sexta-feira, 7 de dezembro de 2018

Lidando com o cipoal normativo


Cipoal de normas cria custos para os  regulados.
 

Maurício Andrés Ribeiro
 
Quando fui Secretário Municipal de Meio Ambiente havia contradições nas regras em relação ao lixo.  Quando não havia coleta regular num local, o código sanitário da cidade recomendava queimar o lixo, visando evitar a proliferação de vetores de doenças – ratos, escorpiões, baratas etc.; já a legislação ambiental urbana, visando reduzir a poluição do ar, proibia a queima de lixo ao ar livre. Havia ainda o regulamento de limpeza urbana, com dispositivo diferente em relação ao mesmo tema. Qualquer que fosse o destino dado ao lixo de sua casa, o morador infringia uma das normas e podia ser fiscalizado e punido por isso.
Normas urbanísticas e ambientais frequentemente são concebidas e editadas a partir de visões e abordagens setoriais, sem um enfoque integrador. Há muitas situações em que especialistas formulam normas, acriticamente  e fiscais as aplicam  cegamente, insensíveis para os custos para os regulados. Instruções normativas de órgãos ambientais, quando são elaboradas por servidores e administradores sem passar pelo crivo social mais amplo de colegiados para serem discutidas e melhor formuladas, tornam-se frequentemente inadequadas e passam a ser entraves para as atividades.
Nos diversos níveis de governos, multiplicam-se normas – instruções normativas, resoluções, portarias, decretos, leis etc. – que criam dificuldades para os cidadãos, tornam-se oportunidades para a fiscalização arbitrária e para se praticar a corrupção. Esse labirinto de normas cria confusão, dificuldades e embaraços. Além disso, cria  entre os regulados ou fiscalizados um clima de exasperação propício para que vicejem propostas que jogam fora a criança com a água do banho, de revogação geral e irrestrita de leis e normas ambientais.
Diante da proliferação de normas o cidadão se sente perdido. Há fiscais que multam e penalizam, e assim aumentam a arrecadação do estado. Mas, em geral, não há um correspondente trabalho de comunicação prévio sobre as normas, de prazos para sua implantação, de assistência técnica aos cidadãos.
Fazer uma regra é fácil, mas cada norma editada gera custos para o regulado. Esse custo é pouco medido e pouco discutido quando se redige a norma.
Quando o regulado reclama e protesta pode ser tarde e ele nem sempre é ouvido pela burocracia do estado. Por isso é necessário avaliar se ela é realmente necessária. Em muitos casos, o melhor pode ser não a editar.
Dada a quantidade e diversidade de regras de vários tipos, é enorme o risco de um leigo  ficar rapidamente desatualizado. Não familiarizado com o diário oficial ou com os veículos em que são publicadas, precisa recorrer a quem lida com elas no dia a dia e está atualizado. Daí decorre o poder dos burocratas e despachantes que conhecem detalhadamente as normas e sabem como se mover entre elas. O poder da burocracia repousa sobre o seu domínio e conhecimento dos regulamentos e normas.
Diante de sua multiplicidade torna-se necessário revogar normas, regras e leis obsoletas; eliminar contradições, como, por  exemplo, no caso  do lixo, códigos sanitários x de limpeza urbana x urbanísticos x ambientais; desemaranhar a teia regulatória e definir com clareza o âmbito adequado da regulação. Se ela deve ser municipal, regional, estadual, nacional, ou supranacional, aplicando o princípio  da subsidiariedade e evitando a superposição de âmbitos que aplicam as normas.
É preciso desemaranhar a teia regulatória.
Periodicamente o tema da teia legal  e regulatória vem à tona e tomam-se iniciativas para lidar com ele, a exemplo do Ministério da Desburocratização que existiu no Brasil entre 1979 e 1986. Ele procurou diminuir o impacto da burocracia na economia e na sociedade intuindo que o cipoal regulatório tem um efeito não calculado ou compreendido de travar e  reduzir o nível potencial de crescimento econômico, resultando na redução futura da riqueza social.  Um dos aspectos mais debatidos desse problema é o cipoal tributário, mas ele é apenas uma parte do cipoal maior regulatório cujos custos são altos e não ainda medidos.
A melhoria da qualidade regulatória é uma necessidade para desburocratizar e reduzir custos. O ciclo regulatório inteiro envolve desde a concepção, a edição, a vigência, até a revogação de uma regra ou norma.
Melhorar a qualidade regulatória implica em revisar o estoque ou acervo de regras existente, avalia-las criticamente e  revogar aquelas obsoletas. Precisa ser removido o entulho burocrático, um passivo de normas ultrapassadas e contraditórias. Um revogaço pode desatar o nó cego do cipoal normativo. Num trabalho paciente e caso a caso pode-se desemaranhar o novelo e proporcionar melhor qualidade regulatória de modo a produzir o bem comum.
Melhorar a capacidade de formulação de novas normas por meio de processos participativos e coletivos pode ser uma boa prática para aprimorar a qualidade das normas pois assim pode-se incorporar a inteligência de muitas pessoas. Sua elaboração e aprovação por órgãos colegiados – conselhos, assembleias, câmaras - a partir de consultas públicas,  parte do ângulo de visão de vários atores e reduz os riscos de serem mal formuladas. Pode ser valioso um período de teste probatório em que diretrizes novas sejam debatidas amplamente antes de se tornarem leis ou normas, por meio de audiências públicas. No campo da regulação das águas, pratica-se a consulta pública para edição de normativos, construção de conhecimento, planos, marcos regulatórios, alocação de água.
A qualidade das normas reflete o estágio  de conhecimento e consciência sobre o tema que existe entre quem a formulou; reflete também o poder de lobbies, que influenciam a produção de leis e resoluções em seu próprio benefício, ao  atuar junto aos legisladores e aos membros de colegiados que elaboram as normas, ou influenciam as autoridades individuais que tem poder de editá-las. Entretanto, mesmo tais colegiados estão sujeitos a lobbies e a serem capturados pelos interesses dos atores que tenham maior poder político, econômico ou de conhecimento, produzindo normas enviesadas a favor de um ou de outro ator particular e que se afastam do interesse público.  
 

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