sexta-feira, 26 de abril de 2024

A ecologia industrial na arte de Maria Helena Andrés

Nessa era industrial, o ser humano transforma em coisas e objetos de consumo os minerais, vegetais e animais. Produz a coisadiversidade. Convive com computadores, telefones celulares, satélites de telecomunicações, automóveis, aviões, redes elétricas, robôs e uma infinidade de outras coisas. 

Durante o último século e especialmente em sua segunda metade do século XX houve uma grande aceleração da evolução científica e tecnológica e de seus produtos e efeitos colaterais.

A ecologia industrial é um campo da ecologia que  busca prevenir a poluição, promover a reciclagem e a reutilização de resíduos,  promover o uso eficiente dos recursos para a produção e estender a vida útil dos produtos industriais. Ela estuda os fluxos de matéria, energia e informação.  Promove o uso de tecnologias limpas e de produção com qualidade e segurança. Lida com as transformações de matéria e energia em bens e produtos, estuda o ciclo de vida dos materiais, sua reciclagem e reaproveitamento. Procura reduzir ou eliminar os impactos e efeitos colaterais da poluição e contaminação do ar, da água e dos solos.

Vários artistas expressaram esse mundo industrial em suas obras, tais como    Diego Rivera no México, Fernand Léger, os trabalhadores de  Portinari no Brasil e as fotógrafas Margaret  Bourke-White e Dorothea Lange nos Estados Unidos

Maria Helena Andrés vivenciou esse século de transformações. Na sua infância surgiu o cinema falado. Depois se inventaram a televisão, a bomba atômica, as viagens espaciais dos astronautas e os computadores. Ela desenhou, pintou e escreveu sobre essas mudanças em seu mundo e também se adaptou a elas. 

Detalhe do Painel Energia em movimento, na sede da Cemig em Belo Horizonte, 1984.


Foguete espacial, acrílica e colagem  s/tela, 1968.

Foto da matéria de José Roberto Teixeira Leite. Odisseia do espaço. O Globo, Rio de Janeiro, 03 jul. 1969.


Maria Helena fez muitos estudos preparatórios para um grande painel para o Aeroporto de Confins com radares, satélites, objetos voadores não identificados e aeronaves.

O grande painel em Confins, 1984.


Maria Helena se adaptou às tecnologias  de comunicação mantendo durante 15 anos dois blogs onde publicou textos e imagens que compõem a sua autobiografia: a vida de artista, memórias e viagens, reflexões sobre arte. 

Em sua fase construtivista, desenhou e pintou cidades iluminadas: Ela escreveu que “A pureza na arte concreta é imprescindível. Talvez seja ela a ponte que liga a arte à ciência, à matemática e à física, penetrando também no plano em que se encontram com o espiritualismo inato do ser humano.” 


Cidade iluminada. Museu Nacional de Belas Artes, Rio de Janeiro, 1955.


Maria Helena pratica em seu cotidiano a simplicidade voluntária, a frugalidade e  vive o conforto essencial, sem consumismo e com uma leve pegada ecológica. Adotou a prática de caminhar pela Terra com leveza e sem machucá-la,  atitude valorizada pelos povos indígenas brasileiros, que ela muito admira, inclusive por sua arte construtivista e busca da essência.


quarta-feira, 24 de abril de 2024

A energia na arte de Maria Helena Andrés


A energia está presente em todo o universo. O Sol é a estrela que nos aquece e ilumina.  Os vegetais crescem a partir da energia solar e servem de alimento para os animais e para os seres humanos. A ecologia energética  trata das cadeias alimentares, que são fontes de energia para o corpo humano e os corpos dos animais. Estuda como circulam os nutrientes, quais são as demandas de energia dos organismos e populações e os fluxos de energia entre os diversos componentes de um ecossistema. 

 A energia solar movimenta o ciclo da água. A energia é capturada, armazenada e colocada a serviço dos seres humanos e  produz força e luz. Cachoeiras e quedas d’água permitem o seu aproveitamento para a geração de energia elétrica. 

As diversas fontes de energia foram pintadas e desenhadas por artistas. Pintores holandeses retrataram os moinhos de vento; artistas chineses pintaram grandes usinas hidrelétricas; o quadro A grande onda, do japonês Kanagawa, mostra a energia nos oceanos. Os mobiles de Alexander Calder se movem com energia da brisa; artistas visuais na arte cinética, no vídeo , no cinema e na TV dependem de energia elétrica para movimentar suas obras.

Maria Helena Andrés  expressou vários dos aspectos em que a energia se manifesta. Nos anos de 1940, pintou em aquarelas cenas de trabalho braçal que usa energia humana e carros de bois que aproveitam a energia animal. 


Nos anos 70, na Índia, ilustrou livros com os vegetais que se nutrem da energia solar; desenhou triciclos movimentados pela energia humana e o uso da energia animal de bois, cavalos, camelos e elefantes.



Aproveitamento de energia animal - ilustrações para o livro Pepedro nos Caminhos da Índia.

O sol, principal fonte de energia para o planeta, foi retratado em ilustrações, em pinturas e em tapeçarias.


Tapeçarias para a Igreja de Nossa Senhora de Copacabana, Rio de Janeiro, 1976.

O Sol e a energia das marés - ilustração para o livro Ondas à procura do mar, de Pierre Weil.

A energia solar e dos ventos nas velas  - ilustração para o álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas, 1986.


Durante viagens pelo interior de Minas nos anos 1950, ela relata que “meu tema constante eram os postes de luz, receptores que transmitiam energia, verdadeiras esculturas colocadas na beira das estradas.”  “Eu levava um bloquinho e ia desenhando os postes de luz cortando a paisagem com suas estruturas metálicas.” Em sua fase construtivista, nos anos 1950, pintou em óleo  sobre tela a série de cidades iluminadas que “tiveram suas origens naqueles desenhos rabiscados em blocos de rascunho, onde a estrutura dos postes era uma constante. “

 Um grande painel  na sede da Cemig em Belo Horizonte retrata a energia em movimento. Ela recorda que “Sobre o fundo abstrato do painel, coloquei as “esculturas transmissoras” como forma de equilibrar a composição.” 

Painel energia em movimento - acrílica sobre tela -  sede da CEMIG em Belo Horizonte, 1984.



 Como ilustradora do livro A água fala, desenhou moinhos de vento, que aproveitam a energia eólica e as usinas hidrelétricas e rodas d’água.

Atenta ao que se passa no mundo ela escreveu que “Um país pequenino como a Dinamarca está nos mostrando sugestões para o século XXI: usar bicicletas para evitar a aglomeração de carros, e moinhos de vento para captar energia. “


Ilustrações sobre usos da energia no livro A Água fala, 2020.



Sobre sua obra, Maria Helena escreveu que “A partir dos anos 1960, toda a minha pintura foi energia em movimento: nos barcos, nos astronautas, na conquista do espaço, nos cosmos, sempre houve energia em movimento.

“A energia

 está associada 

a tudo que existe.

 Aos ventos,

 aos mares,

 às tempestades, 

aos vulcões,

 aos terremotos, 

aos rios,

 às chuvas.” 

A própria criatividade é uma forma de energia: “Existe uma força interior que une as pessoas através da arte: cantores, pesquisadores, seresteiros, pagodeiros, todos movidos por uma só energia.“ Sobre a energia interior e o autoconhecimento ela escreveu: ”É preciso rever esse desequilíbrio interno, tampar esses vazamentos de energia e atenção. E é aí que entra o que chamamos de “trabalho sobre si”. Se o ser humano quer, de fato, atingir todo o seu potencial, se quer sair desse estado vegetativo, despertar do sono que o escraviza, precisa buscar o conhecimento de si mesmo. “ Observou que “as artes têm como objetivo principal a transmutação de energias neste planeta tão cheio de violência.” “Essa captação de energias semelhantes é a essência do desconhecido que existe dentro de nós, nos subterrâneos luminosos de nosso inconsciente.“  

Como escritora, desenhista, ilustradora e pintora versátil,  Maria Helena sentiu as diversas formas pelas quais se manifesta a ecologia energética e as expressou como num caleidoscópio com muitas faces. “Corpo e alma têm de estar afinados para o chamado dessa força estranha que conduz o ser humano a uma longevidade sadia e produtiva.“


sexta-feira, 19 de abril de 2024

Maria Helena Andrés e a ecologia humana

Os seres humanos tornaram-se co-gestores da evolução no planeta.

Nossa espécie adaptou-se a diferentes situações climáticas e desenvolveu a capacidade de alterar os ambientes. O ser humano  tem necessidades básicas de alimentos, água, moradia, roupa, saúde, educação. Precisa movimentar-se, alimentar-se, recrear, trabalhar, morar, circular. Usa recursos da natureza e causa impactos sobre o ambiente, consome  e desperdiça recursos, polui e degrada.  Afetou a vida e a capacidade de sobrevivência de muitas outras espécies. 

 Tem capacidade de transformar e de restaurar os ecossistemas, de criar novas paisagens, desenvolver atitudes e comportamentos amigáveis na relação  com o planeta. Pode adotar estilo de vida de baixo impacto, a simplicidade voluntária e a frugalidade. Pode evitar relações desarmônicas de predação,  escravagismo  e opressão com as demais espécies vivas.  Podem convergir e construir denominadores comuns em direção à unidade da espécie. Somos todos terráqueos.  

A ecologia humana focaliza a nossa espécie - uma entre  as  milhões existentes no planeta - em suas relações com as demais espécies vivas e com o ambiente. 

O corpo humano foi retratado por artistas como Leonardo da Vinci, Picasso, os impressionistas, os renascentistas e por fotógrafos  como Henri Cartier Bresson e Sebastião Salgado. Ao fazê-lo, por vezes revelavam o que se passa na mente, nas emoções e na alma das pessoas.

Maria Helena Andrés pintou e desenhou figuras humanas ao longo de toda a sua vida artística desde seus estudos na Escola Guignard.

Modelo. Escola Guignard, Lápis. 1944.

Em viagens para uma fazenda no interior de Minas Gerais, pintava os trabalhadores rurais em suas tarefas.

Trabalhador rural . Aquarela. anos 1950

Em sua fase construtivista, nos anos de 1950,  desenhou figuras humanas em estilo concretista.

Estudo para quadro, 1952

Família - aquarela  1950 

Quando formou sua família, a partir dos anos 1940, fez autorretrato, desenhou e pintou seus filhos e netos. Ela escreveu: “Comecei a estudar pintura muito cedo, ainda adolescente. Desenhava retratos e caricaturas de meus familiares, nas festas de aniversário. “

Retrato de Luiz e auto-retrato, 1945, lápis.


Estudos para figura de criança - lápis - anos 1950

Bebê- aquarela - 1950

Seis irmãos  - óleo sobre tela, 1965.

Mãe e filho - aquarela  - 1976

Menina - acrílica sobre tela, 1988

Em suas viagens, desenhava os tipos humanos, tais como os da América Latina e da Índia.

Família nos Andes, Cuzco, Peru. 









Desenhou figuras humanas em ilustrações, para o livro A Água fala em 2015. 

Nos anos 2020 desenhou muitos cartões com figuras humanas, com os quais presenteou os familiares em seus aniversários e em festas e comemorações.



Em seus textos, ela sempre valorizou a Unidade Humana, para além das diversidades. E enfatizou a grandeza da natureza em pinturas como esta que revela um casal de humanos diante de um cosmos incendiado. Essas pinturas situam a escala dos seres humanos no contexto da natureza e da ecologia cósmica. Ela escreveu que “Colocar o homem como dono e não como ponto pequenino na paisagem gera uma série de erros irremediáveis.”

Maria Helena Andrés, como escritora, pintora, desenhista e  ilustradora de livros, situou o ser humano. no contexto da escala cósmica.



terça-feira, 16 de abril de 2024

A arte de Maria Helena Andrés e a ecologia espiritual


Desde suas origens os seres humanos tiveram conexões com dimensões espirituais da realidade para além do mundo físico. A partir desse impulso criaram as várias tradições que influenciam as vidas de bilhões de pessoas no planeta.

A ecologia espiritual lida com as relações dos seres humanos com aquilo que considera sagrado: Deuses e deusas, santos, elementos da natureza, fontes de energia, entes abstratos. A ecologia espiritual enfatiza a conexão do ser humano com o ambiente, o respeito  e o cuidado com a natureza, a importância da consciência e da responsabilidade ecológica.

Os artistas em todas as épocas  se conectaram com a espiritualidade. Por meio de vínculos com as religiões estabelecidas, pintaram os deuses, santos e seres sagrados. Muitas pinturas de Leonardo  da Vinci e do Mestre Athayde e  esculturas do Aleijadinho e de Michelangelo mostram  cenas da tradição cristã. Alguns artistas  pintaram a relação com a natureza sagrada, o sol, os céus, as águas, as plantas e os animais; outros retratam a busca da centelha divina dentro de si e das pessoas humanas.

A busca pelo espiritual na arte está presente em toda a obra de Maria Helena Andrés, como escritora, artista ou ilustradora. Escreveu sobre  isso em seus livros Vivência e Arte, Os caminhos da arte e Encontros com mestres no oriente. Como artista plástica,  inicialmente desenhou vias sacras e pintou Madonas barrocas. 

Estudos para Via Sacra - nanquim sobre papel 1953


Ela escreveu que  “As madonas barrocas, ligadas à nossa tradição, foram uma porta entre a Terra e o Céu, entre a Guerra e a Paz. Elas me conduziram para novos caminhos.”

Madona Barroca, óleo sobre tela, 1966.

A partir da metade de sua vida, na década de 70,  realizou várias viagens de estudo à Índia e abraçou  uma perspectiva holística e integral. Pintou mandalas, que simbolizam a unidade cósmica. Ela escreveu:  “Os meus quadros de Mandalas foram feitos para finalizar todas as fases. Mandala sempre representa um círculo em que todas as faces são iguais. É um símbolo de integração, e eu, naquela época, estava integrando todas as minhas fases, para começar a pintar em grandes espaços... Mandala é um símbolo cósmico muito usado pelos orientais em suas meditações. Os cristãos também adotam a forma circular, nos vitrais de Chartres, Notre Dame e vários outros.”  

Criou tapeçarias com mandalas  para a igreja de Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, e painéis em azulejo com mandalas para igrejas na Serra da Piedade e em Diamantina.

Fez paralelos entre os templos, procissões e deuses indianos e os santos cristãos, em ilustração no álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas. 

ilustrações no Álbum Oriente-Ocidente, 1986.




Fez várias ilustrações sobre divindades hindus para o livro infantil Pepedro nos caminhos da Índia. Algumas dessas divindades são figuras de animais, como o elefante (Ganesh), o macaco ( Hanuman) , o boi (Nandi) naquela tradição que sacraliza a natureza.

Shiva, Parvati e Ganesha, o deus elefante removedor de obstáculos.


A deusa hindu Kali, ilustração para o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia.

Sarasvati, deusa do conhecimento e das artes . Ilustração para o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia".

Como ilustradora, desenhou divindades de várias civilizações e culturas: a Iemanjá das tradições africanas e Afrodite, da mitologia romana.



Figuras: Iemanjá e Afrodite -ilustrações para o livro A água fala, 2018.


Figuras geométricas, abstratas, são expressões da essência. 

Maria Helena  realçou a dimensão espiritual na arte construtiva, não figurativa, inclusive na tradição indigena brasileira e escreveu: “A arte construtiva propõe uma forma impessoal, sem fronteiras regionalistas, que congrega os irmãos desse planeta num todo espiritual, transcendente. Isso porque o seu processo exige disciplina e muita concentração. Exige limpeza, clareza e desligamento do mundo real para a construção de uma outra realidade artística...Isto significava mergulhar dentro de si mesmo em busca da ideia primordial que se transformaria numa forma nova, completamente desligada da figuração externa. “

"A pureza na arte concreta é imprescindível. Talvez seja ela a ponte que liga a arte à ciência, à matemática e à física, penetrando também no plano em que se encontram com o espiritualismo inato do ser humano. "

Na sua busca  do autoconhecimento, escreveu que o Deus onipresente não está apenas acima de todos, lá no alto e bem longe, mas está dentro de cada um. Diversas tradições espirituais enfatizam a presença  dessa centelha divina em cada  ser humano.

Com a consciência da importância da unidade humana, escreveu que “O caminho das estrelas só poderá ser conquistado pelo homem realmente integrado e evoluído". Desenvolvendo sua própria criatividade, o homem se elevará do caos para a harmonia, da violência para a serenidade, da competição para a compreensão, da diversificação para a Unidade e do individualismo para a Totalidade.”

Artista versátil,  com obra diversificada, Maria Helena Andrés sempre caminhou em busca da unidade, da essência, da síntese, de uma visão holística que fosse além das aparências, da espiritualidade para além da matéria.