Maurício Andrés Ribeiro
Participei do ciclo de
leitura sobre Sri Aurobindo[1], realizado em 2018 no
Centro de Referência em Educação Integral e Ambiental em Brasília. Foi
enriquecedor ouvir e refletir coletivamente os textos selecionados a partir de
sua extensa obra de 30 volumes.
Os trinta volumes da obra completa de Sri Aurobindo. |
Éramos cerca de dez
pessoas e cada uma lia um trecho. A
leitura pausada, lenta, refletida, ajuda a absorver os significados de modo
mais pleno. Os textos por vezes são de difícil leitura, com frases longas e
ideias condensadas. As leituras eram entremeadas com a palavra livre para
comentários e interpretações, divagações e reflexões. A percepção dos outros
joga luz sobre aspectos que para cada um de nós individualmente haviam passado
despercebidos. Acontecem sinergias, estímulos cruzados e compreendemos várias ideias.
O exercício exigiu capacidade de escuta, paciência e espírito de diálogo.
Sri Aurobindo era um
visionário. Enxergava longe e inventava conceitos e palavras que dessem nome a
realidades ainda não nomeadas.
Nas leituras, situávamos o contexto em que os textos foram
escritos: alguns, há várias décadas, outros há mais de um século. Como os clássicos,
permanecem atuais na realidade contemporânea.
Sempre li Aurobindo a partir de meu interesse pela
ecologia e pela evolução. Sua mega visão da evolução, simultaneamente combinada com uma valorização
do mundo interior, da alma, do espirito, da subjetividade aproximam o micro e o
macro, o interior e o exterior. “A
evolução é uma lenta transformação da energia em consciência”, escreveu Sri Aurobindo.
Ele descreve a evolução da matéria para a vida e para a consciência. O ser
humano ainda está em sua infância e tem um longo caminho a percorrer.
O Ocidente enfatizou uma visão negativa do homem como lobo do homem,
marcado pelo pecado original, pela ambição insaciável. Esse ser em sua infância é como um anjo que
se estraga em sua vida social. No Oriente há visões distintas, enfatizando o
Deus que se encontra dentro de nós e que precisa emergir e aparecer. O
cumprimento indiano Namasté significa isso: “O Deus dentro de mim saúde o Deus
que existe em você.”
Para onde a evolução leva a espécie humana? |
Evolucionista, Sri
Aurobindo inseriu a história humana com seus alguns milhares de anos, na história
natural, com ciclos de milhões e bilhões de anos. Muito antes de Yuval Harari fazer
isso em Sapiens e em Homo Deus, isso já estava presente em A Vida Divina, no O Ciclo Humano, em O ideal da
unidade humana. Sua visão do tempo é alongada. Ele
frequentemente usou a expressão no
momento atual, que não trata necessariamente do preciso segundo em que o
texto foi escrito, ou do momento em que ele está sendo lido, mas do momento na história
humana inserida na história natural em que vivemos. Trata-se de um momento
estendido no tempo pois, na história natural, um século pode ser um
momento. Ele escreve: “No momento atual a humanidade atravessa uma crise
evolutiva em que se esconde a escolha de seu destino; pois foi alcançado um
estágio em que a mente humana obteve um desenvolvimento enorme em certas
direções, enquanto em outras está paralisada e desorientada e não consegue mais
achar seu caminho.” Os
textos clássicos têm a qualidade de permanecerem atuais muitos anos depois de
terem sido escritos. O distanciamento, o tratamento da humanidade como espécie
em evolução, a visão de um astronauta, à distância e do alto, torna os textos valiosos para o
mundo atual.
Sri
Aurobindo nos percebeu como seres em transição que têm em si uma centelha divina,
capazes de contribuir para construir e acelerar
a evolução. Uma força universal conduz a história humana, diz Sri Aurobindo,
cuja perspectiva sobre a evolução parte do poder do espírito em moldar a matéria. O ser humano é visto com um ser
com infinitas possibilidades e potencialidades; para desenvolvê-las precisa
trabalhar sobre seu próprio corpo, suas células físicas, para serem capazes de
receber a energia que vem do universo e da Natureza.
Se o ser humano é um ser
em transição sujeito a uma mutação de consciência, cultural e de comportamento,
como propõe Sri Aurobindo, ele transita em direção a que? Qual será a
modalidade de ser que o sucederá? Quais
as principais características desse ser emergente que dá seus primeiros passos?
[1] Sri Aurobindo é autor de extensa obra publicada em trinta volumes pelo
Sri Aurobindo Ashram Trust, Pondicherry, Índia.
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