amigável em relação ao meio ambiente, porque facilita a economia de energia. Além disso, a energia mais limpa é aquela que se deixa de consumir.
Durante a crise energética em 2001, o racionamento de energia tornou insuportáveis as condições térmicas em muitos ambientes de trabalho, o que fez com que se abolisse a exigência de terno e gravata, vestimentas inadequadas para o clima quente dos trópicos. Em junho de 2005 o Primeiro Ministro japonês reuniu seu ministério e aboliu o uso do terno e gravata, para dar o exemplo, economizar gastos de energia com ar condicionado nos edifícios e atingir as metas do Protocolo de Quioto.
 
O clima tropical clama por uma moda em que a roupa seja leve, arejada, ventilada, adequada ao século XXI, o século do aquecimento global e do efeito estufa, no qual o calor crescente já exige hábitos de vestir adaptados ao clima, para proporcionar conforto térmico ao cidadão.
 Na Américas, há variações climáticas regionais, desde o clima quente e úmido equatorial da Amazônia, o clima tropical, que prevalece nos litorais, até o clima quente e seco da caatinga, os climas subtropicais das latitudes médias, o clima do cerrado,o clima das montanhas. Cada um desses tipos climáticos tem características de temperatura, pluviosidade e ventilação que devem influenciar os critérios para a escolha dos tecidos, das cores, do tipo de vestimenta. Há variações sazonais e, mesmo, no ciclo dia/noite, importantes na escolha do que vestir. Vestir-se ecologicamente supõe adequar-se ao bioclima, proporcionar conforto ao corpo, reduzir a transpiração e a necessidade de desodorantes, de climatização mecânica de ar.
A roupa ecológica resulta de moldes que reduzem perdas de tecidos. Os milenares sáris femininos ou os dothis masculinos usados na Índia são peças retangulares sem cortes e perdas de tecido. A “roupa ecológica” se faz reciclando e reaproveitando as sobras de tecidos.
 
A moda precisa desenvolver idéias que mexam com o imaginário, com os aspectos simbólicos e padrões estéticos e de desenho, levando em conta a influência do meio sobre o que se veste. A criatividade deve fazer cair de moda aqueles hábitos herdados do colonizador. Precisa inventar a moda ecologizada – que resista ao tempo e que se torne uma tradição, por ser adequada às condições do meio ambiente.  O ciclo de produção  da moda é curto e dura pouco, pois a moda por natureza é descartável e vive da  obsolescência. A moda ecologizada precisa atentar para os materiais e a cadeia de produção – dos plantadores das fibras às costureiras - e produzir roupas que sejam recicláveis e reaproveitáveis, ou que tenham maior duração e não sejam descartáveis.
Ecologizar a moda, adequando ao clima as tradições do vestir-se, será uma forma de render tributo a Oswald de Andrade que, no poema Erro de Português, apontava:
 
Quando o português chegou
debaixo duma bruta chuva
vestiu o índio.
Que pena!
Fosse uma manhã de sol,
O índio tinha despido
o português.
 
 
 


[1] A palavra design significa desígnio, vontade, projeto. O design de uma civilização ecologizada começa pelos atos cotidianos de alimentar-se, respirar, vestir-se, morar, circular, usar o tempo livre e pelo eco design da roupa à habitação, do espaço urbano ao design das paisagens naturais. E de instituições políticas e socioculturais adequadas.
 
 

terça-feira, 12 de março de 2019

Viver em harmonia com a água, uma lição japonesa


Maurício Andrés Ribeiro 

É inspirador observar o relacionamento harmônico com a água de modo integrado com o uso do solo e as florestas no Japão.[1] Cercado de mares e muito rico em fontes de água, originárias dos Alpes japoneses, suas montanhas ocupam 70% da superfície e constituem a espinha dorsal do arquipélago. Elas têm ocupação humana rarefeita em contraste com os vales em que há cidades muito densamente ocupadas.
As densidades populacionais e de ocupação do solo são muito altas nas metrópoles japonesas e no país. Com área total de 372 mil Km2 (equivalente à área do Estado do Rio Grande do Sul) e com 126 milhões de habitantes, a densidade média da população é de 337 habitantes por Km2., ou seja, cerca de 15 vezes maior do que a média brasileira.  
Os Alpes japoneses são, em sua maior parte, ocupados por florestas, que servem para a proteção dos solos e o controle da erosão. Ainda que a maior parte das florestas seja de propriedade privada, sua exploração e a comercialização do produto são usualmente feitos por meio de associações florestais. Sendo o país de clima temperado, a vegetação demora 80 anos para ser explorável e, desta forma, as florestas são consideradas como poupança, mais do que como investimento com retorno em curto prazo.
Apesar da altíssima densidade populacional, os fundos de vales em cidades japonesas são mantidos não edificados. Preservam-se os fundos de vale não edificados nas cidades, com canais abertos e parques lineares, que são inundados com as chuvas. Quando as águas se vão, não deixam danos econômicos ou sociais. A água é integrada no paisagismo e no urbanismo de modo harmônico e leva em consideração questões econômicas e de segurança em casos de inundações.
 
 
 

O uso da terra urbana e rural está sujeito a regras elaboradas. Um perfil típico é a ocupação urbana das faixas de interseção entre as montanhas e os vales. As montanhas são usadas para florestamento e preservação ecológica, além do uso econômico e os vales, usados para a agricultura intensiva que, em muitos casos, aproveita os espaços vazios nas periferias urbanas, onde os terrenos não construídos são raramente ociosos. Hortas, pomares e plantações diversificadas ocupam essas valiosas faixas, contribuindo para o abastecimento alimentar. No Japão, programas intensos de florestamento de encostas, de criação de cooperativas florestais e de proteção à cobertura vegetal reduziram as inundações nas planícies e os prejuízos à economia agrícola.
Mas isso nem sempre foi assim e as práticas de convivência harmônica com a água resultaram do aprendizado social sobre os riscos e os custos da ocupação inadequada dos vales. No passado houve desflorestamento das montanhas, erosão e assoreamento nos vales, perdas agrícolas, fome e problemas sociais.  O exemplo seguinte é elucidativo: no início do século XX o Japão sofria sérios problemas de enchentes originadas em suas montanhas, que haviam sido desflorestadas. As planícies com plantações de arroz eram frequentemente inundadas por enchentes que causavam prejuízos, perda da produção agrícola e fome. O país, que então se abria para o mundo, buscou no exterior apoio de quem conhecia bem as inundações: contatou os holandeses, que sabiam conter o mar com diques e evitar que as terras baixas fossem inundadas. Os holandeses estudaram o problema das enchentes japonesas e propuseram ações baseadas em sua experiência. Não tiveram sucesso. Os japoneses resolveram, então, buscar sua própria solução para o problema. No plano decenal de 1884, que fixou as linhas para a entrada do Japão no período moderno de sua história, advogava-se a importância de melhorias contínuas nas tecnologias tradicionais disponíveis no país. Assim, observaram que numa das ilhas os problemas de enchentes eram menores que no restante do país. Ali se protegiam as montanhas com florestas e o uso da lenha não gerara muito desmatamento. Disseminaram em todo o país aquelas práticas tradicionais. Programas intensos de proteção de encostas reduziram as inundações. Cooperativas florestais foram criadas para administrar as florestas e manejá-las de forma sustentável, usando a madeira para mobiliário e construção civil. O florestamento dos Alpes japoneses foi estratégico para conter sedimentos e erosões. As medidas de prevenção e controle evoluíram e compreendem a manutenção integral da cobertura de florestas nas áreas montanhosas, a construção de represas para conter a terra que escorre das montanhas junto com a água de chuva e a proteção de encostas por meio de redes metálicas ou de plástico, que previnem os deslizamentos de terra. Quando os japoneses aprenderam a cuidar melhor de suas montanhas e florestas, evitaram o desmate descontrolado, reduziram a erosão e as perdas agrícolas.
Fundo de vale não ocupado em cidade japonesa reduz prejuízos com enchentes.
Foto: Maurício Andrés
Hoje, o Japão ensina a aproximação com a água, voltando-se de frente para os lagos, rios e regatos. As cidades procuram ter intimidade com a água, evitando que córregos sejam aprisionados em canais fechados. Promove-se a reintegração urbana da paisagem ribeirinha e dos seus animais, como rãs e libélulas. Evita-se asfaltar as vias, para não agravar problemas de drenagem e provocar inundações. Evita-se que a água de chuva escorra diretamente para os rios; ela infiltra lentamente no solo. Represas de armazenagem e regularização da drenagem são previstas nos parcelamentos urbanos. Adotam-se sistemas de armazenagem da água de chuva em tanques subterrâneos. Age-se preventivamente na organização humana do espaço e na ocupação do solo.
 O Japão ensina que pode ser simples a solução para se prevenir inundações e para se articular a gestão da água com o uso e ocupação do solo. Ensina que a aprendizagem coletiva de convivência harmônica com a água é um processo civilizatório e cultural em que se aprende a partir dos erros cometidos, em aproximações sucessivas.
O Japão mostra que a aprendizagem coletiva é um processo cultural.
Os japoneses aprenderam com a dor, com o sofrimento e com os prejuízos econômicos provocados por terremotos e inundações, a atuar preventivamente e com prudência ecológica no seu ordenamento territorial. O exemplo japonês mostra uma sociedade que aprendeu a dar respostas adequadas aos problemas de injustiças sociais e de segurança ecológica e ambiental. O Brasil tem muito a aprender com a experiência japonesa nesse campo.

 




[1] O Japão é estudado no livro Colapso, de Jared Diamond, como um exemplo positivo de civilização que aprendeu a se relacionar de modo mais amigável com o ambiente e a água.


A água está sempre presente no paisagismo japonês

sexta-feira, 1 de março de 2019

A luz da visão sociopolítica de Sri Aurobindo

Mauricio Andrés Ribeiro - colaboração de Giorgio De Antoni  e Yara Magalhães (*)



 
No contexto atual da crise ecológica e da evolução,  o pensamento e as práticas propostas por Sri Aurobindo podem ser valiosos. Partindo de uma cosmovisão generosa e de uma concepção integral do que seja o humano, ele mapeou caminhos, formulou e expressou ideias por meio de seus escritos, que se tornaram faróis a iluminar  quem veio depois dele. Nesse sentido, conhecer melhor o pensamento de Sri Aurobindo pode nos ajudar a nortear nossas ações nesse momento de transição em que numerosas crises de várias naturezas se superpõem numa  mega crise da evolução.
Sri Aurobindo, indiano  de nascimento, viveu vários anos na Inglaterra  e conhecia profundamente a cultura ocidental. Ele fez uma ponte entre esse hemisfério e   o seu  hemisfério  de  origem. Ao retornar da Inglaterra para a Índia  formulou os princípios da resistência defensiva que inspiraram Gandhi e outros revolucionários e  ativistas pela libertação da India do período colonial.  Ao deduzir que seria inexorável essa libertação, passou a focalizar  as questões planetárias, a evolução e a consciência humana. (“A evolução é uma lenta transformação da energia em consciência.“) Estudou, para além das identidades nacionais, os cenários para a evolução política humana numa unidade mais ampla. Escreveu sobre os cenários para a evolução política  futura, realçando as qualidades de uma possível federação planetária que vá além da era das nações unidas (ou des-unidas). 
Sri Aurobindo foi um visionário. Com sua visão prospectiva  adentrou o futuro e produziu textos clássicos, que não perdem sua atualidade mais de um século depois de terem sido escritos.
Ele inseriu a história humana na história natural, numa perspectiva evolucionista e integradora. Realçou a importância da superação dos desejos egóicos e da evolução para aspirações menos egoístas. Sua visão universalista valoriza a fraternidade na família de  seres humanos, como o elo que permite realizar ao mesmo tempo a liberdade e a igualdade.
Refletiu sobre a democracia dos direitos ocidental, baseada em ideias europeias de direitos e deveres. Definiu a lei moral, o dharma como integradora entre direitos e deveres. Traduzido em conceitos ocidentais, o dharma corresponderia a potenciais direitos de 5ª geração que ainda não existem, o direito de ser responsável, o direito de cumprir o seu dever.
Como na fita de Moebius, o dharma unifica o que são direitos e deveres na concepção europeia.
Realçou a importância da  educação para a ética e os valores. (“A educação do intelecto divorciada da perfeição da natureza moral e emocional é prejudicial ao progresso humano.”)
O ser humano, para ele,  é um ser em transição, que apresenta potencialidades ainda não desenvolvidas plenamente.  (“A condição humana é uma etapa de transição”; “Todas as possibilidades do mundo estão esperando no homem como a árvore espera em sua semente.”)
Esses potenciais humanos se encontram em sua consciência, também entendida como um espectro amplo do inconsciente ao supraconsciente.  (“Atrás das aparências do universo há a realidade do ser e da consciência.” )
Ele reconhece e valoriza a dimensão espiritual da vida, (“O destino da raça nesta era de crises e revolução dependerá muito mais do espírito que somos do que da maquinaria que usaremos”; “Quando se perde a espiritualidade, perde-se tudo.”)
Enfatiza o duplo caminho, do pessoal para o social e do coletivo para o pessoal no processo de evolução humana.
Teve a capacidade de comunicar isso com clareza numa extensa obra publicada em 30 volumes.

A obra de Sri Aurobindo,publicada em trinta volumes, ainda é pouco conhecida no Brasil.
 
Conhecer melhor as ideias e pensamentos de Sri Aurobindo pode fornecer pistas, luzes e  esclarecimentos sobre o que se passa no mundo contemporâneo, para onde vamos  e quais os potenciais rumos da evolução, crescentemente influenciada pela ação, palavras e pensamentos humanos.  

Ciclo de estudos em Brasilia sobre A grande transição atual à luz da visão sociopolítica de Sri Aurobindo
(*) Giorgio De Antoni,Yara Magalhaes e Maurício Andrés coordenam o Ciclo de Estudos realizado pelo CREIA- Centro de Referência em Educação Integral e Ambiental. Brasília. Março a junho de 2019 


A grande transição atual

Mauricio Andrés Ribeiro
Agradecimentos a  Giorgio De Antoni  e Yara Magalhães (*)

Muito se pensa e escreve sobre o momento de transição em que vivemos nesse início do século XXI. Esse momento pode ser sentido a partir das atualidades,  da conjuntura dos fatos imediatos que se sucedem aceleradamente e dos quais tomamos conhecimento diretamente ou  pelos meios de comunicação modernos.
Esse momento pode ser percebido, também,  inserido na perspectiva da história humana com suas centenas de milhares de anos. Nesse caso, o momento pode significar uma semana, um mês, um ano.
Finalmente, esse momento pode ser compreendido a partir da megaescala dos ciclos longos da evolução e da história natural, na qual se insere a história humana. Nesta escala temporal, uma década ou um século correspondem a um período mínimo diante da grandeza dos bilhões de anos da história natural.
A história natural se organiza em eras, períodos e épocas.
Estamos no final da era cenozoica, a era dos mamíferos, que sucedeu à era mesozoica, a dos dinossauros, extintos há 65 milhões de anos.
Deixamos a época  holocena, um estágio terminal da era cenozoica e entramos na época antropocena, a partir da segunda metade do século XX.  Esta é uma época de transição, na qual a espécie humana passou a exercer um impacto crescente sobre o rumo da evolução no planeta.
O antopoceno não é uma era ou um período, é uma época. A época de transição entre o estágio terminal da era conozoica e o estágio inicial de uma nova era.
A época antropocena na espiral da evolução

Mudanças no clima, a sexta grande extinção de espécies da biodiversidade, transformações aceleradas nas paisagens urbanas e rurais, explosão demográfica, explosão dos conhecimentos científicos e de suas aplicações tecnológicas, expansão da capacidade de comunicação e de transmissão de conhecimentos, tais são algumas das características do mundo contemporâneo. Está em curso uma  grande aceleração no curso da história humana e do planeta.
A noosfera - a esfera da consciência e especialmente da consciência humana - influi sobre a biosfera e sobre todas as demais esferas da Terra ( a hidrosfera, a atmosfera, a litosfera, a pirosfera etc). A Terra é um sistema? Ou seria um organismo integrado por vários sistemas? ( Tal como o organismo humano, composto por sistema nervoso central, sistema circulatório, sistema respiratório, sistema digestivo, sistema urinário etc).


 
 
A capacidade de compreender o que está se passando e de agir responsavelmente pode ser decisiva para definir para onde vamos como humanidade e para influir no próprio rumo da evolução da vida.
Que era será essa para onde vamos? (era eremozoica? cosmozoica? tecnozoica? ecozoica? psicozoica? era subjetiva? era espiritual? era noológica? etc) .

 

 
Para quem acredita que o planeta passa por transformações aceleradas, sendo o ser humano um dos agentes dessas transformações é relevante que esse ser se  conscientize de sua importância e que modifique sua conduta  no sentido de contribuir conscientemente para o rumo da evolução. Construir narrativas nesse sentido, testá-las na vida prática, mapear e apontar os caminhos pode ser valioso para orientar a ação dos indivíduos e coletividades de nossa espécie. Para isso é preciso conhecer essa espécie a fundo, ter uma percepção integral do que é ela e de suas potencialidades, bem como sugerir caminhos a trilhar.
A luz da visão de Sri Aurobindo pode ser um dos faróis a iluminar nessa grande transição atual.


(*) Coordenadores do Ciclo de Estudos sobre A grande transição atual à luz da visão sociopolítica de Sri Aurobindo realizado pelo CREIA- Centro de Referência em Educação Integral e Ambiental. Brasília. Março a junho de 2019