terça-feira, 11 de agosto de 2020

Pandemia, morte e espiritualidade

Maurício Andrés Ribeiro


A presença da morte desperta um sentimento do mistério da vida e de sua fragilidade. 

A proximidade da morte muda a sintonia da consciência, das preocupações mundanas com os objetos e coisas materiais, para questões imateriais e intangíveis relacionadas com a própria existência. As preocupações materiais tornam-se pequenas diante da perspectiva de uma perda maior, a da própria vida.  A pandemia, com seu vírus invisível, tem o condão de provocar essa mudança de sintonia.
Diante do vírus,  filósofos  pensam sobre a proximidade da morte, a surpresa, a incerteza e o terror,  o não sabido, o futuro imprevisível. Edgar Morin  especula se os desconfinados depois das quarentenas retornarão às normoses egoístas e consumistas ou se renascerá uma vida convivial e amorosa, consciente da interdependência. Peter Sloterdijk fala da coimunidade, o compromisso individual voltado para a mútua proteção geral, com solidariedade. Observa que o consumo frívolo sofreu um duro baque e que a tendência a voltar ao estado anterior por inércia e comodismo pode não se realizar. Na linha  do pensamento  oriental, ele afirma que tudo está em mudança, que estamos aprendendo uma nova gramática. Antropóloga  opina que a pandemia vai alterar  a história   e que tudo vai ser reinterpretado, em novas narrativas. Teólogo fala do necroceno, uma época que tem a morte presente. Escritora denuncia o patriarcalismo e propõe uma sociedade mais feminina, saindo de um pesadelo  em direção a um sonho e uma utopia possíveis. Há quem  divida a história em aC/dC- antes e depois do coronavirus e que proponha apertar o botão de reiniciar e fazer um reset.
A pandemia acelerou a reflexão sobre a ciência, suas controvérsias, os limites do conhecimento científico e dos processos mentais,  a insegurança e a segurança,  certezas e incertezas.
Nesse contexto, há mais perguntas do que respostas. Os limites da ciência para encontrar respostas aos riscos percebidos induzem a um fortalecimento das crenças e da fé, e à negação da  própria ciência. Diante da fragilidade da vida, da vulnerabilidade e da morte próxima, há reações de rezar pela proteção divina diante do desconhecido. Revigoram-se religiões com suas narrativas grandiosas e abrangentes sobre a vida terrena,  o apocalipse, as tragédias, a ansiedade diante do futuro desconhecido e perigoso. Busca-se proteção num salvador e em uma narrativa que traga conforto e tranquilidade. Novas superstições reagem a novas ameaças.
A pandemia ajudou a valorizar a espiritualidade, o Ioga e a meditação como modos de prevenir os distúrbios emocionais e mentais associados à imprevisibilidade e aos riscos de perdas que ela traz.
A dimensão transcendente e espiritual da ecologia se tornou mais presente,  utopias foram revalorizadas, para além dos aspectos utilitários e pragmáticos de um ambientalismo aparentemente realista, mas que expressa um conformismo com o status  quo.
A grande transformação proporcionada pela pandemia é uma transformação na consciência humana.
A espiral da evolução, da matéria à vida e da vida à consciência.
A pandemia aprofundou o pensamento sobre a evolução, o sentido e propósito da vida e um novo padrão ético, que valorize a unidade humana para além das diferenças, bem como a unidade com todas as coisas vivas, superando a fantasia da separatividade e o dualismo cartesiano que opõe natureza e cultura. 
Uma evolução ética torna-se essencial para a sobrevivência da espécie. Mais do que uma revolução mental,  a evolução espiritual  se torna necessária. Para além da ciência, a  consciência. Um mundo menos egoísta, com maior sentido de solidariedade e unidade humana, com maior consciência da necessidade de reduzir desigualdades e de interconectar a saúde humana com a saúde animal e a saúde ambiental, podem ser efeitos colaterais positivos dessa pandemia.

 

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