terça-feira, 12 de março de 2024

Maria Helena Andrés e as montanhas

As montanhas, com sua grandiosidade impressionante, foram mostradas na pintura, no desenho, na fotografia e nas artes plásticas.

Na arte oriental, os seres humanos e suas realizações são minúsculos diante das montanhas e da paisagem natural. No Japão,  o Monte Fuji está sempre presente nas pinturas tradicionais; na China são conhecidas as pinturas e desenhos com paisagens montanhosas. 

Henri Cartier Bresson  fotografou os Himalaias no Kashmir indiano e em seu livro Gênesis, o fotógrafo Sebastião Salgado focalizou grandes montanhas. Pintores europeus e norte americanos mostraram paisagens majestosas de cordilheiras e montanhas

No Brasil, destaca-se nesse tema  Alberto da Veiga Guignard. Ele viveu grande parte de sua vida em Minas Gerais. Guignard admirava e retratava a grandiosidade das montanhas e se sentia bem nesse ambiente.  Sua aluna Maria Helena Andrés escreveu que “Em carta a Portinari, Guignard dizia: "Sabes que sou montanhês e por isso, forte de saúde". As montanhas lhe ofereciam cenário para paisagens líricas, transparentes, igrejas surgindo da bruma, balões coloridos subindo aos céus.”

Alberto da Veiga Guignard - Paisagem imaginária - 1947

A destruição das montanhas no entorno de Belo Horizonte foi objeto de atenção dos artistas e poetas. “Olhe bem as montanhas”, foi um adesivo que circulou nos anos de 1970, criado por Manfredo de Souzanetto. Em 1976, Carlos Drummond de Andrade publicou o conhecido poema Triste Horizonte, que denunciava a destruição da Serra do Curral, em Belo Horizonte. Naquele mesmo ano Maria Helena Andrés pintou o quadro intitulado O Guardião das Montanhas.  Sobre essa obra, ela escreveu que: “O quadro foi pintado movido por uma necessidade interior de preservar, defender e guardar a natureza. Ele está no  limite entre o figurativo e o abstrato, entre a terra e o céu. Embaixo,  as montanhas, bem figurativas e, riscando o céu,  incisivamente, o gestual direto  e firme do guardião.”

Maria Helena Andrés, cidadã do mundo pelas viagens e estudos que realizou em diversos países, sempre retornou a sua terra natal, Belo Horizonte, no montanhoso quadrilátero ferrífero de Minas Gerais. As grandes montanhas são objeto de sua atenção, na pintura, na escultura, na fotografia e em seus textos. 


Em 2021, instalou uma escultura em aço,  intitulada “A guardiã das montanhas”, ao lado de sua casa no Retiro das Pedras, diante do vale do Paraopeba e a região do córrego do Feijão onde  ocorreu o grave episódio conhecido como o desastre de Brumadinho, com muitos mortos e  desaparecidos, além de grandes prejuízos econômicos, danos sociais e psicológicos.



Maria Helena Andrés e a escultura   A Guardiã das Montanhas.


 . Ela testemunha a ação de seres humanos, pequenos diante da grandeza da natureza, que corroem, escavam, poluem, criam feridas na paisagem natural, um prejuízo estético irreversível. Ela fotografou as rochas, observou o avanço humano sobre as montanhas, deu  entrevistas para jornais e fez depoimentos em vídeo, tendo expressado por diversos meios sua consciência ecológica.

 





quarta-feira, 6 de março de 2024

Alberto da Veiga Guignard e Maria Helena Andrés em duas exposições

              Guignard foi o primeiro grande mestre de Maria Helena, marcando a sua trajetória durante mais de 80 anos de arte.


Guignard e as alunas da primeira turma: Amarilis Coelho, Maria Helena Andrés e Edith Bhering, 1944

 

Na exposição Conversas entre coleções, na Casa Roberto Marinho, no Rio de Janeiro, uma paisagem com balões de Guignard está colocada ao lado de um quadro construtivo de balões flutuando no ar, de sua ex-aluna Maria Helena, mostrando o diálogo entre as coleções de Roberto Marinho e de Márcia e Luiz Chrysostomo. 

Os dois artistas expressam uma visão lírica de festas e balões presentes na infância,  Guignard relembra as festas de São João e Maria Helena as brincadeiras de crianças.

“Quando eu era menina, gostava de soltar papagaios na rua. Era um prazer vê-los subir, ganharem os céus, seguirem o vento, sustentarem-se no ar. Fazíamos nós mesmos os papagaios de papel de seda e a disputa entre os amigos era de ver quem chegava mais longe, mais perto do céu.”

Alberto da Veiga Guignard, Noite de São João, óleo s/madeira, 1961 e Maria Helena Andrés, Pipas, óleo s/tela, 1955.

               

Na exposição A paixão segundo Guignard, realizada no Palácio das Artes em Belo Horizonte, com curadoria de Paulo Schmidt e Claudia Renault, Maria Helena está presente com algumas obras de suas diversas fases, destacando-se as obras de sua coleção e das coleções de seus familiares.

 Da fase figurativa está sendo apresentado um desenho de grafite sobre papel e duas pinturas  em óleo sobre madeira e óleo sobre cartão.  

Maria Helena desenha com a precisão do lápis duro o seu autorretrato, seguindo os ensinamentos de Guignard que exigia a observação cuidadosa da figura humana, assim como faziam os artistas renascentistas.

                                                       Autorretrato, grafite  s/papel, 1945

  

Uma das pinturas figurativas é a paisagem urbana de Belo Horizonte sobre a qual ela escreveu:

 É uma lembrança do meu quarto de solteira. Da minha janela eu registrei nesse quadro a paisagem que eu via em minha frente, a cidade de Belo Horizonte. Naquela época não existiam prédios altos em Belo Horizonte. Vejo no quadro uma parte do Colégio Sagrado Coração de Jesus, telhados e mais telhados, o Colégio Padre Machado, muitas árvores e o céu de Minas se estendendo sobre as casas.”

                               Paisagem de Belo Horizonte, óleo s/madeira, 1944

 

 A outra pintura retrata, de forma expressionista, o ateliê da Escola Guignard, com os materiais de pintura no primeiro plano e as alunas pintando, entre pincéis e tintas, ao fundo.

                                            Ateliê da Escola Guignard, óleo sobre cartão, 1947

  

 Da fase construtiva, Maria Helena expõe uma pintura que tem como referência a mãe e o filho, um tema recorrente em sua obra com forte viés espiritual, lembrando a Madona acolhendo o seu filho.  Nesta pintura as figuras são geométricas, as linhas são contínuas e as formas, em laranja e amarelo,  contrastam com o fundo verde.

                                                             Mãe e filho, óleo  sobre tela, 1953.

  

Também está apresentada, nesta exposição, a pintura  O Guardião das Montanhas, de sua fase abstrata, no qual a presença humana é pequena diante da grandiosidade das montanhas e dos céus.  Este quadro foi pintado em 1976, no mesmo ano em que Carlos Drummond de Andrade escreveu o seu famoso poema Triste Horizonte, em que denunciava a destruição das montanhas de Minas. O recurso de colocar os seres humanos e as pequenas cidades minúsculas diante dos grandes espaços naturais foi usado na pintura chinesa e também por Guignard nas suas paisagens imaginárias pintadas em Minas Gerais, como aquela que está exposta na Casa Roberto Marinho. 

 O guardião das montanhas, acríl. s. tela, 1976

 

O diálogo de Maria Helena Andrés com seu mestre Alberto da Veiga Guignard, que começou na década de 1940, continua até hoje presente nas paisagens imaginárias dos dois artistas que são apaixonados por Minas Gerais.

 

Marília e Maurício Andrés Ribeiro

terça-feira, 5 de março de 2024

MARIA HELENA ANDRÉS E A INTEGRAÇÃO ENTRE O BRASIL E A ÍNDIA


Ilustração do álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas

Maria Helena Andrés é a artista plástica brasileira que mais se empenhou em promover a integração entre o Brasil e a Índia e que mais contribuiu para o conhecimento, no Brasil, sobre a cultura indiana. Ela o fez pioneiramente, a partir da década de 70, numa época em que, no Brasil, pouca atenção era dada às relações culturais com a Índia. 

Maria Helena identificou-se com a cultura da Índia. Por meio de imersão no cotidiano, desbravou o país, estudou a filosofia e a arte numa perspectiva ampla, absorveu o espírito e a postura cósmica dos indianos. As inúmeras viagens à Índia em busca da integração refletiram-se na sua obra teórica e plástica.  Seguiu sua intuição e sua atração pessoal por aquela cultura, em prol do desenvolvimento da consciência.

Tal intercâmbio resultou em textos publicados em seus livros. No livro Encontro com Mestres no Oriente (1993), discorre sobre suas viagens e reflexões no Japão, Tailândia, Nepal e Índia, focalizando mestres como o Mahatma Gandhi, Sri Ramakrishna, Sri Aurobindo, Sri Ramana Maharshi, Jiddu Krishnamurti, Swami Dayananda, Vimala Thakar, sendo que com os dois últimos teve convivência pessoal.

No livro Os caminhos da Arte (3ª edição em 2015), aproxima a arte moderna da arte oriental, enfatizando a importância da intuição, da liberdade de criação e da arte estendida à vida na prática da pintura, poesia, fotografia, música, teatro e dança.

Ilustrou o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia" (1984 e 2007), de autoria de Aparecida Andrés, que relata a viagem de um menino brasileiro naquele país. De seus estudos  resultou o álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas (1984).

         Várias reflexões sobre as viagens à Índia foram publicadas em seus blogs Minha Vida de Artista e Memórias e Viagens: www.mariahelenaandres.blogspot.com  

Essa integração e o intercâmbio promovido por Maria Helena Andrés têm um significado especial nesse momento de crise da civilização, nessa etapa da história e da evolução humana em que a Ásia readquire centralidade e importância globais e na qual a cosmovisão indiana, no mundo pós colonialista, passa a ser novamente valorizada.


sexta-feira, 1 de março de 2024

Maria Helena Andrés escreve sobre Guignard educador


http://3.bp.blogspot.com/-prtBi4nakNg/VpT04qrJbWI/AAAAAAAAE8o/GROk9-CK73w/s320/foto%2B13.tif

O mestre Guignard entre seus alunos e alunas

Maria Helena Andrés escreveu que “Em 1944, quando Alberto da Veiga Guignard foi convidado pelo então prefeito Juscelino Kubitscheck para liderar a Escola do Parque Municipal em Belo Horizonte, fui uma das primeiras a me inscrever no curso.”

“Éramos 40 alunos, jovens cheios de vida, pertencíamos à primeira geração de artistas que estudou com Guignard em Minas: Amílcar de Castro, Mário Silésio, Marilia Giannetti, Mary Vieira, Nelly Frade, Gavino Mudado, Leda Selmi Dei Gontijo, Heitor Coutinho, Arlinda Corrêa Lima, Farnese Andrade, Letitia Renault, Jeferson Lodi, Petrônio Bax, Vicente Abreu e Wilde Lacerda. Fomos direcionados por um mestre que viera do Rio para nos conduzir. Guignard viera cheio de ideias novas, trazendo panoramas abertos para o aprendizado de arte em Minas. Deixara o Rio de Janeiro, onde já era considerado um dos maiores professores de arte do Brasil e também um dos maiores artistas brasileiros.”

“Guignard foi antes de tudo um grande educador.

O encontro com Guignard possibilitou-nos um descondicionamento das fórmulas acadêmicas. Todos os alunos receberam da mesma fonte, mas cada um seguiu uma direção diferente.

Guignard abriu as janelas da criatividade em Minas

e deixou entrar luz.

A ele se achegaram aqueles que estavam preparados

para a grande viagem.”

“Guignard promoveu a ruptura do academicismo que se instalara em Minas Gerais. Fomos pioneiros de novas ideias e de uma nova arte. Ali, debaixo de árvores frondosas, à sombra de bambuzais, nós nos dispúnhamos a buscar dentro de nós mesmos uma recriação da natureza. O mestre estava ali para nos incentivar. Jogava uma pedra no lago para observarmos os círculos que ali se formavam, mandava os alunos observarem as nuvens no céu, as árvores e as raízes retorcidas. Os alunos observavam a natureza e desenhavam com lápis 6H. O lápis duro não possibilitava o uso da borracha e os alunos ficavam atentos aos detalhes da natureza. No silêncio, eles também descobriam a própria natureza interna. ““Paralelamente ao desenho de observação, ensinado debaixo das árvores, Guignard nos orientava também, dentro do ateliê. Fazíamos retratos e figuras do natural, como nas academias de Belas Artes. 

Muitas vezes acompanhávamos Guignard a Ouro Preto, para desenharmos aquela cidade histórica, e ao Rio de Janeiro para expormos nossos trabalhos.“

“Guignard reviveu de maneira quase única o antigo mestre, figura desaparecida nos tempos modernos. Atualmente, o ensino se distribui em diversas cátedras, com horários marcados e contato reduzido do professor com os alunos. Anteriormente às academias de Belas Artes, o mestre - fosse ele filósofo ou artesão - trabalhava lado a lado com seus aprendizes e a eles se misturava, sem preocupação de superioridade, desejando apenas transmitir experiências. Assim foi Guignard, o mestre moderno, que ensinava uma arte de vanguarda, não ditava leis, mas fazia o aluno descobrir o equilíbrio e a proporção no próprio trabalho, sem demonstrações dogmáticas (...) Mais do que ninguém, Guignard conseguia vislumbrar a coisa nova, a individualidade que se revela na variedade de temperamentos humanos, agora estudados com grande interesse à luz da psicologia moderna. Observações feitas à margem de um catálogo, referindo-se às tendências de cada aluno em particular, revelam esse senso profundo para descobrir vocações e conhecer temperamentos.” (Trecho do meu livro “Os Caminhos da Arte”, Editora COM/ ARTE, 2015)

“Seu método de ensino, baseado no despertar pessoal de cada aluno, assemelhava-se aos ensinamentos de Johannes Itten na Bauhaus de Weimar, na Alemanha.

Guignard significou para mim a abertura para o novo, o despertar da minha energia de criatividade. Precisava largar a iniciação acadêmica e partir em busca de maior liberdade dentro da arte. Encontrei-a no convívio com os colegas, no ambiente do Parque Municipal, na poesia da natureza. Guignard abria a percepção e a sensibilidade dos alunos mostrando anjos e guerreiros nos muros velhos, mandalas nas águas do lago, e as formas abstratas que se formavam nas nuvens.”


“Reparem os céus de Minas Gerais, são de um azul metálico, brilhante...” Assim íamos seguindo o mestre e nós desenvolvemos à luz do seu entusiasmo. Abrir a percepção, descobrir a peculiaridade de cada aluno era seu lema constante.”


quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

Maria Helena Andrés como professora e diretora da Escola Guignard


Maria Helena Andrés estudou na primeira turma da Escola Guignard nos anos 1940, foi professora e diretora  nos anos 1960 e nos anos 2020 tornou-se professora emérita.  Ela escreveu vários textos sobre Guignard como um mestre generoso, baseados em sua vivência cotidiana com ele. 

No texto a seguir ela narra um episódio dramático na história da Escola Guignard.


Atelier na Escola Guignard- Maria Helena Andrés

“Na década de 60 eu era professora da Escola Guignard e ali ocupava a cadeira de desenho de criação. A Escola estava situada no parque municipal de Belo Horizonte, nos porões do Palácio das Artes. Ali Guignard e Franz Weissmann lecionaram; mais tarde seus alunos os substituíram. A Escola era pobre, sem recursos, mas rica em talentos. Vários artistas saíram dali e seguiram mais tarde seu próprio caminho. 

          Eu era vice-diretora da Escola Guignard, Pierre Santos era o diretor.

          A Escola, situada no Parque Municipal de Belo Horizonte, sob o Palácio das Artes em construção, não vivia momentos de prosperidade econômica. Quando chovia, as salas se alagavam.

Passamos, naquela época, por momentos difíceis, mas sempre com a chama do entusiasmo nos conduzindo. Entusiasmo, significa “Deus dentro” e, realmente, éramos conduzidos por energias superiores.

          Um dia, Pierre convocou os professores para anunciar que a Escola acabaria por falta completa de recursos. Entregou-me a diretoria com a finalidade de resolver o problema. Levei o maior susto, mas não perdi o entusiasmo.

          Convoquei novamente os professores para uma tomada de consciência.

- “Vamos em frente!”

          Foi quando eu me lembrei dos ex-alunos de Guignard. Fui à casa de cada um deles para pedir ajuda. Expliquei o que estava acontecendo.Procurei vários ex-alunos e todos se prontificaram a dar aulas voluntariamente, sem nenhuma remuneração, até que a crise passasse.

- “Vocês vão nos ajudar a manter a Escola de pé!”

- “Quem estaria disposto a dar aulas gratuitas, sem receber nada?”

          A turma foi de uma solidariedade muito rápida, imediata.

- “Estamos prontos para colaborar”.

          Sara Ávila, Solange Botelho, Ione Fonseca, Wilde Lacerda, Lizete Meimberg, entre outros se prontificaram a dar aulas gratuitas para salvar a Escola. Foi assim que os artistas ganharam a solidariedade de seus colegas e professores de arte.

          Em seguida, reunindo a equipe de professores, fomos aos políticos para oficializar a Escola. Tomamos a decisão de procurar apoio no governo de Minas. Acenamos para os poderes públicos em busca de ajuda. Recorremos ao Dr. José Guimarães Alves, diretor da Imprensa Oficial, que imediatamente nos prometeu ajuda. Ele nos sugeriu anexar a escola à Imprensa Oficial e, por algum tempo, o Dr. Guimarães foi o nosso diretor. Lembro-me das reuniões improvisadas debaixo das árvores. Foi uma época tumultuada, cheia de imprevistos, mas também coroada de êxito. A solidariedade e o idealismo prevaleceram sobre a iminente derrota. Era necessário oficializar a Escola. A fim de legalizar o pagamento dos professores o novo diretor organizou um concurso público de Notório Saber ou Vênia Leandia. Todos fomos concursados e, de acordo com a lei, passamos a pertencer ao quadro de funcionários da Imprensa Oficial. 

          Esses acontecimentos foram fundamentais para o ressurgimento de uma Escola, que era considerada, desde a sua fundação, como a melhor Escola de Arte do Brasil, tendo à frente um dos maiores pintores brasileiros: Alberto da Veiga Guignard!

Na década de 70 pedi demissão da Escola Guignard para me dedicar às minhas pesquisas na Índia e preferi me aposentar pelo INSS.”


quarta-feira, 21 de fevereiro de 2024

A água e a arte de Maria Helena Andrés

 

No mundo contemporâneo da emergência climática, falta e excesso de água são situações frequentes que causam transtornos à vida humana.  As artes, com seu poder de despertar as emoções, são meios poderosos para promover a hidroconsciência  e os artistas cumprem um papel relevante na sensibilização para a água. O tema da água inspirou vários artistas, destacando-se entre eles Claude Monet, com suas  paisagens aquáticas, o japonês Hokusai, o americano David Hockney, os brasileiros Burle Marx, Iberê Camargo  e os participantes do movimento de artistas pela natureza, impulsionado por Bené Fonteles.

A presença da água na obra de Maria Helena se estende por muitas décadas e assume diversas formas. Em 1944, ela pintou seu primeiro barco, ancorado na baía de Guanabara, no Rio de Janeiro, ainda com a influência figurativa de Chambelland, seu primeiro professor de arte.

O primeiro barco, Rio de Janeiro, 1944.

Tendo se mudado para Belo Horizonte, foi uma das primeiras alunas de Guignard, chamado pelo então prefeito Juscelino Kubitschek para abrir uma escola de artes em Belo Horizonte. A escola de Guignard ficava num porão do Palácio das Artes, no parque municipal. Ali ele ensinava arte ao ar livre. Maria Helena pintou o lago do parque municipal, com seus barquinhos e sua ponte em arco. A influência de Guignard já se faz visível.

Lago do parque municipal, Belo Horizonte. 1944

Vivendo por décadas no alto das montanhas, em Brumadinho, Minas Gerais,  ela testemunha cotidianamente as variações nos céus de Minas, devido à presença da água na atmosfera. Em sua fase abstrata informal, ela pintou as paisagens celestiais dos céus de Minas, com suas nuvens que se movimentam e transformam e que por vezes lembram figuras e símbolos. Atenta ao momento presente, ela fotografou uma Asa de Anjo que apareceu no vapor de água das nuvens, e logo  em seguida desapareceu com o vento. O abstrato da nuvem se tornou uma figura e logo em seguida assumiu outra forma.

Nuvens no céu

Descrição gerada automaticamente

Asa de anjo. Fotografia. 2000.

Em 1986, pintou um  painel com paisagens celestiais intitulado Plataforma Espacial, para o Aeroporto Internacional de Confins. (metade desse grande painel desapareceu por ocasião das reformas e da privatização do aeroporto; outra metade encontra-se lá exposta). 

O painel original para o Aeroporto de Confins.1986

 Num quadro ela homenageia o  cometa Halley, cuja cauda é feita de gelo. Quando se busca vida em outros corpos celestes, o primeiro sinal dessa possibilidade é a existência de água, presente no cosmos.


Homenagem ao cometa Halley, 1986.

Em 2007, Maria Helena fez uma exposição na Copasa, em Belo Horizonte, intitulada O Caminho das águas.

Uma imagem contendo no interior, quarto, pequeno, pintado

Descrição gerada automaticamente

Em 2023, um grande painel em azulejos para a Igreja de N.S. Aparecida em Diamantina retrata o rio Paraíba do Sul e o milagre dos pescadores que de lá retiraram a imagem da santa.

O Milagre da pescaria. Painel na Igreja de N.S.Aparecida, Diamantina, 2023.

Em 2023, depois de muitas décadas sem focalizar o tema, a ONU finalmente promoveu em Nova Iorque uma conferência mundial sobre a água. Entre as centenas de eventos paralelos aprovados, um dos poucos que abordaram a arte foi o Instituto Maria Helena Andrés (IMHA). Em uma live  Live Water and Arts - Side Event of UN 2023 Water Conference - Água e Artes - evento paralelo (youtube.com , o IMHA apresentou a obra  de Petrônio Bax  e Maria Helena e convidou vários artistas para  se expressarem sobre o tema da água -  João Diniz, Isabela Prado, Thereza Portes, Fabrício Fernandino, Ivana Andrés.  A linguagem da arte é um poderoso meio para expandir a hidroconsciência, sensibilizar e dissolver a hidroalienação, trabalho que Maria Helena Andrés realizou durante oito décadas de sua vida artística.

Folder de divulgação de evento paralelo do IMHA na conferência da ONU sobre água. 2023


segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

A escala cósmica na obra de Maria Helena Andrés


Maria Helena Andrés é uma  cronista dos seus tempos e cada fase de sua obra artística reflete e expressa as circunstâncias e conjunturas que viveu. Assim foi com sua fase espacial. 

Maria Helena testemunhou a  aventura dos astronautas. Com a chegada do homem à Lua, a era espacial tomou impulso nos anos 1960 e aqueles fatos extraordinários impressionaram a artista.  No quadro intitulado Dom Quixote no espaço, um ser solitário contempla os esplendores do cosmos.

Dom Quixote no espaço, acrílica sobre tela, 1973.

Num dos quadros desta fase espacial, um pequeno casal de terráqueos contempla um cenário  de proporções grandiosas incendiado pelo fogo do sol.

Viagem interplanetária, acrílica sobre tela, 1969.


Ela demonstra aqui a inspiração que teve de seu mestre Guignard, que ao pintar as paisagens imaginárias de Minas Gerais, enfatizava a grandiosidade dos céus e das montanhas e  salpicava nelas as  cidades, igrejas e balões.


Alberto da Veiga Guignard. Paisagem imaginária.1950.

 



Em 1970 ela visitou o Japão durante a Exposição internacional de Osaka e  admirou, no meio do avanço tecnológico, também o amor à natureza, demonstrado através dos jardins de meditação.

Ao observar a força das ondas do mar  e das montanhas, diante do  pequeno barco de pescadores no ambiente, ela escreveu então: “Na filosofia Zen o homem desaparece dentro da paisagem. A montanha resiste, afronta tempestades, ventanias e às vezes terremotos, mas só uma energia muito grande consegue derrubá-la.” 

A grande onda de Kanagawa, mestre Hokusai, xilogravura, 1830.

Ela demonstrava aguda consciência ecológica ao apontar o erro do antropocentrismo e ao  valorizar a natureza. Ela escreveu que “Colocar o homem como dono e não como ponto pequenino na paisagem gera uma série de erros irremediáveis.”

 Maria Helena foi além de Guignard e dos artistas japoneses, que mostraram a grandiosidade da paisagem no planeta Terra. Ela expandiu a escala dos espaços que retratou e ao faze-lo chamou a atenção para o fato de que essa grandiosidade é relativa. Ela torna-se minúscula diante do cosmos.

Ela enfatizou a dimensão cósmica do espaço sideral, no qual um  planeta azul,  gira em torno de uma estrela de quinta grandeza - o Sol - numa periferia da via Láctea, uma das bilhões de galáxias do Universo. 

Visto do cosmos, ressalta a unidade do planeta cheio de pequenas vidas e de consciências, que incluem as de nossa espécie, o homo oecologicus ainda em formação.