Maurício Andrés Ribeiro (*)
A violência física, com
homicídios e agressões, é a ponta do iceberg de uma violência mais geral, que
se inicia nos sentimentos e emoções, nos pensamentos
e nas palavras. A violência física é um estágio avançado que muitas
vezes sucede a violência verbal ou na comunicação, a qual por sua vez pode
suceder a violência mental existente nos pensamentos e sentimentos.
Quando um adolescente que sofreu bullying
volta armado à sua escola e mata seus colegas, uma ação que não é crime, mas
que é uma forma de comunicação violenta (caçoar ou zombar de alguém ou de algo)
induz a uma ação criminosa (atirar e matar).
A comunicação pode ser
violenta ou não-violenta. [1] Um bom modo de prevenir na sua origem a escalada de
violência na sociedade é adotar as práticas da comunicação não -violenta. Pensamento,
sentimento e emoção não violentos estão na raiz da comunicação não-violenta. Eles
ajudam a prevenir a violência física, a criminalidade e a insegurança.
Mahatma Gandhi aplicou
o princípio da não-violência, ou ahimsa, quando da luta de libertação
da Índia. Valeu-se também do princípio da satyagraha, ou experiência
com a verdade. O compromisso com a verdade é um princípio poderoso para a
comunicação não-violenta. Tal postura é
pragmática para aumentar as chances de êxito dos menos truculentos ou menos
armados. Pode significar o êxito da inteligência contra a força bruta.
Palavras e imagens na
comunicação podem ser armas poderosas que precisam ser usadas com cuidado e
precisão. O uso leviano delas pode se voltar como um bumerangue e atingir quem
as usa. Submersos e invisíveis nas mensagens
escondem-se necessidades, interesses, crenças, desejos, sentimentos,
pensamentos, emoções e preconceitos. Mensagens
podem ser portadoras de verdade, mentira, meias verdades; podem evocar
beleza ou feiura; podem transmitir bondade ou maldade. Podem injuriar, difamar,
ironizar, alfinetar e ferir, caçoar e zombar, insinuar maldosamente. Nesse
sentido são armas, para ofender, atacar e se
defender de ataques adversários. Nas relações interpessoais, todos nós
experimentamos momentos de comunicação harmônica e veraz e momentos de
comunicação tensa ou truncada, com mensagens subliminares ou manipulações
estratégicas.
A internet e a mídia
são campos de batalha onde se disseminam milhões de informações todo o tempo.
Na mídia e nas redes sociais assiste-se a uma guerra virtual de ideias, com
ataques e contra-ataques, com agressões à honra, agressividade, falta de
cortesia. Na guerra da comunicação e da informação, as palavras e imagens são
armas poderosas. Nesse ambiente, disseminam-se inverdades plantadas por quem
interessa corroer a imagem de oponentes, adversários ou inimigos. A falta de
relação com a verdade, a hipocrisia, a dissimulação, os enganos e autoenganos,
a mensagem agressiva e ofensiva, insultuosa e não verdadeira são formas de uso
violento da comunicação. No ambiente virtual há múltiplas facilidades para
manipulação de informações, edição e montagens, fazer passar ficção por
realidade, criar factoides, fake news, mentiras e enganos. Os meios de
comunicação, com a propaganda e a publicidade, com frequência usam técnicas de
manipulação das consciências com finalidades comerciais ou de dominação política.
Pode ser que a
violência física no Brasil se reduza ao se evitar a violência nas mensagens e
na comunicação e ao se reduzir aquela contida nos pensamentos e nos
sentimentos. A
violência nas escolas brasileiras, antes de ser física, é uma violência verbal
e mental.
A construção de uma
cultura da paz exige transformação de valores, mentalidade e comportamentos. A
UNESCO já reconhecia a necessidade de trabalhar a paz dentro de cada pessoa
quando adotou a seguinte frase como introdução ao ato que a constituiu: “Se as
guerras nascem no espírito dos homens, é nos espíritos dos homens que devem ser
erguidos os baluartes da paz.”
A falta de fraternidade induz a violência. Liberdade de expressão sem fraternidade e respeito pelos
outros pode ter resultados violentos e criminosos, como mostram episódios de
comunicação no Brasil e no exterior. Toda ação gera uma reação, que pode ser
desproporcional quando envolve fundamentalismos religiosos. O
sábio indiano Sri Aurobindo observou que
a fraternidade é a chave para viabilizar a liberdade com igualdade.
Mensagens podem
inspirar, promover virtudes, despertar sentimentos edificantes. O cuidado com as mensagens e com a linguagem integra o esforço de
aprimoramento da evolução humana. Gentileza,
cortesia, cordialidade, empatia e compaixão, fraternidade e amor são atitudes
que podem promover encontros, cooperação e compreensão e desarmar escaladas de violência a partir da comunicação.
(*) Autor dos livros
Ecologizar, Tesouros da Índia, Meio Ambiente & Evolução Humana.
[1] Marshall Rosenberg escreveu o livro Comunicação não-violenta,
no qual desenvolveu técnicas para aprimorar os relacionamentos pessoais e
profissionais. Dominic Barter oferece cursos sobre o tema em português. Ver https://www.youtube.com/watch?v=Frg2Qc2AzCs
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