Maurício Andrés Ribeiro
Conta-se que um pesquisador propôs uma competição a crianças
famintas de uma tribo africana. Colocou uma cesta com frutas a 20 metros delas
e disse: "Quem chegar primeiro, fica com o cesto todo”. Mas quando deu o
sinal de partida, as crianças deram as mãos e correram juntas para o cesto.
Sentaram-se e, em conjunto, degustaram todas as frutas. Quando o pesquisador
lhes perguntou por que fizeram isso, elas responderam:
"Ubuntu - como pode um de nós ser feliz quando todos os outros estão tristes?” Ubuntu significa para elas "Eu sou porque nós somos”.
"Ubuntu - como pode um de nós ser feliz quando todos os outros estão tristes?” Ubuntu significa para elas "Eu sou porque nós somos”.
Numa cultura comunitária, a ação coletiva busca o bem comum
e a cooperação para não deixar ninguém para trás. Numa cultura competitiva
busca-se benefícios individuais e particularistas e usa-se o poder político
para privilegiar os amigos: “A esfera da política
coincide com a da relação amigo-inimigo” e em situações de antagonismos,
defende-se os amigos e combatem-se os inimigos: “Enquanto houver política, ela
dividirá a coletividade em amigos e inimigos.” (Bobbio, Matteuci e Pasquino
(1986, p. 959), no Dicionário de política.). Outra expressão corrente na
política, que a divide entre os amigos e os outros diz “Para os amigos, tudo; para
os inimigos, a lei.” Aí se expressa a prática política de aproveitar-se da
condição de amigo do rei para obter benefícios para si, sacrificando o
interesse público em função de interesses particularistas.
Redefinir a amizade é redefinir a
política.
Pode-se expandir a abrangência da
amizade e outros membros da comunidade da vida. Defendendo hábitos de consumo
ecologicamente amigáveis e de alta economia energética, George Bernard Shaw
justificava seu vegetarianismo dizendo que “Os animais são meus amigos; e eu não
como meus amigos.” Defendia a amizade pelas espécies da biodiversidade e não
apenas pelo círculo das amizades humanas. No Brasil, expressão popular trata pejorativamente
da amizade com os animais, como no caso da expressão “amigo da onça”. Mas há muitos casos em que os afetos humanos
se dirigem para animais domésticos, gatos e cães, os melhores amigos do homem. Tradições
espirituais, como a de São Francisco de Assis, estendem sua amizade aos
animais.
As redes sociais que se formam a partir da internet
são uma tecnologia de relacionamento que altera o significado da amizade e do
que é ser amigo. O conjunto de meus amigos no Facebook inclui desde pessoas com
quem tenho relacionamento próximo - esposa, filhos, mãe, irmãos - até
familiares, antigos colegas de escola reencontrados virtualmente, ex-empregadas
domésticas conectadas na rede social, antigos professores que moram em outro
lado do mundo, colegas de trabalho antigos e atuais. Meus amigos virtuais
compõem um conjunto de milhares de pessoas, muitas das quais não conheço
pessoalmente, mas de quem recebo mensagens, a quem envio aquilo que penso e que
me motiva, com quem comento impressões sobre assuntos variados, com quem
compartilho informações.
A tecnologia das redes sociais facilita que esse
conjunto de pessoas saiba a data de meu aniversário e me cumprimente, à
distância, sem contato verbal ou pessoal. No dia de meu aniversário recebo
delas dezenas de mensagens com desejos de felicidade e saúde e retribuo os bons
votos. Eu também as cumprimento e lhes dou parabéns pelas suas datas e feitos,
demonstro solidariedade quando sofrem alguma perda, curto as mensagens que me
sensibilizam. Lanço mensagens como as garrafas que um náufrago lança ao mar,
para que sejam compartilhadas, espalhadas, curtidas, comentadas, dando-me a
sensação de que não estou sozinho.
A rede aproxima pessoas física e socialmente distantes
e que não teriam muita oportunidade de conversar entre si. Ha ainda um processo
de difusão de conhecimentos e de informações, de nivelamento cultural. Tudo
isso é parte da nova ecologia e tecnologia dos relacionamentos humanos. Atualmente acontecem conflitos e
desentendimentos nas redes sociais entre antigos amigos ao exporem suas ideias políticas
ideológicas, religiosas sem tato ou discrição. Muitas pessoas optam por se desconectar, se
isolar do ambiente toxico e agressivo que se forma virtualmente. O
relacionamento promiscuo gera tensões e conflitos, rupturas de relações,
inimizades. Aprender a se relacionar de modo respeitoso nas redes sociais é um
aprendizado útil no mundo atual.
Os Brahma Kumaris, praticantes da raja ioga definem
que “É nos nossos relacionamentos que podemos realmente conhecer a nós mesmos.
Somos um espelho para o outro. O que damos aos outros através de nossos
pensamentos, sentimentos e atitudes é o que damos a nós mesmos. Nossos
relacionamentos são o aprendizado real, a sala de aula, o laboratório da vida.
Relacionamento não é simplesmente estar junto com os outros. Relacionamento é
compreensão, construção, nutrição e carinho. Cada interação traz uma lição.”
Oxalá possamos cultivar amizades físicas e pessoais,
além de regular nossos relacionamentos virtuais apreendendo a conviver
harmonicamente com antigos e novos amigos.
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