segunda-feira, 13 de março de 2023

Hidrocídio

Maurício Andrés Ribeiro
Quando se tenta matar alguém, mas não se obtém sucesso, diz-se que houve uma tentativa de homicídio. Quando se tenta provocar a própria morte, mas não acontece o resultado esperado, houve uma tentativa de suicídio. Em ambos os casos as tentativas foram intencionais, com o objetivo de alcançar aquela finalidade. O genocídio, o feminicídio e outros tipos de ações para resultar em morte são frequentemente praticados intencionalmente, movidos pelo ódio, pela falta de amor e de compaixão, pela intolerância política, religiosa ou afetiva ,pela insensibilidade moral ou estética. O ecocídio e o biocídio, com ataques à natureza e à vida, por vezes são intencionais. Entretanto, são muitas vezes cometidos de modo inconsciente, por ignorância. Somente mais tarde, depois de realizados estudos científicos, se constata que aquelas mortes no ambiente e nas espécies ameaçam a sua extinção definitiva. Desperta-se então a consciência para a necessidade de medidas de proteção que evitem essas perdas irreversíveis. O hidrocídio é a conduta de um ser humano ou de uma sociedade ao matar um corpo d’água. Quando existe o benefício econômico imediato ao poluir um rio ou o oceano com esgotos urbanos e industriais ou agrícolas, justifica-se a sua poluição como um mal menor. Perde-se então a riqueza da vida que neles existia. Vence temporariamente a hidroalienação. Nas cidades, por muito tempo aceitou-se cimentar, retificar, asfaltar as planícies de inundação e os leitos maiores dos rios, para aproveitar os valiosos metros quadrados de terreno ao longo deles e construir novas pistas de rolamento para circular os veículos. Os rios são enterrados vivos, escondidos da visão dos cidadãos urbanos que transitam sobre eles. Trata-se de outra forma de tentativa de hidrocídio. Acontece que tais tentativas não são indefinidamente eficazes. Chega um dia em que as águas de superfície, transformadas artificialmente em águas subterrâneas, mostram que estão vivas. Nas chuvas mais fortes provocam enchentes nas cidades, pessoas morrem afogadas dentro de seus veículos, rompe-se a pavimentação e o asfalto que sufocavam as águas e os rios. As tentativas de hidrocidio praticadas por ignorância e alienação fracassam a médio e longo prazos, quando as águas mostram a sua força, na medida em que a sociedade aprende com seus erros. O tempo ensina aos cidadãos urbanos, aos urbanistas, aos governantes, que há grandes benefícios em manter os rios correndo em seus leitos naturais ao ar livre e que compensa investir para que a qualidade de suas águas não seja prejudicada. Mudam-se então os padrões de atuação, desperta-se a hidroconsciencia. Isso favorece o renascimento dos rios nas cidades pois mudam-se as práticas hidrocidas e passa-se a integrar novas práticas no planejamento e na gestão urbana. Artistas, urbanistas, ativistas ecológicos são alguns dos segmentos da sociedade que têm sensibilidade para perceber primeiramente a necessidade de mudanças. Suas atividades contribuem para romper a inércia na formação profissional e para adotar novas ideias que levam a praticas mais amigáveis para com as águas. Aqueles rios que foram intencionalmente condenados a receber rejeitos ao serem enquadrados pelos padrões de classificação das águas, passam a ser tratados com mais cuidado para melhorar sua qualidade. Os oceanos, tratados como lixeiras da humanidade, com suas enormes ilhas de resíduos, plásticos e outros, recebem atenção e passam a ser mais bem cuidados. As tentativas de hidrocidio local e global serão contidas por meio da evolução da consciência e de uma economia e sociedade mais amigável para com as águas.

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