quinta-feira, 29 de outubro de 2015

Filosofias da educação na Índia e os três princípios do bom ensino de Sri Aurobindo



A civilização indiana tem uma concepção generosa do que é o ser humano e do que é a criança, considerada como uma alma em evolução. Ali se desenvolveram uma filosofia e uma psicologia refinadas (para cada termo de psicologia em inglês, há quatro em alemão e quarenta em sânscrito). Também se estudaram a fundo a mente e as emoções, se desenvolveram práticas de respiração para tornar a mente mais lúcida e clara (a pranayama no yoga) e se desenvolveram posturas corporais que facilitam a concentração da mente (as asanas). Desenvolveu-se o estudo da mente, do cérebro, dos tipos de temperamentos, das habilidades e capacidades para aprender, relacionadas com os vários tipos de indivíduos. Essa concepção integral do ser humano - com o corpo, mente, emoções, o eu profundo e o espírito - está na base das filosofias de educação ali desenvolvidas e daí decorrem várias práticas e técnicas para a aprendizagem.

Sábios e pensadores indianos, tais como Sri Aurobindo, Tagore, Krishnamurti, Vivekananda, Gandhi, os Brahma Kumaris e outros pensaram sobre a educação e seus objetivos.
Sibia (1) (SIBIA,2006) relata que para Gandhi a educação deveria representar o ethos indiano e os professores deveriam ser virtuosos.  Gandhi considerava a educação como um processo “no qual o indivíduo desenvolve seu caráter, treina suas faculdades e aprende a controlar suas paixões para o serviço à comunidade. ”

Tagore defendia uma educação que levasse a um “desenvolvimento integrado e multilateral da personalidade humana. “ Ela deveria ser criativa e estar em contato com a vida econômica, intelectual, estética, social e espiritual das pessoas.

Vivekananda enfatizava a realização da perfeição no ser humano e defendia que nenhum conhecimento vem de fora para dentro. A educação é o processo de revelar gradualmente as qualidades intrínsecas dos indivíduos e de desenvolver suas potencialidades latentes até que se realizem. A educação compreensiva tem o objetivo de desenvolver a personalidade total do indivíduo em harmonia com a sociedade e a natureza.  Vivekananda dizia que nada pode ser aprendido sem a concentração da mente.

Os Brahma Kumaris, praticantes do Raja Yoga, a yoga da ação, relacionam o saber com o fazer e definem que "A aprendizagem para a vida funciona em quatro níveis: (1) informação - escutar, (2) conhecimento - entender, (3) sabedoria - fazer e (4) verdade – ser. Mas as pessoas e os sistemas tendem a ficar nos dois primeiros níveis. Para haver mudança efetiva precisamos prestar a mesma atenção em sermos sábios. Gradualmente, a sabedoria em ação cria uma pessoa verdadeira. O que ela põe em prática é o que ela se torna: a personificação da paz, respeito e generosidade."

Sri Aurobindo enfatizou que o desenvolvimento integral da personalidade inclui educar os sentidos, o corpo, a mente, a educação moral e espiritual. Sibia diz que “o pensamento educacional de Sri Aurobindo coloca ênfase no desenvolvimento holístico e na educação ritmada de acordo com as necessidades e capacidades da criança. O papel do professor nesse processo é o de um facilitador. A filosofia da escola influencia sua organização, os processos de ensino-aprendizagem e os resultados dos alunos. Isso, por sua vez, revela a cultura e o ethos da escola”.

Sri Aurobindo propõe criar amor à aprendizagem e estabelecer ligações da experiência de vida com a educação, que tem como objetivo o crescimento pessoal do aprendiz. Essa proposta está ligada com a sua visão futurística do destino humano, pois ele considerava o ser humano como um ser em transição. “Educar não é somente adquirir informação; seu objetivo central é construir os poderes da mente e do espírito humano, a evocação do conhecimento, do caráter, da cultura. ”  Ele aborda as finalidades maiores do conhecimento e o articula com a questão da ação, do fazer: “A questão maior não é a ciência que aprendemos, mas o que fazemos com essa ciência. ” Nós a usamos para alcançar o auto interesse estreito ou para o interesse público e coletivo?

Sri Aurobindo propõe aplicar um sistema de ensino natural, fácil e efetivo. Para tanto, enuncia três princípios do bom ensino: o primeiro é o de que “Nada pode ser ensinado”, pois o conhecimento já está dormente dentro da criança. O professor é um ajudante e guia, cujo papel é sugerir e não impor; ele mostra ao aprendiz onde está o seu conhecimento interno e como pode ser levado a subir à superfície. A tarefa do professor e dos pais é ajudar a criança a ser o que escolheu ser, regar a semente, deixar crescer, encorajar sua força, não focando nas suas fraquezas.

O segundo princípio é que a mente deve ser consultada em seu crescimento. “É uma superstição bárbara martelar a criança na fôrma projetada pelo pai ou professor. Ela pode ser induzida a se expandir de acordo com sua natureza. Forçar a natureza a abandonar seu próprio darma, é causar-lhe dano permanente, mutilar seu crescimento e desfazer sua perfeição. É uma tirania egoísta sobre uma alma humana e uma ferida para a nação, que perde o benefício do melhor que uma pessoa poderia ter-lhe dado e é forçada a aceitar algo imperfeito e artificial, de segunda qualidade, perfunctória, comum”. A educação deveria ajudar cada uma e todas as almas a atingirem o seu melhor. Cada um tem sua individualidade e potencialidade. “O principal objetivo da educação deveria ser ajudar a alma em crescimento a fazer emergir em si mesmo o que for melhor e fazê-lo perfeito para um uso nobre. ” Sibia completa, sobre Sri Aurobindo, que “Sua filosofia da educação é baseada no princípio da evocação de potencialidades do indivíduo em sua inteireza, que deveriam ser desenvolvidas de acordo com a natureza humana. O suposto é que o ser humano é bom em si e que uma liberdade positiva é um pré-requisito para ajudar as crianças, permitindo-lhes espaço para experimentar e prover oportunidades para crescimento. ”

O terceiro princípio da educação é “trabalhar do próximo para o distante, daquilo que é para o que deverá ser.” Ele afirma que “A base para a natureza de uma pessoa é quase sempre, além do passado de sua alma, sua hereditariedade, seu entorno, sua nacionalidade, seu país, o solo do qual tira seu sustento, o ar que respira, as visões, sons, hábitos aos quais está acostumada. Eles o moldam poderosa e insensivelmente e deve-se começar a partir daí. ” 

Propõe que o currículo seja individualizado. “A filosofia de educação de Sri Aurobindo objetiva modificar o currículo escolar, maximizar as oportunidades de aprendizagem, ajudar a criança a alcançar sua potencialidade em seu próprio ritmo e nível e devotar seu tempo a descobrir esse “conjunto único”. Esse tipo de escolarização é visto como a antítese de uma uniformidade imposta de cursos e ensinamentos prescritos...”.

Num contexto em que se debatem modos, técnicas e práticas para aperfeiçoar a educação e criar base comum unificadora que aborde o essencial, mas que respeite e valorize a diversidade em função da história, da geografia e do ambiente local em que se faz o aprendizado, vale a pena refletir sobre as filosofias da educação e quais os objetivos que se pretende alcançar com a aprendizagem. E para tanto, o acúmulo de reflexões existente na Índia sobre as filosofias da educação pode ser um tesouro valioso.

[1] SIBIA, Anjum. Life at Mirambika – a free process school. National Council of Educational Research and Training-NCERT. New Delhi. India. 2006.


Um comentário:

Ivan Laerte disse...


Os virtuosos são muito poucos. Como oferecer mestres virtuosos a toda população infanto-juvenil? O reconhecimento público da virtude raras vezes coincide com a verdadeira virtude.

A educação deve ser encargo dos realmente sábios. Sem que sua sabedoria os mantenha distantes daqueles a quem devem servir, mas aproveitando-a a seu favor.