quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

Ecologizando o estudo da história



Controvérsias cercam o tema de como a história deve ser ensinada.
Da história pessoal à do universo, há várias formas de narrar os fatos e suas versões. Realçam-se alguns aspectos, em função de interesses e desejos, ao passo que se desvalorizam outros. A narrativa histórica é seletiva, recorta alguns fatos, dá menos visibilidade a outros.
Conhecer a própria história pessoal faz parte das anamneses psicológicas e ajuda a pessoa a se situar no mundo. A história pessoal remonta ao DNA das arvores genealógicas, aos antepassados, às encrencas familiares não ou mal resolvidas. A história de uma organização, de uma empresa, de uma cidade traz referências sobre o que precisa ser valorizado histórica e culturalmente.
As histórias dos países também precisam ser recontadas. No caso brasileiro, de uma versão tradicional de narrativa histórica centrada no ponto de vista a partir da Europa, outros pontos de vista, são  relevantes: o dos negros, dos indígenas e de outros povos que ajudaram a moldar nossa história. Outra sociedade que tem uma longuíssima história é a India. Refletindo sobre ela, o prêmio Nobel de literatura Rabindranath Tagore faz uma observação sobre a diversidade étnica e cultural daquele pais, fruto de sua história de invasões e colonizações: “Temos que reconhecer que a história da Índia não pertence a uma raça em particular, mas a um processo de criação para o qual várias raças do mundo contribuíram – os drávidas e os arianos, os antigos gregos, os persas, os maometanos do oeste e aqueles da Ásia central. E por fim, foi a vez dos ingleses nessa história, trazendo-lhe o tributo de suas vidas; não temos o poder nem o direito de excluir esse povo da construção do destino da Índia."  Tagore expressa sua convicção numa história maior: “Há somente uma história - a história do homem. Todas as histórias nacionais são meros capítulos da história maior. ”
Para além da história do homem – com toda a diversidade de percepções do que seja o gênero Homo, a da espécie se embrenha na história natural, com suas explicações evolucionistas, com o criacionismo bíblico cristão e os demais mitos de criação de outras tradições ancestrais. Na história natural também se multiplicam polêmicas que opõem visões cientificas a visões religiosas.
Para além da história da vida na Terra, há a história do planeta, do sistema solar, das galáxias, do universo, estudada por Thomas Berry e Brian Swimme. Na pág. 81 do livro “The Universe Story” eles dizem que “A educação em todos os níveis seria entendida como conhecedora da história do universo e do papel humano na história. O curso básico em qualquer colégio ou universidade deveria ser a história do universo. ”
Berry continua (Pág. 71): “A Educação e a religião, especialmente, deveriam despertar nos jovens uma consciência do mundo no qual eles vivem, como ele funciona, como o humano se encaixa na comunidade mais ampla da vida, o papel que os humanos preenchem na grande história do universo e a consequência histórica dos desenvolvimentos que moldaram nossa paisagem cultural e física. ” (BERRY, T. – The Great Work, 1999.) Eles concluem que  “A missão histórica de nosso tempo é reinventar o humano – no nível da espécie, com reflexão crítica, dentro da comunidade de sistemas de vida, num contexto de desenvolvimento temporal, por meio da história e da experiência de sonhos compartilhados. ” (Pág. 159)


Ecologizar  e expandir a abordagem à história é uma necessidade nesse período antropoceno  no qual se multiplicam e intensificam crises ecológicas e climáticas.

terça-feira, 5 de janeiro de 2016


Diversidade de percepções sobre nossa espécie: a importância do autoconhecimento para a construção do amanhã.


Maurício Andrés Ribeiro

                                            
“Oh homem, conhece-te a ti mesmo e conhecerás o universo e os Deuses. ”
 Inscrição no oráculo de Delfos

O autoconhecimento em termos individuais é domínio de filósofos, psicólogos, teólogos, artistas, médicos, curadores. O autoconhecimento em termos coletivos ou sociais é domínio dos sociólogos, cientistas políticos,  economistas, antropólogos, cientistas sociais. O autoconhecimento em termos da espécie é domínio de biólogos, ecólogos, naturalistas etc.
Ao refletir sobre si mesmo, o ser humano formulou definições para expressar as qualidades da espécie à qual pertence. Elas espelham como nos vemos em nossas características e nossos papéis individuais, sociais e como espécie. Cada uma delas corresponde a uma parcela da realidade acerca desse ser multidimensional, com suas grandezas e misérias. Algumas definições enfatizam nossos defeitos e expressam uma visão crítica e autocrítica; outras realçam nossas virtudes. Umas têm conotação humorística; outras percebem potencialidades, uma visão ideal ou um desejo de quem as formula. Várias delas focam nas qualidades da consciência e outras em diferenças biológicas ou genéticas.  Algumas enfatizam o pensamento (Descartes: Penso, logo existo); outras nos descreveram como animal racional, enfatizando a razão. Aristóteles nos enxergou como animais políticos. Hobbes retomou a sentença latina de Plauto que realçou nossa característica predatória, reforçada por Freud (“O homem é o lobo do homem”). Explicitou-se nosso caráter falível (Errar é humano). Fomos designados como Homo demens (“O homem é esse animal louco cuja loucura inventou a razão”, disse Cornelius Castoriadis); como o Homo moralis e o Homo honestus, um primata que coopera e que se comporta com valores éticos; como o Homo sportivus e o Homo ludens, pelas características lúdicas, que compartilha com outros animais que gostam de brincar (Johan Huizinga). O Homo corruptus é uma espécie parasita. Temos capacidade de autorreflexão e de saber-nos ignorantes: o Homo idioticus que se deixa enganar e ao mesmo tempo é capaz de fazer humor e de se enxergar criticamente. O Homo noologicus, é aquele que sabe das consequências de seus atos. Joël de Rosnay, ao explorar as perspectivas para o terceiro milênio, define o homem simbiótico, um ser associado simbioticamente ao organismo planetário que surge com sua própria contribuição e de cuja associação harmônica decorrem benefícios para ambas as partes.
Lista de designações do gênero homo:
Homo habilis
 Homo faber
Homo cepranensis
Homo antecessor
Homo floresiensis
Homo gautengensis
Homo georgicus
Homo naledi
Homo rhodesiensis
Homo rudolfensis
Homo neanderthalensis
Homo heidelbergensis
Homo ergaster
Homo erectus
Homo bellicus
Homo complexus
Homo corruptus
Homo cosmicus  
Homo deletabilis
Homo demens
Homo ecologicus
Homo economicus Homo empaticus
Homo honestus
Homo donatus
Homo idioticus
Homo literatus
Homo lixius
Homo ludens
Homo moralis
Homo noologicus
Homo perfectus
Homo planetaris
Homo proteus
Homo ricus
Homo sacer
Homo sapiens
Homo sapiens idaleti
Homo sapiens sapiens
Homo sapiens global
 Homo sapiens local
Homo superpredator
Homo scientificus
Homo simbioticus
Homo sportivus
Homo stressatus
Homo sustentabilis
Homo tecnocraticus 

Concepção védica sobre o ser humano e seus componentes: o físico, o vital, o mental, o espiritual.
Há ainda outras designações que procuram nos definir como espécie, o significado e o sentido do que estamos fazendo aqui. Entre elas ressalta a de Sri Aurobindo que define os níveis físico, vital, mental e espiritual e  nos situa no processo da evolução (“O homem é um ser de transição. Ele não é final.”“O homem ocupa a crista da onda evolucionária. Com ele ocorre a passagem de uma evolução não consciente para uma evolução consciente.” Ele também realça as potencialidades humanas (“Todas as possibilidades do mundo estão esperando no homem como a árvore espera em sua semente.”) Na concepção védica sobre o ser humano, o corpo físico é um veículo, os cavalos são ser vital com sua energia, emoções e sentimentos, o cocheiro é o ser mental e o passageiro é o ser psíquico-espiritual.
Caminhar em direção ao autoconhecimento não somente como indivíduo ou coletivo, mas como espécie, pode ser crucial para se dar respostas às complexas questões de um planeta em convulsão e em dinâmica transformação.
Cada uma dessas percepções aborda uma faixa do espectro em direção ao autoconhecimento humano. Autoconhecimento que é essencial na atual época antropocena da história que aponta para cenários possíveis de novas eras para o planeta e para a espécie: depois da era paleozoica (da vida animal antiga), a mesozoica (dos dinossauros), e da cenozoica (dos mamíferos),  o que o amanhã nos reserva? O cenário da era eremozoica (E.O Wilson), da era tecnozoica ( Thomas Berry), da era cosmozoica, em que habitaremos no espaço cósmico?; da era ecozoica (Thomas Berry e Brian Swimme), da era ecológica ou da era noológica? Ou outro cenário possível? A era psicozoica (Daniel Bell); a era subjetiva ou a  era espiritual, de Sri Aurobindo, em que o universo interior será melhor conhecido e a dimensão espiritual será mais presente, refletindo assim em mudanças no ambiente exterior?



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O espectro da consciência



Os pesquisadores das ciências exatas estudavam partes distintas do espectro eletromagnético e não tinham a visão de que se tratava de aspectos complementares de um mesmo todo. Da mesma forma, também os vários ramos da psicologia, da psicoterapia, da ecologia, da cosmologia, da mística ou das tradições ocidentais e orientais estudam aspectos específicos do espectro da consciência sem ter visão integral sobre ele. 
A visão humana é capaz de perceber o espectro de luz visível, do vermelho ao violeta. O espectro visível corresponde a uma mínima fração do espectro eletromagnético total. (Figura). Os raios ultravioletas - os raios gama, os raios x - somente são percebidos com o uso de instrumentos que estendem o sentido da visão humana. Aparelhos de raios X penetram sob a superfície de corpos e objetos e permitem visualizar aspectos da realidade que são invisíveis a olho nu; aparelhos de rádio, micro-ondas e TV permitiram usar frequências e comprimentos de onda no nível infravermelho.

Figura  - O espectro eletromagnético   Fonte: Wikimedia commons
Da mesma forma como a percepção visual tem seus limites e a percepção auditiva não capta os infra e ultrassons, também há faixas do espectro da consciência em que estamos sintonizados e outras que escapam a nossa capacidade de percepção e de compreensão, que não captamos no estado de vigília ou no sono e no sonho.
Na história das culturas, a consciência já foi predominantemente mítica, mágica, baseada na crença em leis divinas, teocrática. A partir de certo momento, baseou-se no logos, na razão, que exige a capacidade de um indivíduo observar o mundo e observar-se a si próprio.   Ela se desenvolve e a criança passa pelas várias etapas, da arcaica, à mágica, à mítica até chegar à idade da razão. A partir daí, continua a evoluir no adolescente, no adulto, no idoso. Ken Wilber diz que em cada estágio apreendem-se diferentes aspectos da realidade.  Ken Wilber escreveu Uma Teoria de Tudo (WILBER, 2000) e elaborou um compreensivo esquema que denominou AQAL (All quadrants, all levels), por abordar todos os quadrantes e todos os níveis da consciência. “À medida que se expande a capacidade de perceber o espectro total da consciência, ela evolui do nível da persona, para o do ego e para o do organismo total. ” (WILBER, 1996). 


Cada vez mais compreendemos sermos parte integrante de um organismo vivo; e entendemos que da saúde desse organismo depende nossa saúde e sobrevivência. A consciência ecológica inclui a percepção da unidade do indivíduo com o ambiente que o cerca e decorre de um modo de pensamento mais unitário e global. Ela corresponde a um processo de desalienação e de superação da ignorância.
Estamos afogados em informações, mas há uma escassez de sabedoria, observa o biólogo Edward O.Wilson em seu livro Consiliência, palavra que significa unidade de conhecimento. Ele estuda a concordância ou convergência de ideias e conclusões a partir de diferentes origens e campos que permitem chegar a uma mesma resposta através de diferentes caminhos. (WILSON, 1998)