Maurício Andrés Ribeiro
O homem é produto do meio que por
sua vez é produto do homem num processo mutuamente adaptativo de coevolução. O que vem primeiro, a evolução pessoal ou as
mudanças sociais? É possível haver mudanças sociais e políticas coletivas
duradouras sem a evolução pessoal?
Sri Aurobindo postula que o ser
humano é um ser em transição na evolução. Ao vislumbrar o advento de uma era espiritual,
ele prioriza abertamente a liberdade
individual: “A vinda da era espiritual
deve ser precedida pelo aparecimento de um número crescente de indivíduos que
não estão mais satisfeitos com a existência intelectual, vital e física do
homem, mas percebem que uma evolução maior é a verdadeira meta da humanidade e
tentam efetuá-la em si mesmos, guiar outros para ela e fazer dela o objetivo
reconhecido da espécie.”
Num mundo em que os estímulos se multiplicam, atraindo a atenção das pessoas
para a realidade externa e para aquilo que apela aos sentidos, olhar para
dentro é um exercício de desligamento e de desconexão com os atrativos
externos, que valorizam as atualidades conjunturais e superficiais e não as
realidades profundas e estruturantes.
A vida introspectiva ou
introvertida é necessária para o autoconhecimento. ""É dentro de nós
que a Realidade deve ser encontrada e a fonte e fundação de uma vida
aperfeiçoada; nenhuma formação exterior pode substitui-la: deve haver o
verdadeiro si dentro se é para haver a verdadeira vida realizada no mundo e na
Natureza." Ele reconhecia a
importância de olhar para dentro:
“Esta raça errante de seres
humanos sonha sempre em aperfeiçoar seu meio ambiente por intermédio dos
mecanismos do governo e da sociedade, mas é somente pela perfeição da alma
interna que o ambiente externo pode ser aperfeiçoado. Aquilo que tu sejas dentro,
o que esteja fora de ti desfrutará; nenhum mecanismo pode te salvar da lei do
teu ser.”
Assim, ele se aproxima de campos da ecologia do ser,
da ecologia interior, da ecologia transpessoal. Complementarmente ele coloca em
dúvida a possibilidade de as mudanças serem realizadas de fora para dentro, do
exterior para o interior:
“Este movimento de ir para dentro
e viver dentro é uma tarefa difícil a colocar sobre a consciência normal do ser
humano; no entanto não há nenhum outro caminho de autodescoberta."
Ao mesmo tempo em que valoriza
liberdade individual que é um pré-requisito para a evolução pessoal, Sri Aurobindo reconhece que também o meio coletivo, físico e
social influencia os indivíduos e os alteram. Ele chama a atenção para a
importância de uma evolução combinada do individual e do grupal. Em O Ciclo Humano ele escreveu que “...nem
o crescimento separado do indivíduo, nem o crescimento compreensivo da
totalidade do grupo podem ser o ideal, mas um igual, simultâneo e, na medida do
possível, um paralelo desenvolvimento dos ambos no qual cada um ajuda a
realizar o outro.” (H.C. p. 60) Na sua visualização de uma mudança
espiritual para a espécie humana de seres em transição, ele reforça a
importância dessa dupla origem das mudanças: “Se a mudança espiritual da qual estivemos
falando tiver quer se realizar, ela deve unir duas condições que deverão ser
satisfeitas simultaneamente, mas que são muito difíceis de ocorrer juntas. Deve
haver indivíduos que sejam capazes de ver, de desenvolver, de recriar a si
próprio à imagem do Espírito e de comunicar tanto sua ideia como seu poder à
massa. E deve haver ao mesmo tempo a massa, a sociedade, uma mente coletiva ou
ao menos os componentes de um corpo coletivo, a possibilidade de uma alma
coletiva que seja capaz de receber e de efetivamente assimilar, pronta a seguir
e a efetivamente chegar, se não compelida por suas próprias deficiências
inerentes, por seus defeitos de preparação para parar no caminho ou para recuar
antes que a mudança decisiva seja feita.”
Entre essas duas escalas, a do indivíduo
e a global, há uma escala intermediária relevante, a das nações.
O movimento do individual para o
global passa por identidades nacionais, regionais, comunitárias e essa
instancia necessita ser reforçada para que o cosmopolita e o global também
tenham força. Uma globalização que se faça às custas do enfraquecimento das
identidades nacionais ou regionais não se sustenta. Movimentos separatistas em várias
partes do mundo (na Espanha, no Canadá,
a dissolução de países amalgamados precariamente como a antiga URSS, a antiga Iugoslávia,
a antiga Tchecoslováquia etc.) valorizam tais identidades regionais. A importância dessa escala intermediaria
entre o individual e o global é reconhecida por Sri Aurobindo que valorizava a
identidade nacional como uma escala entre o indivíduo e a espécie:
“Dentro da mente e alma universal
da humanidade está a mente e alma do indivíduo com sua variação infinita, sua
singularidade e seus traços comuns e entre elas há um poder intermediário, a
mente de uma nação, a alma de um povo.” 17-196
Ele reconhecia a
importância do fortalecimento das nações e de sua identidade, de firmar a
diversidade para compor a unidade do todo. Pioneiro na luta pela descolonização
da Índia, a partir de um certo momento Sri Aurobindo considerou que essa
batalha seria inexoravelmente vencida e passou a focalizar o tema mais amplo da
humanidade.
Muitas das coisas que ele
quando jovem pensava como projetos para o futuro se realizaram no seu período de vida, pois a
força das ideias e da vontade pressionam pela mudança na realidade exterior.
Ao mesmo tempo em que
enxergava a importância do fortalecimento das identidades nacionais, Sri
Aurobindo estudou como essa diversidade de nações poderia se articular e
integrar num todo mais unitário. Nesse sentido ele examinou vários cenários e
avaliou os pros e contras de cada um deles: um império mundial, uma
confederação de nações, uma federação.
Estudou o passado, das tentativas
de articulação supranacional desde a Liga das Nações e a ONU. Em seu pensamento político e social, propôs
que a melhor formulação para tal organização política seria uma federação
planetária. Essa concepção deu origem a iniciativas tais como a Constituição
para a federação do planeta Terra, publicada em 1977 pela imprensa de Auroville.
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