É inspirador
observar o relacionamento harmônico com a água de modo integrado com o uso do
solo e as florestas no Japão.[1]
Cercado de mares e muito rico em fontes de água, originárias dos Alpes
japoneses, suas montanhas ocupam 70% da superfície e constituem a espinha
dorsal do arquipélago. Elas têm ocupação humana rarefeita em contraste com os
vales em que há cidades muito densamente ocupadas.
As densidades
populacionais e de ocupação do solo são muito altas nas metrópoles japonesas e
no país. Com área total de 372 mil Km2 (equivalente à área do Estado
do Rio Grande do Sul) e com 126 milhões de habitantes, a densidade média da
população é de 337 habitantes por Km2., ou seja, cerca de 15 vezes
maior do que a média brasileira.
Os Alpes japoneses
são, em sua maior parte, ocupados por florestas, que servem para a proteção dos
solos e o controle da erosão. Ainda que a maior parte das florestas seja de
propriedade privada, sua exploração e a comercialização do produto são
usualmente feitos por meio de associações florestais. Sendo o país de clima
temperado, a vegetação demora 80 anos para ser explorável e, desta forma, as
florestas são consideradas como poupança, mais do que como investimento com
retorno em curto prazo.
Apesar da
altíssima densidade populacional, os fundos de vales em cidades japonesas são
mantidos não edificados. Preservam-se os fundos de vale não edificados nas cidades,
com canais abertos e parques lineares, que são inundados com as chuvas. Quando
as águas se vão, não deixam danos econômicos ou sociais. A água é integrada no
paisagismo e no urbanismo de modo harmônico e leva em consideração questões
econômicas e de segurança em casos de inundações.
Fundo de vale não ocupado em cidade
japonesa reduz prejuízos com enchentes.
Foto: Maurício Andrés
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O uso da terra
urbana e rural está sujeito a regras elaboradas. Um perfil típico é a ocupação
urbana das faixas de interseção entre as montanhas e os vales. As montanhas são
usadas para florestamento e preservação ecológica, além do uso econômico e os
vales, usados para a agricultura intensiva que, em muitos casos, aproveita os
espaços vazios nas periferias urbanas, onde os terrenos não construídos são raramente
ociosos. Hortas, pomares e plantações diversificadas ocupam essas valiosas
faixas, contribuindo para o abastecimento alimentar. No Japão, programas
intensos de florestamento de encostas, de criação de cooperativas florestais e
de proteção à cobertura vegetal reduziram as inundações nas planícies e os
prejuízos à economia agrícola.
Mas isso nem
sempre foi assim e as práticas de convivência harmônica com a água resultaram
do aprendizado social sobre os riscos e os custos da ocupação inadequada dos
vales. No passado houve desflorestamento das montanhas, erosão e assoreamento
nos vales, perdas agrícolas, fome e problemas sociais. O exemplo seguinte é elucidativo: no início
do século XX o Japão sofria sérios problemas de enchentes originadas em suas
montanhas, que haviam sido desflorestadas. As planícies com plantações de arroz
eram frequentemente inundadas por enchentes que causavam prejuízos, perda da
produção agrícola e fome. O país, que então se abria para o mundo, buscou no
exterior apoio de quem conhecia bem as inundações: contatou os holandeses, que
sabiam conter o mar com diques e evitar que as terras baixas fossem inundadas.
Os holandeses estudaram o problema das enchentes japonesas e propuseram ações
baseadas em sua experiência. Não tiveram sucesso. Os japoneses resolveram,
então, buscar sua própria solução para o problema. No plano decenal de 1884,
que fixou as linhas para a entrada do Japão no período moderno de sua história,
advogava-se a importância de melhorias contínuas nas tecnologias tradicionais
disponíveis no país. Assim, observaram que numa das ilhas os problemas de
enchentes eram menores que no restante do país. Ali se protegiam as montanhas
com florestas e o uso da lenha não gerara muito desmatamento. Disseminaram em
todo o país aquelas práticas tradicionais. Programas intensos de proteção de
encostas reduziram as inundações. Cooperativas florestais foram criadas para
administrar as florestas e manejá-las de forma sustentável, usando a madeira
para mobiliário e construção civil. O florestamento dos Alpes japoneses foi
estratégico para conter sedimentos e erosões. As medidas de prevenção e
controle evoluíram e compreendem a manutenção integral da cobertura de
florestas nas áreas montanhosas, a construção de represas para conter a terra
que escorre das montanhas junto com a água de chuva e a proteção de encostas
por meio de redes metálicas ou de plástico, que previnem os deslizamentos de
terra. Quando os japoneses aprenderam a cuidar melhor de suas montanhas e
florestas, evitaram o desmate descontrolado, reduziram a erosão e as perdas
agrícolas.
Hoje, o Japão ensina a aproximação com a água, voltando-se de
frente para os lagos, rios e regatos. As cidades procuram ter intimidade com a
água, evitando que córregos sejam aprisionados em canais fechados. Promove-se a
reintegração urbana da paisagem ribeirinha e dos seus animais, como rãs e
libélulas. Evita-se asfaltar as vias, para não agravar problemas de drenagem e
provocar inundações. Evita-se que a água de chuva escorra diretamente para os
rios; ela infiltra lentamente no solo. Represas de armazenagem e regularização
da drenagem são previstas nos parcelamentos urbanos. Adotam-se sistemas de
armazenagem da água de chuva em tanques subterrâneos. Age-se preventivamente na
organização humana do espaço e na ocupação do solo.
O Japão ensina que pode ser simples a solução
para se prevenir inundações e para se articular a gestão da água com o uso e
ocupação do solo. Ensina que a aprendizagem coletiva de convivência harmônica
com a água é um processo civilizatório e cultural em que se aprende a partir
dos erros cometidos, em aproximações sucessivas.
O Japão mostra que a aprendizagem
coletiva é um processo cultural.
Os japoneses aprenderam com a
dor, com o sofrimento e com os prejuízos econômicos provocados por terremotos e
inundações, a atuar preventivamente e com prudência ecológica no seu
ordenamento territorial. O exemplo japonês mostra uma sociedade que aprendeu a
dar respostas adequadas aos problemas de injustiças sociais e de segurança
ecológica e ambiental. O Brasil tem muito a aprender com a experiência japonesa
nesse campo.
[1] O
Japão é estudado no livro Colapso, de Jared Diamond, como um exemplo positivo
de civilização que aprendeu a se relacionar de modo mais amigável com o
ambiente e a água.
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