sábado, 24 de outubro de 2020

A renuncia ao egoismo para superar a pandemia

Maurício Andrés Ribeiro

“Eu costumava pensar que os principais problemas ambientais eram a perda da biodiversidade, o colapso do ecossistema e as mudanças climáticas. Achei que trinta anos de boa ciência poderiam resolver esses problemas.

Eu estava errado. Os principais problemas ambientais são egoísmo, ganância e apatia e, para lidar com eles, precisamos de uma transformação cultural e espiritual." (James Speth)

 



As motivações para a ação variam: algumas estão centradas no auto interesse imediato – as ego ações; outras são generosas, apresentam consciência ecológica – as eco ações; há motivações de prestar um serviço abnegado a outros: a seva.

Seva é uma palavra sânscrita para o ato do serviço altruísta ou abnegado. Esse ato leva ao benefício  coletivo,  sem almejar resultados para o indivíduo que o pratica. Seva é um ato de compaixão pelos outros e um modo de se desenvolver pessoal e espiritualmente.  Diz a Yogapedia que “ Realizar o seva pode ser uma tarefa desafiadora, pois pode gerar dificuldades pessoais para as pessoas que o fazem. Elas podem descobrir suas próprias aversões a certos aspectos do trabalho. No entanto, por meio da conscientização desses desafios, a seva pode ser uma ferramenta poderosa para as pessoas aprenderem mais sobre si mesmas, suas personalidades e os padrões de comportamento ou pensamento que já não lhes servem.” Trata-se da uma ação desinteressada, sem expectativas quanto a seus resultados, de quem age para cumprir o seu dharma ou, usando conceitos ocidentais, seu direito/dever, sua missão ou tarefa.

O mundo poderá tornar-se menos desigual quando mais indivíduos e empresas tiverem a atitude de servir ao bem comum e não se motivarem apenas para se apropriar privadamente dos dividendos e lucros de sua atividade, ainda que às custas do meio ambiente e da espoliação social. A superação do egoísmo individual, coletivo e entre nações, é um requisito para se reduzirem desigualdades. O egoísmo está na raiz das desigualdades. Para reduzi-las é necessário não agir voltado para atingir metas individuais especificas, a serviço do ego,  mas para o benefício do ambiente (eco)  e prestar um serviço ao coletivo, ao todo (seva).  Inspiradas pela solidariedade e pela superação do egoísmo medidas emergenciais de redução de desigualdades poderão ter efeitos benéficos para toda a sociedade e não apenas para os seus beneficiários diretos.

O caminho da ego-ação se move pela ganância, é o ego centrado no seu interesse imediato, com consequências destrutivas sobre o que é de interesse comum; já o projeto ecológico amplia a noção de autointeresse. Enquanto a ego-ação enfatiza o interesse particularista, privado, pessoal, a eco-ação focaliza o interesse da vida e de um planeta em condições de abrigá-la. Quando a consciência focada no ego pessoal se amplia para a consciência ecológica, percebe-se que somos parte do ambiente e o que ocorrer com ele ocorrerá conosco. A consciência ecológica ajuda a avançar de um egoísmo ignorante para uma forma mais esclarecida de egoísmo. Com a consciência ecológica, a noção de auto interesse se expande. Ecologizar o interesse é uma atitude sábia para enfrentar a atual megacrise da evolução.

Há no planeta bilhões de indivíduos humanos, sintonizados em distintas faixas da consciência. Ela é condicionada por influências culturais, familiares, religiosas, do ambiente humano, social, natural. À medida que se amplia a consciência, passa-se a incluir outros aspectos no campo do interesse próprio. Percebe-se ou enxerga-se mais longe.

 À medida que se evolui do estágio egocêntrico para o etnocêntrico (o interesse do grupo racial ou social), daí  para o mundicêntrico (o interesse planetário) ou o ecocêntrico, o campo do auto interesse se expande e torna-se mais inclusivo.

Sri Aurobindo, em seu livro  A Vida Divina, realça que o humano é um ser em transição na evolução e que pode aspirar a se tornar algo mais.  Ele propõe que se renuncie ao egoísmo que está na raiz da ação individual ou coletiva,  pessoal, nacional ou internacional e ao ego que só pode pensar colocando-se como centro. Dissolver o ego, que está na raiz dos  sofrimentos, é para ele um caminho pois “Quando o ego busca liberdade, ele chega ao individualismo competitivo. Quando ele objetiva a igualdade, chega antes à disputa, e então a uma tentativa de ignorar as variações da Natureza; como a única maneira de fazê-lo com sucesso, constrói uma sociedade artificial e mecânica. Uma sociedade que persiga a liberdade como seu ideal é incapaz de alcançar a igualdade; uma sociedade que mire na igualdade será obrigada a sacrificar a liberdade. Para o ego, falar de fraternidade é falar de algo contrário à sua natureza.”  

Dissolver o  ego, renunciar, abolir ou superar ao egoísmo,  evoluir para a ação ecológica e para o serviço abnegado da seva, podem distanciar a humanidade da megaencrenca em que se meteu em suas relações com o planeta que a sustenta. Esse caminho de evolução pessoal e individual, que não dispensa as mudanças sociais e coletivas, cada vez mais se encontra às vistas de todos.

A pandemia trouxe sinais de que a abnegação e o desprendimento na prestação de um serviço desinteressado é uma atitude que pode contribuir para alcançar mais bem estar coletivo, mais segurança, mais coimunidade benéfica para todos.

 

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