Precisamos de uma cartografia para as viagens dentro do ser
Maurício Andrés Ribeiro
Estamos numa era em que cada vez importam mais as
questões ligadas à subjetividade, à psique, ao universo interior dos seres
humanos. Tornamo-nos uma espécie co-gestora da evolução. A mutação psicológica
humana será determinante para o rumo que
ela tomará.
A pressão
evolutiva é grande. Pandemias e a emergência climática colocam situações
inusitadas e imprevistas diante das
quais é preciso dar respostas. Além do estresse físico e dos riscos das perdas
e da morte, a pandemia trouxe um estresse psicológico.
Por termos
sido pegos desprevenidos, há uma falta de rumo, um desnorteamento e uma
desorientação diante da pandemia. Ao longo de 2020 houve muitas decisões e posturas contraditórias dos
executivos federais em vários países, estaduais, municipais, do judiciário, do
legislativo, de profissionais da saúde. Há uma incerteza conceitual sobre qual
a melhor postura para lidar com essa situação. Está-se aprendendo experimental e empiricamente, por tentativa e
erro, em aproximações sucessivas. Governos deram sinalizações contraditórias e populações
protestaram contra confinamentos impostos, ainda que a motivação deles seja
preservar a saúde. É como se tivéssemos com um radar avariado, incapaz de nos
apontar o norte.
Para pôr em
funcionamento essa bússola orientadora, pode ser necessária uma transformação da
consciência humana. Isso supõe uma transformação da ciência da subjetividade. Aprofundar,
complexificar e definir com clareza os aspectos subjetivos, os pensamentos,
emoções, sentimentos é uma necessidade para o mundo atual. Uma parte de minha
geração teve um déficit de educação psicológica até a idade adulta. No dia a
dia, erramos e aprendamos pela experimentação a identificar tais emoções.
Grande
parte de nós é psicoanalfabeta. Não tem
clareza sobre o que são valores humanos, virtudes humanas, qualidade humanas,
confunde o que são emoções destrutivas- medo, raiva- emoções construtivas e
sentimentos.
Assim como
os mapas ajudaram os navegantes a traçar seus caminhos nas grandes navegações,
um mapa psicológico ajuda nas viagens
interiores à consciência. Uma cartografia psicológica é necessária para viajar
para dentro, para a introspecção, para desemaranhar aspectos enredados e
orientar o rumo. Aprender a reconhecer sentimentos e a causa que os gera é importante para que
possamos alimentar as atitudes, as virtudes, as qualidades humanas necessárias
para lidar com a pandemia e com as demais crises que virão em
seguida.
A partir do
autoconhecimento podem-se desenvolver comportamentos adequados para os dias
atuais e futuros. Um amplo projeto de psicoalfabetização desde a infância
ajudaria as crianças e jovens a se autoconhecerem e a terem maior clareza sobre
como se comportar na sociedade, diante de si e dos outros.
Diante da pandemia,
comecei a mapear atitudes que podem ser positivas para lidar com ela e para
prevenir as próximas que virão. Coletei sugestões de atitudes, oferecidas por amigos
na rede social. Elaborei um glossário que se expandiu. Verifiquei que não havia
clareza entre o que são atitudes, qualidades, virtudes, valores humanos. Comecei a organizar e classificar isso. Descobri
uma coleção de livros infantis voltados para o tema que misturavam o que era uma qualidade, uma atitude ou um valor.
Encontrei
alguma indicação em ensinamentos religiosos. Na tradição cristã as virtudes cardeais
essenciais são a prudência, a justiça, a fortaleza e a temperança,
complementadas pela fé, esperança e caridade. Castidade,
generosidade,
diligência, paciência
e humildade completam esse conjunto de virtudes cristãs.
Entre as qualidades humanas
encontra-se a amorosidade, a calma, a criatividade, a empatia, a flexibilidade, a generosidade, a gratidão,
a honestidade, a humildade, a paciência, a prudência, a resiliência, o respeito,
a responsabilidade, a tolerância. Algumas dessas são consideradas valores
humanos, tais como o respeito, a solidariedade, a tolerância, a humildade, a
honestidade, a empatia. Várias outras, tais como a afetividade, o ânimo, a
bondade, a compaixão, a consideração, a cooperação, a coragem, o cuidado, o
desapego, o desprendimento, a frugalidade, a hospitalidade, a união se situam
num território ambíguo podendo ser classificadas como atitudes, valores ou
virtudes.
Há
civilizações, como a indiana, cuja cosmovisão valorizou as questões da
subjetividade e se aprofundou nesses aspectos: “Para cada
conceito psicológico em inglês há quatro em grego e quarenta em sânscrito”
observa A.K. Coomaraswamy[1].
Uma cartografia das virtudes, dos sentimentos,
das emoções e dos valores, colocando cada um em seu devido lugar, ajudaria as
pessoas a se autoconhecerem e desse modo
a contribuírem para sua própria saúde física, mental e emocional, e a
desenvolverem as atitudes necessárias para propiciar o bem estar coletivo e a saúde
do ambiente. Um dos grandes campos em que se desdobra a ecologia integral é o
da ecologia do ser: ecologia interior, pessoal, transpessoal, profunda. Esse
campo vai além do socioambientalismo corrente.
A pandemia trouxe uma oportunidade para cada um
se psicoalfabetizar, para aprender o bê-á-bá da psique e dissolver a
psicoalienação.
[1] Citado por RUSSELL, Peter. Acordando em Tempo – encontrando a paz
interior em tempos de mudança acelerada. São Paulo: WHH, Antakarana, 2006.
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