Estudiosos da democracia dos direitos, ao mesmo tempo em que apregoam
suas virtudes, pois seria o regime político mais avançado das sociedades
humanas, apontam suas fragilidades.
O sociólogo Manuel Castells fala da necessidade da democracia
reinventar-se. O filósofo Jürgen Habermas ressalta as tensões que
permanentemente desafiam o Estado democrático de direito, entre elas
destacando-se o terrorismo, do início do século XXI. A pretexto de garantir a
segurança e de combater o terrorismo, governos de países que se dizem
democráticos montaram sistemas de vigilância sobre os cidadãos e de
bisbilhotagem eletrônica que criam situações de medo, de coerção e alimentam
desconfianças. Diante das ameaças reais ou imaginárias do terrorismo, os
governos colocam em segundo plano as conquistas da democracia, como os direitos
civis, o direito individual ou o direito à privacidade.
Os movimentos sociais dos últimos anos em
todo o mundo explicitaram a crise de representatividade e de confiança nos
políticos e nos sistemas que os sustentam. Expressaram descrença na política
partidária. Número crescente de cidadãos declara que ninguém os representa, não
se sentem representados por nenhum partido político. Número crescente de
eleitores se ausenta e vota nulo ou branco. A democracia dos direitos é um
sistema que vem sendo questionado em muitos países. Entretanto, devemos nos
lembrar que há sistemas políticos autocráticos, totalitários, despóticos, que
inibem ou reprimem a liberdade de expressão de que se desfruta em democracias.
É preciso ter cuidado ao analisar criticamente a democracia dos direitos e ao
propor modos de aprimorá-la, para não jogar fora a criança com a água do banho,
ou seja, para não se desvalorizarem as suas boas qualidades.Herdeiro da civilização greco-romana
e da tradição judaico-cristã, o mundo ocidental inventou o Estado democrático
de direito. Os grandes impérios da matriz ocidental enfatizaram o direito: no
passado, o império romano concebeu o direito romano. Em 1789, a revolução
francesa proclamou a Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, afirmando o
direito à liberdade, à igualdade, à propriedade e o direito de resistir à
opressão. Em 1948, a ONU proclamou a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Na história recente, o império americano se fundamenta na democracia dos
direitos.
Os direitos se expandiram. Dos direitos individuais - à liberdade, à
vida, à expressão -, evoluiu-se para os direitos sociais, econômicos e
culturais – à educação e à saúde, ao trabalho e à greve. Daí se evoluiu para a
terceira geração, a dos direitos e interesses difusos, que ultrapassam a
perspectiva individual e que incluem a proteção da coletividade, da paz e da
segurança pública, do patrimônio histórico e cultural e do meio ambiente.
As democracias se orientam idealmente para a justiça e os direitos, para
a transformação, a evolução, os projetos de liberdade, o novo e a modernização,
assim como para a atividade e o trabalho produtivo e com resultados, a
esperança e o futuro, valorizando a ciência e a razão. Entretanto, na prática,
nos diversos sistemas políticos e também nas democracias dos direitos,
deformações e desvios acometem o político e o administrador público.
Os diversos regimes políticos existentes - seja os totalitários,
autocráticos, teocráticos e, também, as democracias dos direitos - estão sob
constante pressão das populações.
A insatisfação social que eclode em várias partes reflete a aspiração
por uma humanidade com mais justiça e menos violência, o que inclui mais
justiça ambiental e menos violência contra a natureza. A insatisfação
manifestada nos movimentos sociais em vários países nos últimos anos clama
contra a corrupção e pela transformação do sistema político.
Experimentos de democracia participativa reduzem as distâncias entre
quem governa ou decide e cada cidadão. Audiências e consultas públicas,
plebiscitos, estruturação de órgãos colegiados com presença das partes
interessadas são instrumentos da democracia participativa. Entretanto, mesmo
tais experiências positivas sofrem quando os colegiados são capturados por
lobistas ou por atores que os influenciam em favor de interesses
particularistas.
Variam as ênfases entre direitos e responsabilidades de uma para outra
sociedade. Em algumas enfatizam-se os direitos individuais em detrimento das
responsabilidades sociais ou coletivas. Em outras, restringem-se os direitos
individuais e se priorizam as responsabilidades coletivas. Compatibilizar a
liberdade individual com as responsabilidades coletivas demanda um delicado
equilíbrio. Conhecer e aplicar o conceito do dharma pode ajudar a encontrar tal
equilíbrio.
A insatisfação social pede por relações políticas que sejam mais amplas
e generosas, ao tomarem o planeta como a principal unidade de referência.
Ecologista respeitado, James Lovelock, em seu livro “A vingança de Gaia”,
considera insuficiente a abordagem a partir dos direitos e necessidades
humanos: “Meu desejo há muito tempo é que as religiões e os humanistas
seculares se voltem para o conceito de Gaia e reconheçam que os direitos e
necessidades humanos não são suficientes.”[3](p.132). Ele afirma que “nossa tarefa como
indivíduos é pensar em Gaia primeiro. Isso não nos torna desumanos ou
indiferentes. Nossa sobrevivência como espécie depende totalmente de Gaia e de
aceitarmos sua disciplina.” (p. 137).
Situar a crise política das democracias representativas no contexto da
crise da evolução pela qual passa a humanidade nesse estágio terminal da era
cenozoica pode ajudara dar a dimensão real das questões que nossa espécie de
seres em transição está enfrentando atualmente.
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