Maurício Andrés Ribeiro
Figura: Fonte USGS. É possível gerenciar integralmente o ciclo da água? |
O gerenciamento das águas de superfície
é uma tarefa difícil e complexa que depende de conhecimentos técnicos, domínio
de instrumentos de ação, capacidade de articulação entre níveis de governo e
com a sociedade e integração de sistemas
de informação.
O gerenciamento das águas subterrâneas
tem as mesmas complexidades, acrescidas do fato de que é mais difícil detectar
a sua presença e conhecer a sua dinâmica.
O gerenciamento integrado de águas
superficiais e subterrâneas soma mais complexidade técnica, política e
administrativa.
Praticamente todo o volume de água do planeta – nos oceanos, na
atmosfera, no permafrost, no gelo, nos seres vivos encontra-se fora do alcance
da gestão das águas, que atualmente prioriza a gestão das águas doces
superficiais e secundariamente as subterrâneas.
Pierre Weil, meu amigo com quem
colaborei na concepção de um centro de estudos holístico e transdisciplinar, a
UNIPAZ, tinha uma atitude corajosa
diante dos problemas que enfrentava. Ele dizia que quando tinha diante de si um
problema enorme, difícil de resolver e praticamente insolúvel, ele criava um
outro, maior ainda e se propunha a resolvê-lo. Assim, o problema inicial
tornava-se pequeno diante das dificuldades do novo problema.
Figura: Fonte USGS. É possível gerenciar integralmente o ciclo da água?
Neste livro, proponho que se enfrente o gerenciamento integral do ciclo
da água, que inclui as águas atmosféricas. Ele agrega uma complexidade e uma
dificuldade ainda maior aos já enormes problemas envolvidos com o gerenciamento
integrado das águas subterrâneas e superficiais.
A gestão integral do ciclo vai além da gestão integrada de recursos
hídricos superficiais e subterrâneos. Uma gestão do ciclo integral envolve
todos os aspectos, desde a água na atmosfera, as nascentes, a proteção
florestal e o uso do solo. Uma abordagem holística e transdisciplinar considera
o ciclo integral, inclusive sua fase meteórica ou na atmosfera, pois cada vez
mais a gestão de recursos hídricos está dependente do clima e de suas
variações. Tal gestão considera as
interconexões entre o que ocorre quando ela escorre superficialmente, se
infiltra nos solos e forma os lençóis subterrâneos e quando se encontra em estado meteórico, no
vapor na atmosfera.
A gestão
integral do ciclo considera todas as suas formas de presença na natureza: sólida, líquida,
gasosa; meteórica, superficial e subterrânea. Ela exige uma compreensão ampla desse ciclo.
A gestão integral do ciclo da água depende de uma boa articulação
federativa entre o nível federal, os estados e municípios, a partir de dados e informações
compartilhados. Numa federação, cada ente tem suas responsabilidades. A chuva
chove nos municípios, pois ela cai no território da bacia e quem cuida do uso e
ocupação do solo são os municípios. Depois ela escorre para riachos e córregos
estaduais e algumas vezes chega a rios federais. Quando ela infiltra no solo
passa a ser de domínio dos estados, que gerenciam as águas subterrâneas.
Enquanto está na atmosfera, ninguém é responsável pelo seu gerenciamento.
Para se
lidar de modo integral com a gestão do ciclo, é relevante reduzir as demandas
nas diversas atividades econômicas, especialmente o consumo pelo usuário que
mais a utiliza, a agricultura irrigada. Isso
implica em inovar em tecnologias e em atuar sobre a economia para reduzir as
demandas excessivas que causam estresse hídrico, sobre a cultura e os hábitos
alimentares e de vida.
A gestão
do ciclo de vida das águas articula seu planejamento e gestão numa perspectiva
de longo prazo. Ela compartilha dados e sistemas de informação. Requisito
importante para se tornar realidade é evoluir dos estudos técnicos
especializados e dos conhecimentos da hidrologia como atualmente praticada,
para a perspectiva de uma hidrologia
integral, transdisciplinar, e daí para a Hidrosofia, ou seja, lidar com a água
com sabedoria.
A Amazônia oferece um laboratório prático para se
testar globalmente a gestão integral do
ciclo da água. Um dos modos de incluir
as aguas atmosféricas na gestão é proporcionar os meios para que a floresta
continue a existir e que os rios voadores continuem a prestar os seus serviços
ecossistêmicos.
O gerenciamento do ciclo integral das
águas é um projeto potencial e virtual que se inicia com a hidratação das
mentalidades, da sociedade, da economia, para que a civilização se torne
hidrocêntrica, supere a hidroalienação e valorize a hidroconsciência.
O gerenciamento integral do ciclo da
água é uma missão impossível, um objetivo utópico? Preferimos acreditar que é um
ideal e uma meta que progressivamente dá
seus primeiros passos. Há uma longa caminhada pela frente para que ele se
realize.