terça-feira, 16 de abril de 2024

A arte de Maria Helena Andrés e a ecologia espiritual


Desde suas origens os seres humanos tiveram conexões com dimensões espirituais da realidade para além do mundo físico. A partir desse impulso criaram as várias tradições que influenciam as vidas de bilhões de pessoas no planeta.

A ecologia espiritual lida com as relações dos seres humanos com aquilo que considera sagrado: Deuses e deusas, santos, elementos da natureza, fontes de energia, entes abstratos. A ecologia espiritual enfatiza a conexão do ser humano com o ambiente, o respeito  e o cuidado com a natureza, a importância da consciência e da responsabilidade ecológica.

Os artistas em todas as épocas  se conectaram com a espiritualidade. Por meio de vínculos com as religiões estabelecidas, pintaram os deuses, santos e seres sagrados. Muitas pinturas de Leonardo  da Vinci e do Mestre Athayde e  esculturas do Aleijadinho e de Michelangelo mostram  cenas da tradição cristã. Alguns artistas  pintaram a relação com a natureza sagrada, o sol, os céus, as águas, as plantas e os animais; outros retratam a busca da centelha divina dentro de si e das pessoas humanas.

A busca pelo espiritual na arte está presente em toda a obra de Maria Helena Andrés, como escritora, artista ou ilustradora. Escreveu sobre  isso em seus livros Vivência e Arte, Os caminhos da arte e Encontros com mestres no oriente. Como artista plástica,  inicialmente desenhou vias sacras e pintou Madonas barrocas. 

Estudos para Via Sacra - nanquim sobre papel 1953


Ela escreveu que  “As madonas barrocas, ligadas à nossa tradição, foram uma porta entre a Terra e o Céu, entre a Guerra e a Paz. Elas me conduziram para novos caminhos.”

Madona Barroca, óleo sobre tela, 1966.

A partir da metade de sua vida, na década de 70,  realizou várias viagens de estudo à Índia e abraçou  uma perspectiva holística e integral. Pintou mandalas, que simbolizam a unidade cósmica. Ela escreveu:  “Os meus quadros de Mandalas foram feitos para finalizar todas as fases. Mandala sempre representa um círculo em que todas as faces são iguais. É um símbolo de integração, e eu, naquela época, estava integrando todas as minhas fases, para começar a pintar em grandes espaços... Mandala é um símbolo cósmico muito usado pelos orientais em suas meditações. Os cristãos também adotam a forma circular, nos vitrais de Chartres, Notre Dame e vários outros.”  

Criou tapeçarias com mandalas  para a igreja de Nossa Senhora de Copacabana, no Rio de Janeiro, e painéis em azulejo com mandalas para igrejas na Serra da Piedade e em Diamantina.

Fez paralelos entre os templos, procissões e deuses indianos e os santos cristãos, em ilustração no álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas. 

ilustrações no Álbum Oriente-Ocidente, 1986.




Fez várias ilustrações sobre divindades hindus para o livro infantil Pepedro nos caminhos da Índia. Algumas dessas divindades são figuras de animais, como o elefante (Ganesh), o macaco ( Hanuman) , o boi (Nandi) naquela tradição que sacraliza a natureza.

Shiva, Parvati e Ganesha, o deus elefante removedor de obstáculos.


A deusa hindu Kali, ilustração para o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia.

Sarasvati, deusa do conhecimento e das artes . Ilustração para o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia".

Como ilustradora, desenhou divindades de várias civilizações e culturas: a Iemanjá das tradições africanas e Afrodite, da mitologia romana.



Figuras: Iemanjá e Afrodite -ilustrações para o livro A água fala, 2018.


Figuras geométricas, abstratas, são expressões da essência. 

Maria Helena  realçou a dimensão espiritual na arte construtiva, não figurativa, inclusive na tradição indigena brasileira e escreveu: “A arte construtiva propõe uma forma impessoal, sem fronteiras regionalistas, que congrega os irmãos desse planeta num todo espiritual, transcendente. Isso porque o seu processo exige disciplina e muita concentração. Exige limpeza, clareza e desligamento do mundo real para a construção de uma outra realidade artística...Isto significava mergulhar dentro de si mesmo em busca da ideia primordial que se transformaria numa forma nova, completamente desligada da figuração externa. “

"A pureza na arte concreta é imprescindível. Talvez seja ela a ponte que liga a arte à ciência, à matemática e à física, penetrando também no plano em que se encontram com o espiritualismo inato do ser humano. "

Na sua busca  do autoconhecimento, escreveu que o Deus onipresente não está apenas acima de todos, lá no alto e bem longe, mas está dentro de cada um. Diversas tradições espirituais enfatizam a presença  dessa centelha divina em cada  ser humano.

Com a consciência da importância da unidade humana, escreveu que “O caminho das estrelas só poderá ser conquistado pelo homem realmente integrado e evoluído". Desenvolvendo sua própria criatividade, o homem se elevará do caos para a harmonia, da violência para a serenidade, da competição para a compreensão, da diversificação para a Unidade e do individualismo para a Totalidade.”

Artista versátil,  com obra diversificada, Maria Helena Andrés sempre caminhou em busca da unidade, da essência, da síntese, de uma visão holística que fosse além das aparências, da espiritualidade para além da matéria.






sexta-feira, 12 de abril de 2024

O centenário de Pierre Weil

 Quando a Lydia me convidou para participar desta mesa redonda no Festival da Paz, ela me sugeriu falar sobre Três Pierres e a natureza. Esse texto eu havia escrito   publicado no livro Ecologizar, sobre três Pierres que me influenciaram: Pierre Teilhard de Chardin, Pierre Dansereau e Pierre Weil.

Eu disse a ela que minha apresentação mais recente sobre Pierre Weil tinha sido feita num colóquio sobre Helena Antipoff, educadora russa com quem Pierre colaborou na fazenda do Rosário em Ibirité, perto de Belo Horizonte. Naquele trabalho eu fiz um paralelo entre Jean Piaget, o grande educador que criou a expressão transdisciplinaridade, e Pierre Weil, que aplicou essa ideia na criação da Unipaz.

Quando soube que teria 12 minutos para essa fala, desisti de apresentar um powerpoint mais estruturado e resolvi fazer uma fala mais baseada nas memórias vividas de minha relação pessoal e colaboração de trabalho com Pierre.

Pierre Weil morava no Retiro das Pedras, fora presidente do condomínio e tentara implantar ali uma comunidade com sentido holístico. Ali ainda hoje mora minha mãe, Maria Helena Andrés, artista plástica que tem duas obras na Unipaz: o grande painel intitulado Mandala no Cosmos, que está na sala Martin Luther King e um quadro azul com uma mandala. O painel foi pintado  num atelier no interior de Minas Gerais e trazido enrolado num bambu durante um dos workshops que ela ofereceu sobre arte e visão holística. Ambos foram doados por ela para a Unipaz.

Essa proximidade física no Retiro das Pedras facilitou a nossa amizade e troca de ideias. A pré-história de minha experiência na Unipaz e de meu encontro com Pierre Weil se iniciou na Índia em 1977. Eu obtivera uma bolsa do CNPq para estudar como pesquisador visitante no Indian Institute of Management em Bangalore, com uma pesquisa sobre Habitat e transferência de Tecnologia. Era um programa de bolsas do Centro Tecnológico de Minas Gerais - CETEC, onde eu trabalhava na área de meio ambiente, e que era então presidido por José Israel Vargas. Eu me fascinei entao com o pensamento político e social de Sri Aurobindo, suas ideias sobre a unidade humana e sobre o federalismo mundial.   Ao saber de meu envolvimento com a pesquisa da paz e com o movimento federalista mundial, Pierre me convidou para apresentar um trabalho sobre o tema no I Congresso Holístico Internacional- I CHI, no Centro de Convenções de Brasília, em abril de 1987.

Eu impulsionava o tema, em colaboração com o cientista político Jarbas Medeiros. Um dos números da revista Análise e Conjuntura da Fundação João Pinheiro, de maio/agosto de 1988, traz um conjunto de textos sobre o Federalismo mundial, entre eles um artigo de Pierre Weil sobre “ A origem da fragmentação e suas soluções”. Naquele artigo ele dizia que “Quanto ao federalismo mundial, sou um dos que lutou e luta por ele. Sempre lutei por essas ideias. Mas aos poucos me dei conta de que isso era muito superficial.”  Ele já se dirigia, então, para o campo da ecologia interior e conta que, em dúvida entre se associar a um movimento pacifista ou evoluir em seu próprio autoconhecimento, optou por fazer um retiro de três anos na Europa com um grande mestre tibetano, aprofundando-se no estudo de suas próprias divisões e conflitos e na descoberta da natureza da mente. 

O Governador do Distrito Federal, José Aparecido de Oliveira participou intensamente do I Congresso Holístico Internacional em abril de 1987. Em sua sessão de encerramento comprometeu-se a criar a Universidade Holística Internacional proposta por Pierre Weil e pelos organizadores do Congresso. O governador convidou Pierre para presidir a Fundação Cidade da Paz e este me chamou para participar da empreitada

Ele ainda morava no Retiro das Pedras. Naquela ocasião, colaborei com ele na formulação do que viria a ser a Fundação Cidade da Paz. Eu me reunia com ele em sua casa do Retiro, trocava ideias, redigia textos. Fiz com ele várias viagens a Brasília, onde ficávamos hospedados no Hotel Nacional do Tjours, que colaborava com a iniciativa. Em visitas a Brasília, me reuni com a equipe de Luiz Gonzaga Scortecci de Paula para explicar o que viria a ser a Cidade da Paz, que sucedia ao Projeto Alvorada liderado por Luiz Gonzaga. Tive reuniões com o governador José Aparecido, Itamar Franco, José Israel Vargas no palácio dos Buritis e  com a equipe composta por Uassy Gomes e assessores do governador José Aparecido.Visitei vários lugares com Pierre, inclusive essa granja do Ipê, antes dela ser definida como o local da Unipaz. 

Pierre desejava permanecer no Retiro das Pedras e que eu  viesse morar em Brasília e ser um secretário executivo da Unipaz. Mas na época eu tinha dois filhos pequenos em Belo Horizonte, eu e Aparecida estávamos empregados lá e tornou-se difícil nossa mudança para assumir um cargo incerto e temporário. Assim continuei a participar à distância e Pierre se mudou para Brasília. Acompanhei-o na escolha do local onde morar, visitamos vários condomínios, mas ele optou por não adquirir sua casa num local irregular para não ficar exposto a críticas.

Em 15 de setembro de 1987 aprovou-se o memorial de instituição da Fundação Cidade da Paz contendo em anexo a Declaração de Veneza da UNESCO, a Carta Magna da Universidade Holística Internacional de Paris e a Carta de Brasília, resultante do I Congresso Holístico Internacional. 

Em 8 de outubro de 1987 o governador José Aparecido publicou artigo  jornal Estado  de Minas, sobre a Universidade Holística de Brasília, no qual se reportava à Assembleia geral extraordinária da Terracap que decidiu determinar que a empresa procedesse a demarcação da área onde será implantada a UNHI, sob a direção de um grupo do qual participavam Pierre Weil ( Presidente), Uassy Gomes da Silva, Maurício Andrés Ribeiro, Fernando Lemos, Paulo José Martins dos Santos, Maria Pacini, Mitzi Munhoz da Rocha de Almeida Magalhães, Luiz Gonzaga Scortecci de Paula. Ele escreveu que “Estamos aqui, nesta manhã, confirmando Brasília como plataforma para a eterna busca do homem nos caminhos de seu próprio mistério e do mistério do universo”. É uma universidade “para estudar o universo, o holos, o todo. Para construir pontes holísticas entre o saber antigo e a ciência moderna, entre o Oriente e o Ocidente, com a dúvida e a humildade que são as colunas-mestras do edifício da sabedoria. ” E prosseguia: “Esta cidade da Paz, esta Universidade Holística que hoje, aqui, concretizamos, nesta cidade-mãe do terceiro milênio nacional, nascida dos sonhos, angústias e esperanças dos que querem rasgar os mistérios do tempo, do homem e do universo, é uma contribuição fundamental para que Brasília se ponha, diante do saber, com se pôs diante da história: um salto, um mergulho no amanhã. ” Ele escreveu que “Essa não é uma decisão, não é uma providência improvisada. Foi aqui em Brasília que, em março deste ano, se realizaram o I Congresso Holístico Brasileiro e o Primeiro Congresso Holístico Internacional, que aprovaram a “Carta de Brasília”, um documento de conteúdo e valor universal, que nos advertiu para a necessidade de nos tornarmos contemporâneos de nosso tempo, harmonizando nossa visão do universo e nosso mundo com a profunda evolução cientifica em marcha, com a nova epistemologia. ”

Nesse período perinatal, antes e depois do nascimento da Unipaz, no ano decorrido entre o I Congresso Holístico e a abertura da Universidade Holística Internacional de Brasília, em 14 de abril de 1988, trabalhamos intensamente para a criação da Cidade da Paz. 

Pierre e eu escrevemos a quatro mãos os textos do projeto de criação e manutenção da Universidade Holística Internacional de Brasília – UNHI-DF.

A sessão de inauguração da Unipaz no palácio do Itamaraty aconteceu por um triz, pois a palestra inaugural do físico José Israel Vargas aconteceu num auditório em obras.

Eu havia me associado à Associação Internacional de Pesquisa da Paz-IPRA, então secretariada pelo cientista político Clóvis Brigagão, com quem colaborei durante muitos anos. Criamos na IPRA uma comissão sobre Segurança Ecológica, que articulava os temas da paz, da segurança e da ecologia, pois estudávamos as questões climáticas e ambientais como fontes de riscos à segurança humana. Participei com Pierre do congresso da IPRA- associação internacional de pesquisa da paz, no hotel glória no rio de janeiro, então secretariada pelo cientista político Clóvis Brigagão. Naquela ocasião, escrevemos juntos um artigo intitulado O princípio básico da Unesco está sendo esquecido, publicado na revista Thot. Pesquisamos listas de cursos sobre paz e havia muito poucos relacionados com a paz no espírito dos homens, como está no preambulo do ato que constituiu a Unesco.

Naquela ocasião eu trabalhava com pesquisa e gestão ambiental, áreas de atuação que sempre estão no meio de conflitos de interesses pela apropriação e uso dos recursos da natureza. São frequentes os conflitos de vizinhança sobre barulho, que por vezes levam a tragedias e mortes. São frequentes os conflitos pela apropriação e uso da água, que por vezes levam a violência. Assim, prevenir conflitos e promover uma cultura de paz eram parte do meu dia a dia profissional em órgãos de gestão ambiental em Belo Horizonte. E continuaram a ser parte de minhas atividades em Brasília, em conselhos e colegiados, facilitando rcessos participativos de prevenção e mediação de conflitos ambientais e pelas águas. Os componentes da ecologia ambiental e da ecologia social me eram bem familiares, mas eu conhecia pouco sobre os componentes da ecologia pessoal, dos aspectos emocionais, psicológicos, subjetivos da ecologia do ser, da ecologia interior. Nesse ponto tivemos uma troca bem profícua. Aprendi muito com Pierre Weil sobre a ecologia pessoal e acredito que contribui para que ele conhecesse um pouco mais sobre os demais campos da ecologia.

Aqui, aproveito para falar um pouco sobre Pierre Dansereau. Eu havia ficado fascinado com as ideias e as figuras que ele produziu sobre a evolução humana e suas várias etapas e como impactam sobre a natureza. Ele havia incorporado em sua visão ecológica a ideia da noosfera, elaborada bem antes por um terceiro Pierre, o Teilhard de Chardin e que dizia respeito à esfera da consciência humana, que circunda todo o planeta. Dansereau elaborou sobree as paisagens interiores, o inscape, que existe dentro de cada um de nós, com nossa história e formação.

Hoje em dia, parte dessa noosfera é constituída pela infosfera, a esfera de informações que circunda o planeta e está presente na internet e que serve de alimento para a Inteligência Artificial, um tema do momento.  James Lovelock havia conceituado a terra como Gaia, um planeta organismo vivo, do qual a nossa espécie humana é a massa cinzenta no cérebro do planeta, que tem um sistema nervoso autônomo. Peter Russell (Peter, Pierre em francês) havia escrito sobre o cérebro global e contribuiu para enfatizar esse campo da consciência humana.

Dessa onsciência se originam ou passam ideias, sentimentos, emoções, que geram atitudes e comportamentos, que impactam em maior ou menor grau sobre o ambiente externo.

E assim chegamos ao momento atual. Em 2023 escrevi um livro de conversas com a inteligência artificial para ajudar a nos relacionarmos de modo construtivo e positivo com esse assessoramento que a ciência e tecnologia nos proporcionam.

Agradeço a esses quatro Pierres/Peters pelo seu trabalho e reflexões, que nos ajudam a partir de pontos avançados para lidar com a grande crise da evolução que nossa espécie enfrenta. A atitude que tomarmos, como cogestores da evolução, pode ser decisiva quanto ao futuro de nossa espécie.

Agradeço a Lydia e ao pessoal da Unipaz pelo convite para estar aqui prestando essa homenagem ao nosso querido Pierre Weil.

Brasília, 13 de abril de 2024



quarta-feira, 10 de abril de 2024

A arte de Maria Helena Andrés e a ecologia urbana


Em cidades vive mais da metade da população do planeta e mais de 80 por cento da população brasileira. Os ecossistemas urbanos são grandes devoradores de recursos ao se  abastecerem de água, energia, alimentos, materiais de construção, ar limpo, para funcionarem e por vezes os devolvem poluídos ao ambiente natural. A boa qualidade do ambiente urbano construído contribui para a saúde humana. A ecologia urbana estuda esse grande artefato criado pela nossa espécie. 

Arquitetos, engenheiros, urbanistas, paisagistas são algumas das profissões humanas que participam ativamente da concepção e construção das cidades. Vários fotógrafos, cineastas e escritores focalizaram as cidades. Muitos artistas pintaram ambientes urbanos, como o americano Edward Hopper, Fernand Léger, Portinari, Di Cavalcanti e Guignard, com suas paisagens de Ouro Preto com balões.

Maria Helena Andrés desenhou e pintou as cidades desde o início de sua vida artística. Desenhou em álbuns espiralados a cidade de Ouro Preto e o Largo do Boticário no Rio de Janeiro, no ano em que se casou, em 1947.

Ouro Preto, aquarela, 1947.

Estudo do  Largo do Boticário , Rio de Janeiro, 1947, caderno de desenho.

Em viagens ao vale do Jequitinhonha desenhou com canetas hidrocor o Serro e Diamantina, cidades berço de sua família. 

 

Diamantina, caneta hidrocor, anos 1980

Pintou em óleo sobre tela a paisagem de Belo Horizonte em que vivia nos anos 1940.

Pintou e desenhou, em sua fase construtivista, a série de  “Cidades Iluminadas”, nos anos de  1955, que correu salões no Rio de Janeiro e Bienais em São Paulo. 

Cidades iluminadas - obra no Museu Nacional de Belas Artes no Rio de Janeiro.

Série Cidades, nanquim sobre papel, anos 1950

Nos anos 200,  revisitou em livros-objetos o tema das cidades construtivistas.

 Em 1954 realizou um grande painel em  azulejos, intitulado "Cidade Iluminada” para uma residência em Belo Horizonte. Ela escreveu que: “O painel construtivista ficou por muitos anos enfeitando a fachada da casa dos Lucena. Às vezes eu passava de carro e parava para vê-lo. Ali ficou até que um dia o casal resolveu demolir a casa para, naquele local, construir um prédio. Foi quando me telefonaram pedindo uma sugestão. Queriam colocar o painel num local onde tivesse visibilidade. Descobrimos o lugar ideal, o Grupo Escolar Herbert de Souza, num bairro da periferia de Belo Horizonte. A transferência foi também executada por Cerri e hoje ocupa um espaço no Grupo Escolar, alegrando o local  por onde passam crianças.“

Desenhou as cidades indianas densamente povoadas em ilustrações  para o livro "Pepedro nos Caminhos da Índia".

Ela escreveu: “Comecei a desenhar nas praças, nos parques, nos templos, nos teatros, muitas vezes cercada por 132 uma multidão de crianças curiosas que ambicionavam as minhas canetas hidrográficas. E muitas vezes as canetas ficavam com as crianças. “ …”Eles olham curiosos, empurram-se para ver. A velhinha me defende em linguagem local xingando as crianças. Imagino o que ela deve estar dizendo: “Deixa a dona desenhar.” A dona, apesar de aflita, continua a desenhar. Não pode espalhar rúpias pela multidão porque senão poderia criar problemas com outros pobres. Mas, sabendo que ninguém vai ganhar, eles se conformam em olhar o papel com curiosidade. E assim vou desenhando o povo deste país, os quiosques, os palácios, praças, templos…”

Por meio de suas pinturas e desenhos, Maria Helena deu seu testemunho sobre as cidades coloniais e as metrópoles brasileiras. Como ilustradora de um livro infantil contribuiu para conhecermos sobre as cidades indianas, tão ricas em biodiversidade, com seus bois, camelos, elefantes em circulação e com  sua diversidade cultural e social.

Ela observa aque "O verde não pode desaparecer das cidades; caso contrário, o ser humano também desaparece, sepultado nas lajes de concreto. "


sexta-feira, 5 de abril de 2024

O reino vegetal na arte de Maria Helena Andrés

Plantas, flores, árvores e florestas são seres vivos com quem compartilhamos o planeta Terra. Eles prestam serviços valiosos, ao absorver gás carbônico e produzir oxigênio, ao limpar o ar e a água e proteger o solo contra a erosão. São fundamentais para lidar com a emergência climática e  para evitar  a emissão de gases de efeito estufa.

O reino vegetal sofreu e sofre com a devastação florestal. Durante muito tempo, no Brasil, a vegetação foi considerada como sujeira. Expressões da língua denotam essa mentalidade: campo sujo é aquele com mato, campo limpo é o que foi desmatado; limpar o mato.  Em anos mais recentes, a expansão da consciência ecológica valorizou os cuidados com a proteção vegetal e a restauração florestal.

Os artistas sempre trabalharam com o reino vegetal. São famosos os jardins aquáticos de Monet e são bem conhecidas as fotografias de Sebastião Salgado sobre a Amazônia; Bené Fonteles liderou o movimento dos artistas pela natureza.

Durante sua longa carreira artística Maria Helena Andrés focalizou o reino vegetal. Ela foi  aluna de Guignard na Escola de Belas Artes, que ficava no Parque Municipal de Belo Horizonte. Ela lembra que “O parque era sempre cheio de motivações para o nosso imaginário de jovens artistas. Passávamos horas debaixo daquelas árvores, sentadas em banquinhos, desenhando com lápis duro, 6H. O desenho nos dava a possibilidade de praticar o exercício da concentração, uma meditação espontânea, sem intenção de ser meditação.” 

O Parque Municipal de Belo Horizonte em 1944 - Óleo sobre tela, Maria Helena Andrés.

Na década de 50, morava numa casa com um amplo quintal em Belo Horizonte, onde havia mangueiras, jabuticabeiras, parreira e outras árvores frutíferas. Tinha seu atelier junto ao quintal e ali produziu desenhos em nanquim, em preto e branco, sobre folhagens e vegetação.

Folhagens - nanquim anos 50

Nas férias e nos finais de semana ela viajava para uma fazenda no interior de Minas Gerais, nos Campos das Vertentes, uma região que se assemelha por suas ondulações com a Toscana italiana. Observava os vários tons de verde da vegetação da mata atlântica e do cerrado e escreveu: “Saía para o campo munida de pranchetas e aquarelas, a fim de captar diretamente da natureza sugestões para a minha pintura.”

Aquarela - paisagem rural no interior de Minas Gerais - anos 40

Quando de suas inúmeras viagens para a Índia, desenhou paisagens rurais, publicadas em seu álbum Oriente-ocidente, integração de culturas, bem como no livro infantil Pepedro nos caminhos da Índia. Índia e Brasil são os dois maiores países tropicais do mundo e houve entre eles um intenso intercâmbio de espécies vegetais: a manga, o caju, o coco.



Ilustração para o livro Pepedro nos caminhos da Índia


Ilustração do livro A água fala, 2015.

Em 2023 desenhou com delicadeza  várias flores do cerrado, (um bioma que se encontra sob forte pressão),  que compuseram o grande painel em azulejos para a igreja de Nossa Senhora Aparecida em Diamantina.

Flores do cerrado. 2021

Ao longo de décadas, pintou uma série de quadros com vasos de flores e naturezas mortas, mostrando a exuberância das cores no mundo vegetal.


Vaso de flores, óleo sobre tela, anos 1950.

Vaso de flores -  acrílica sobre tela,  anos 2000.

Maria Helena pintando flores. 2020.

Em seus desenhos e pinturas com a temática do reino vegetal Maria Helena Andrés participou pioneiramente da sensibilização da sociedade para a consciência ecológica.


quarta-feira, 3 de abril de 2024

O reino animal na arte de Maria Helena Andrés

As relações dos seres humanos com os animais variam de uma sociedade para outra e evoluem ao longo do tempo.  Em algumas culturas os animais são tratados como coisas, escravos. Em outras sociedades eles são divinizados, vistos como seres sagrados.  Atualmente na cultura ocidental, na esteira da consciência ecológica, passa-se a valorizá-los e a ter maior percepção sobre suas emoções e inteligência. Parcelas da população se tornam vegetarianas, mudam seus hábitos em relação aos animais, adotam afetivamente os pets domésticos. Cria-se uma nova relação dos seres humanos com os animais, não mais tratados como coisas, com crueldade, mas tratados com o cuidado que merecem, como seres vivos com sensibilidade, emoções, inteligência e afeto. Eles são parte integrante da biosfera, junto com os seres humanos, os vegetais e os fungos. 

Os artistas por seu poder de comunicação, têm um papel importante para sensibilizar a sociedade para com os animais, percebidos como pessoas não humanas. Dentre esses destacam-se os artistas plásticos e visuais.

Durante toda sua longa carreira artística e em cada uma de suas fases Maria Helena Andrés focalizou o reino animal. Na década de 50, morava numa casa com um amplo quintal no bairro de Funcionários, em Belo Horizonte. Ali havia um galinheiro em que as crianças promoviam casamentos das galinhas, festas e procissões. 

Ela tinha seu atelier junto ao galinheiro e escreveu: “As crianças me acompanhavam enquanto eu pintava e algumas vezes eram incluídas nos meus quadros. Gostavam de brincar no fundo do quintal com as galinhas e os cachorros da fazenda.” 

Ela escreveu que: “Ia todos os fins de semana para a fazenda do meu sogro em Entre Rios de Minas. Ali desenhava cenas da vida rural, buscando a simplificação da figura como uma necessidade interior de disciplina e concentração. Suprimir detalhes, valorizar a cor chapada pura, sem nuances, era para mim também uma busca espiritual da essência da forma, síntese espontânea, intuitiva, conquistada com o exercício constante e ininterrupto do desenho. Os pequenos desenhos da década de 50 foram guardados em pastas diferentes, de acordo com o destino que poderiam ter mais tarde, na pintura, na escultura ou na arte aplicada.”

Em aquarelas figurativas ou em croquis de linha contínua ela desenhava os boizinhos que se transformaram, décadas depois,  em esculturas de ferro.


Escultura de boizinho

Quando de suas viagens para a Índia, ela desenhou paisagens rurais e diversos animais, tratados na mitologia hindu como deuses: Nandi (o boi), Ganesha (o elefante), Hanuman (o macaco), Subramanian (a cobra). Aquela civilização  politeista valoriza os animais como seres divinizados.

Ilustração publicada no álbum Oriente-Ocidente, integração de culturas. 

Ilustração do  livro infantil Pepedro nos caminhos da Índia. 

Como ilustradora, ela desenhou diversos animais no livro A Água fala, publicado nos anos 2015.






Beija flor e pinguins em ilustrações do livro A Água Fala.

Como pintora, escritora e ilustradora de livros, Maria Helena deu sua contribuição para a sensibilização ecológica em relação a essa parte da biosfera ao retratar os animais livres na natureza ou domesticados e próximos dos seres humanos. 


segunda-feira, 1 de abril de 2024

Paisagens celestiais na arte de Maria Helena Andrés

Atenta ao ambiente em que vive, Maria Helena Andrés  sempre valorizou os céus de Minas. Ela seguiu a inspiração de seu mestre Guignard que dizia : “Reparem nos céus de Minas. Eles têm um azul metálico, brilhante.”

O Retiro das Pedras, no alto das montanhas, é um local que foi pensado para ser um estúdio cinematográfico devido à paisagem espetacular e à limpidez do ar. Em várias obras ela mostrou as variações nos céus e nas nuvens vistas a partir do alto das montanhas onde vive. 

 As variações de cores nos céus e a dinâmica das nuvens estão presentes nas paisagens atmosféricas dos céus de Minas e inspiram os artistas.

As paisagens celestiais mostradas por Maria Helena em sua pintura  parecem ser abstratas, mas em alguns momentos adquirem formas e figuras reconhecíveis. Em 2015 ela fotografou uma Asa de Anjo nos céus, atenta ao momento presente. Alguns instantes depois aquela asa de anjo já se desfizera e tomara outras formas. Ela escreveu sobre a fotografia: "Desvendei a beleza dos céus de Minas, as montanhas que prolongam o horizonte a perder de vista, o pôr do sol, as nuvens desenhando figuras no fundo azul. Descobri a alegria de criar sem nenhum objetivo, apenas curtir o momento. Já escrevi que a fotografia é a arte do aqui e agora. Se a gente perde o instante, ele se dilui no tempo, não existe mais."




Carneirinhos, ursinhos, outrs formas animais e humanas surgem e desaparecem com o movimento das nuvens.

Ao pintar as paisagens celestiais ao seu redor, Maria Helena mostra as nuvens, a parcela da atmosfera que contém água, nos chamados rios voadores. A água que circula na atmosfera é um componente essencial do ambiente e é nela que se encontram as respostas para muitos dos problemas e questões relacionados com as emergências climáticas. A falta ou excesso de água são os responsáveis pelos desastres que acontecem com maior frequência e intensidade.  As paisagens aéreas das nuvens no céu, com suas formas fluidas e dinâmicas são uma dimensão da realidade cada vez mais merecedora de atenção e de observação pelos cientistas, no mundo que se encontra às voltas com as mudanças climáticas.

A realidade cósmica é  quase sempre abstrata. Os antigos reconheciam figuras nas estrelas e davam às constelações nomes relacionados com seres conhecidos, como nos signos do zodíaco: Escorpião, Peixes,  Leão, Touro, Gêmeos. A noção de abstração é relativa, num mundo em que os potentes telescópios modernos fotografam as estrelas e as galáxias e que mostram ali imagens que se aproximam de pinturas abstratas. 

Em alguns casos as galáxias são batizadas conforme sua forma se assemelha a figuras reconhecidas na escala terrestre: sombrero, bode, redemoinho, girassol, catavento.

O artista abstrato tem a capacidade de buscar a essência da realidade e visualizar aspectos do micro e do macro universo, para além das aparências. Sua sensibilidade e percepção vão além daquelas do cidadão mediano, que percebe com seus sentidos a realidade imediata.

O artista abstrato lida com realidades das escalas micro e macro do universo. O abstracionismo informal tem um significado especial nesse momento em que o universo é explorado e melhor conhecido, e a dimensão cósmica da realidade se torna mais próxima e visível.