terça-feira, 23 de outubro de 2018

Templos naturais

Cabo da Roca - Portugal

Serra da Piedade - Caeté- Minas Gerais

Corcovado e Lagoa- Rio
Maurício Andrés Ribeiro (*)
Templos naturais são lugares que favorecem estados de contemplação, reverência, respeito e silêncio nas pessoas que os visitam. Induzem atitudes de fruição sem interesse utilitário, semelhantes às que se tem num templo construído – seja uma capela ou uma catedral cristã, uma mesquita muçulmana, uma stupa budista ou nas diferentes edificações construídas para servir às tradições religiosas.
Podem ser lugares monumentais que nos colocam pequenos diante da sua escala, tais como cavernas que lembrem as catedrais góticas; lugares que se revelem por sons da natureza, como os de uma queda d’água ou de animais na selva; lugares altos de onde se pode usufruir o maravilhamento com a paisagem ampla e contemplar o nascer da lua cheia e, do outro lado do horizonte, o pôr do sol; encontros de águas de grandes rios, como a confluência do rio Ganges com o Yamuna, na Índia.
Constituem um patrimônio que dá suporte à memória espiritual, cósmica, e que relembram nossa condição humana e divina. Facilitam a conexão com o todo, ao se constituírem em lugares ecumênicos para qualquer pessoa, seja ela monoteísta, politeísta, ateísta ou panteísta. Facilitam a contemplação reverente, o lazer saudável, a peregrinação. Cada município pode ter templos naturais, centros energéticos naturais frequentáveis pela população local. São pontos de luz e de conexão espiritual, ecumênicos, transreligiosos, locais para o autoconhecimento. São mais do que um monumento natural ou um patrimônio imaterial, por suas qualidades energéticas, simbólicas, que despertam a espiritualidade e a conexão cósmica, um sentido de maravilhamento, embevecimento, introspecção, inspiração, estados alterados de consciência e de percepção.
Seus entornos têm várias escalas, da individual até a familiar, do grupo social à comunidade, à sociedade, à espécie. O próprio corpo humano também pode ser cuidado como um templo natural que abriga a alma e o espírito.
São espaços carregados de energia e espiritualidade e induzem formas de visitação que gerem atitudes e comportamentos de reverência, respeito e contemplação. Um templo natural pode fazer parte de roteiro de turismo místico que mostra que o significado da vida transcende o consumo.
O templo natural nos leva a reaprender a relacionar com os lugares de maneira respeitosa,  desperta para a comunhão planetária, por meio dos espaços sagrados e ajuda a estender a visão ecológica para a escala cósmica do planeta e para a escala individual da ecologia pessoal; chama a atenção para os ciclos longos da pré-história e das civilizações pré-cabralianas. Indígenas e povos espiritualizados como os orientais percebem os espaços sagrados, e ajudam a formular as questões necessárias para se reconhecer a existência de tais lugares, dentro ou fora de unidades de conservação reconhecidas por sua beleza cênica e paisagística e por atributos objetivamente reconhecíveis.
Templos naturais são lugares para meditar e contemplar, lugares onde a terra descansa, nas palavras de Ailton Krenak.
No Sistema Nacional de Unidades de Conservação- SNUC definiram-se vários tipos de lugares, desde as reservas ecológicas, os parques nacionais, os monumentos naturais. Mas não se criou uma categoria especial que designe aqueles espaços que transmitem uma energia própria e que podem estar situados dentro ou fora dessas áreas protegidas. A UNESCO protegeu vários exemplares do patrimônio natural no mundo e no Brasil. O Cabo da Roca em Portugal pode ser visto como um templo natural no ponto extremo do continente europeu.  O IPHAN- Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional também tombou sítios como as cachoeiras do Iauaretê, no alto Rio Negro, local sagrado para os indígenas da região.
O alto do Corcovado com o Cristo Redentor no Rio é um templo natural de onde se contempla a paisagem.
Minas Gerais, por sua topografia montanhosa e grandes altitudes, apresenta vários templos naturais. A Serra da Piedade, em Caeté, local de romaria, é também um deles. Em Conceição do Mato Dentro, a Colina da Paz, um lugar alto, com grama natural, vegetação de capim aveludado e um conjunto de pedras negras, onde se pode maravilhar com a paisagem da Serra do Espinhaço.  Outro lugar é a Cachoeira do Tabuleiro, com uma queda d’água de 273 metros de altura, circundada por um anfiteatro de pedras negras, vermelhas ou acinzentadas.
Alguns desses sítios têm sido destruídos e violentados pela atividade humana tal como a mineração que geometriza a paisagem por meio da terraplenagem.
Um oásis é um lugar em que há água e vida no deserto e no qual as caravanas param para descansar e se reabastecer antes de prosseguir viagem.  Na escala do sistema solar, a Terra é um lugar com solo fértil, vegetação, vida animal e água. É um pequeno ponto no deserto dos espaços siderais interplanetários. A própria Terra é um oásis, que precisa de cuidados e de ser ressacralizado. Na escala do cosmos, a Terra é um templo natural.
(*) Autor de Ecologizar e de Tesouros da Índia 

2 comentários:

Ermelinda Silva disse...

Um texto maravilhoso! Sou cristã, católica, praticante, mas confesso que encontro maior paz quando subo a um monte ou fico à beira do rio a ouvir a água que canta e um ou outro pássaro que rente às águas debica gotículas. Gosto de entrar sózinha num Templo seja ele actual ou um resquício de arte antiga; qualquer despenhadeiro tem a força indizível e inefável do Infinito que ali habita; caminho e em silêncio rezo, liberto energias negativas ainda que o faça por entre a cidade que fervilha stress. Desligo-me muito facilmente do ruído que me rodeia para me fixar num ponto que me acalme. Desde pequena que me habituei ao ar da Serra e à magestade que encerra porque vista do sopé. Transporto em mim a influência telúrica de uma aldeia serrana que me viu nascer e crescer e à qual sempre voltei até hoje. E nela escolhi sempre sítios ermos para me refazer do stress da cidade - tinha locais mágicos, cheios de energia como penedias, lages onde o sol bate rentinho à terra desde manhã à noite. O rio e a serra da cabreira. Quando estive pelo País a leccionar sempre me refugiava nos pontos altos, em geral capelas, pequenos Santuários ermos onde não havia ninguém. Renovava-me; cantava alto e contemplava em redor, ficava fascinada e limpa;sentia-me a respirar com o cosmos, eu uma partícula minúscula, sentia-me em osmose perfeita com o Universo. Sou formada em Filosofia mas quando jovem li os padres do deserto, a filosofia budista dos monges do Tibete, as doutrinas teosóficas(tinha alguns colegas nessa caminhada), aproximei-me de espíritas e gente que exercia sobre mim uma empatia extrasensorial, metafísica, próxima do deslumbramento que sentia quando contemplava o céu numa noite estrelada de verão. Se pudesse vivia isolada numa caverna na serra onde pudesse abrir os olhos e esse abrir fossem janelas para uma montanha; também gostava de viver junto ao rio porque as águas correntes de nascentes têm uma força incrível que nos inebria. O texto é maravilhoso porque nos dá a resposta perfeita às velhas questões da Metafísica: quem somos, donde vimos e para onde vamos? Só que, para chegar até à compreensão desta pertença cósmica tem de se fazer uma caminhada gigantesca, a menos que se nasça e morra indígena. Obrigada pela partilha.

Ermelinda Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.