segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Deus e as responsabilidades

Maurício Andrés Ribeiro 

Umberto Eco observou que “Justificar tragédias como "vontade divina" tira da gente a responsabilidade por nossas escolhas.”
Umberto Eco pode ter razão caso Deus seja colocado acima de todos, no alto, fora de cada ser humano. Quando Deus é colocado nessa posição, as expressões “se Deus quiser”, “entregar para Deus” mostram uma acomodação,  uma impotência ou falta de desejo de encarar as questões. Se acontecem tragédias ou desastres é porque Deus quis e não há nada a fazer senão aceitar a vontade divina. “Deus é brasileiro” é outra expressão que também entrega para Deus a responsabilidade de resolver os problemas.
Entretanto há outras maneiras  de entender a existência de Deus e de definir onde colocá-lo. Na tradição dos vedas  escrituras sagradas hindus, Deus não está apenas acima, no alto, fora dos seres vivos, mas está dentro de cada um. A saudação indiana do “Namasté” significa que “o Deus que habita em mim saúda o Deus que habita em você.” Para além das aparências do corpo, da mente, das emoções e sentimentos, há nessa concepção uma essência divina nos seres vivos humanos e não humanos que pode ser chamada de alma ou espírito.
O entendimento do que seja um ser humano se expande e mostra-se generoso. O homo sapiens não é percebido apenas como um descendente dos macacos, na história da evolução, mas como portador de uma consciência e energia divinas. As expressões “se Deus quiser”, “ a vontade divina”, “Deus é brasileiro”, “entregar para Deus” passam a ter outro significado: dentro de cada brasileiro há uma essência divina. Ao invés de ser apenas e exclusivamente movido por  interesses particularistas, por desejos do ego, pessoais, acredita-se que possa ser movido por uma vontade e uma aspiração mais elevada, divina e transpessoal.
Nesse  contexto, quando acontece uma tragédia ou um desastre, cada um tem sua parcela de responsabilidade, o dever de arcar com as consequências do próprio comportamento ou do comportamento de outras pessoas.
     Não se nasce responsável, aprende-se a ser responsável. Uma criança pequena não sabe avaliar  com clareza as consequências de seus atos. Pratica ações temerárias, não tem a noção do risco que corre. Em situações  de perigo  ela só pode comparecer acompanhada de seus pais ou responsáveis. Esses têm deveres de cuidar para que ela não sofra danos ou se machuque ao praticar ações imprudentes.
Atualmente,  o movimento de crianças e jovens sobre a questão climática mostra que essa faixa etária está assumindo consciência e responsabilidades num mundo em que muitos adultos são alienados, alheios, inconscientes ou irresponsáveis quanto a esse tema.
Um adolescente impetuoso pratica ações  temerárias e se arrisca a sofrer danos e prejuízos. Um delinquente juvenil pratica conscientemente crimes com consequências funestas, mas não pode ser legalmente responsabilizado por seus atos. Maiores e  pessoas adultas são considerados legalmente responsáveis por seus atos e palavras e podem pagar por seus erros.  
Consciência e conhecimento trazem responsabilidade.
 Assumir a  responsabilidade  por seus pensamentos, palavras e ações é sinal de maturidade pessoal e individual, empresarial, coletiva. Aprender a ser responsável  é parte importante da educação básica de todos e de cada um.
 No mundo contemporâneo, é como se a espécie humana, movida  por desejos do ego, se comportasse como um delinquente juvenil ou como um psicopata, praticando irresponsavelmente atos danosos sem assumir  as consequências e pelo sofrimento que possam causar a terceiros e ao ambiente. Caso evolua, nossa espécie pode  superar a fase de busca pelos interesses vitais, de satisfação dos desejos do ego e evoluir para entender seus propósitos, missões ou tarefas e caminhar para a liberação ou a espiritualidade. Cada um pode se mover  por uma nova relação amadurecida com os demais e com o meio ambiente e  assumir responsabilidades de cogestão da evolução.  
Quando o  Deus  que existe dentro de cada brasileiro for despertado e ele não se enxergue apenas como um descendente dos macacos que evolui da história natural para a história humana,   talvez  passe a exercer sua responsabilidade e tragédias e desastres possam ser prevenidos ou evitados.
 

 

 

 

Nenhum comentário: