Maurício Andrés Ribeiro
A presença
da morte desperta um sentimento do mistério da vida e de sua fragilidade.
A proximidade
da morte muda a sintonia da consciência, das preocupações mundanas com os
objetos e coisas materiais, para questões imateriais e intangíveis relacionadas
com a própria existência. As preocupações materiais tornam-se pequenas diante
da perspectiva de uma perda maior, a da própria vida. A pandemia,
com seu vírus invisível, tem o condão de provocar essa mudança de sintonia.
Diante do
vírus, filósofos pensam sobre a proximidade da morte, a surpresa, a incerteza e o terror, o não sabido, o futuro imprevisível. Edgar Morin especula se os desconfinados depois das
quarentenas retornarão às normoses egoístas e consumistas ou se renascerá uma
vida convivial e amorosa, consciente da interdependência. Peter Sloterdijk fala da coimunidade, o compromisso individual voltado para a mútua proteção geral,
com solidariedade. Observa que o consumo frívolo sofreu um duro baque e que a
tendência a voltar ao estado anterior por inércia e comodismo pode não se
realizar. Na linha do pensamento oriental, ele afirma que tudo está em
mudança, que estamos aprendendo uma nova gramática. Antropóloga opina que a pandemia vai alterar
a história e que tudo vai ser reinterpretado, em novas narrativas.
Teólogo fala do necroceno, uma época
que tem a morte presente. Escritora denuncia o patriarcalismo e propõe uma sociedade mais feminina, saindo de um pesadelo
em direção a um sonho e uma utopia possíveis. Há quem divida a história em aC/dC- antes e depois do coronavirus e que proponha apertar o botão
de reiniciar e fazer um reset.
A pandemia acelerou a reflexão sobre a
ciência, suas controvérsias, os limites do conhecimento
científico e dos processos mentais, a insegurança e a segurança, certezas e
incertezas.
Nesse contexto, há mais perguntas do
que respostas. Os limites da ciência para encontrar
respostas aos riscos percebidos induzem a um fortalecimento das crenças e da fé,
e à negação da própria ciência. Diante da fragilidade da vida, da vulnerabilidade e da morte
próxima, há reações de rezar pela proteção divina diante do desconhecido. Revigoram-se
religiões com suas narrativas grandiosas e abrangentes sobre a vida
terrena, o apocalipse, as tragédias, a
ansiedade diante do futuro desconhecido e perigoso. Busca-se proteção num
salvador e em uma narrativa que traga conforto e tranquilidade. Novas
superstições reagem a novas ameaças.
A pandemia ajudou a valorizar a espiritualidade,
o Ioga e a meditação
como modos de prevenir os distúrbios emocionais e mentais associados à imprevisibilidade e aos riscos de perdas que ela
traz.
A dimensão transcendente e espiritual da ecologia se tornou mais presente, utopias
foram revalorizadas, para além dos aspectos utilitários e pragmáticos de um
ambientalismo aparentemente realista, mas que expressa um conformismo com o
status quo.
A grande transformação proporcionada pela
pandemia é uma transformação na consciência humana.
A espiral da evolução, da matéria à vida e da vida à consciência. |
A pandemia aprofundou o pensamento
sobre a evolução, o sentido e propósito da vida e um novo padrão ético, que
valorize a unidade humana para além das diferenças, bem como a unidade com
todas as coisas vivas, superando a fantasia da separatividade e o dualismo
cartesiano que opõe natureza e cultura.
Uma evolução ética torna-se essencial para a
sobrevivência da espécie. Mais do que uma revolução mental, a evolução espiritual se torna necessária. Para além da ciência,
a consciência. Um mundo menos egoísta,
com maior sentido de solidariedade e unidade humana, com maior consciência da necessidade
de reduzir desigualdades e de interconectar a saúde humana com a saúde animal e
a saúde ambiental, podem ser efeitos colaterais positivos dessa pandemia.
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