Cipoal de normas cria custos para os regulados. |
Maurício
Andrés Ribeiro
Quando fui Secretário Municipal
de Meio Ambiente havia contradições nas regras em relação ao lixo. Quando não havia coleta regular num local, o código
sanitário da cidade recomendava queimar o lixo, visando evitar a proliferação
de vetores de doenças – ratos, escorpiões, baratas etc.; já a legislação
ambiental urbana, visando reduzir a poluição do ar, proibia a queima de lixo ao
ar livre. Havia ainda o regulamento de limpeza urbana, com dispositivo diferente
em relação ao mesmo tema. Qualquer que fosse o destino dado ao lixo de sua
casa, o morador infringia uma das normas e podia ser fiscalizado e punido por
isso.
Normas urbanísticas e
ambientais frequentemente são concebidas e editadas a partir de visões e
abordagens setoriais, sem um enfoque integrador. Há muitas situações em que
especialistas formulam normas, acriticamente e fiscais as aplicam cegamente, insensíveis para os custos para os
regulados. Instruções normativas de órgãos ambientais, quando são elaboradas
por servidores e administradores sem passar pelo crivo social mais amplo de
colegiados para serem discutidas e melhor formuladas, tornam-se frequentemente
inadequadas e passam a ser entraves para as atividades.
Nos diversos níveis de
governos, multiplicam-se normas – instruções normativas, resoluções, portarias,
decretos, leis etc. – que criam dificuldades para os cidadãos, tornam-se
oportunidades para a fiscalização arbitrária e para se praticar a corrupção.
Esse labirinto de normas cria confusão, dificuldades e embaraços. Além disso,
cria entre os regulados ou fiscalizados um
clima de exasperação propício para que vicejem propostas que jogam fora a
criança com a água do banho, de revogação geral e irrestrita de leis e normas
ambientais.
Diante da proliferação de
normas o cidadão se sente perdido. Há fiscais que multam e penalizam, e assim
aumentam a arrecadação do estado. Mas, em geral, não há um correspondente
trabalho de comunicação prévio sobre as normas, de prazos para sua implantação,
de assistência técnica aos cidadãos.
Fazer uma regra é fácil,
mas cada norma editada gera custos para o regulado. Esse custo é pouco medido e
pouco discutido quando se redige a norma.
Quando o regulado reclama
e protesta pode ser tarde e ele nem sempre é ouvido pela burocracia do estado.
Por isso é necessário avaliar se ela é realmente necessária. Em muitos casos, o
melhor pode ser não a editar.
Dada a quantidade e
diversidade de regras de vários tipos, é enorme o risco de um leigo ficar rapidamente desatualizado. Não
familiarizado com o diário oficial ou com os veículos em que são publicadas,
precisa recorrer a quem lida com elas no dia a dia e está atualizado. Daí
decorre o poder dos burocratas e despachantes que conhecem detalhadamente as normas
e sabem como se mover entre elas. O poder da burocracia repousa sobre o seu
domínio e conhecimento dos regulamentos e normas.
Diante de sua
multiplicidade torna-se necessário revogar normas, regras e leis obsoletas; eliminar
contradições, como, por exemplo, no
caso do lixo, códigos sanitários x de
limpeza urbana x urbanísticos x ambientais; desemaranhar a teia regulatória e definir
com clareza o âmbito adequado da regulação. Se ela deve ser municipal,
regional, estadual, nacional, ou supranacional, aplicando o princípio da subsidiariedade e evitando a superposição
de âmbitos que aplicam as normas.
É preciso desemaranhar a teia regulatória. |
Periodicamente o tema da
teia legal e regulatória vem à tona e
tomam-se iniciativas para lidar com ele, a exemplo do Ministério da
Desburocratização que existiu no Brasil entre 1979 e 1986. Ele procurou
diminuir o impacto da burocracia na economia e na sociedade intuindo que o
cipoal regulatório tem um efeito não calculado ou compreendido de travar e reduzir o nível potencial de crescimento
econômico, resultando na redução futura da riqueza social. Um dos
aspectos mais debatidos desse problema é o cipoal tributário, mas ele é apenas
uma parte do cipoal maior regulatório cujos custos são altos e não ainda
medidos.
A melhoria da qualidade
regulatória é uma necessidade para desburocratizar e reduzir custos. O ciclo
regulatório inteiro envolve desde a concepção, a edição, a vigência, até a
revogação de uma regra ou norma.
Melhorar a qualidade
regulatória implica em revisar o estoque ou acervo de regras existente,
avalia-las criticamente e revogar
aquelas obsoletas. Precisa ser removido o entulho burocrático, um passivo de
normas ultrapassadas e contraditórias. Um revogaço pode desatar o nó
cego
do cipoal normativo. Num trabalho paciente e caso a caso pode-se desemaranhar o
novelo e proporcionar melhor qualidade regulatória de modo a produzir o bem
comum.
Melhorar a capacidade de
formulação de novas normas por meio de processos participativos e coletivos
pode ser uma boa prática para aprimorar a qualidade das normas pois assim
pode-se incorporar a inteligência de muitas pessoas. Sua elaboração e aprovação
por órgãos colegiados – conselhos, assembleias, câmaras - a partir de consultas
públicas, parte do ângulo de visão de vários
atores e reduz os riscos de serem mal formuladas. Pode ser valioso um período
de teste probatório em que diretrizes novas sejam debatidas amplamente antes de
se tornarem leis ou normas, por meio de audiências públicas. No campo da
regulação das águas, pratica-se a consulta pública para edição de normativos,
construção de conhecimento, planos, marcos regulatórios, alocação de água.
A qualidade das normas
reflete o estágio de conhecimento e consciência
sobre o tema que existe entre quem a formulou; reflete também o poder de
lobbies, que influenciam a produção de leis e resoluções em seu próprio benefício,
ao atuar junto aos legisladores e aos
membros de colegiados que elaboram as normas, ou influenciam as autoridades
individuais que tem poder de editá-las. Entretanto, mesmo tais colegiados estão
sujeitos a lobbies e a serem capturados pelos interesses dos atores que tenham
maior poder político, econômico ou de conhecimento, produzindo normas
enviesadas a favor de um ou de outro ator particular e que se afastam do
interesse público.
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