terça-feira, 20 de dezembro de 2022

GERENCIAMENTO INTEGRAL DO CICLO DA ÁGUA

Maurício Andrés Ribeiro

 


Figura: Fonte USGS. É possível gerenciar integralmente o ciclo da água?


O gerenciamento das águas de superfície é uma tarefa difícil e complexa que depende de conhecimentos técnicos, domínio de instrumentos de ação, capacidade de articulação entre níveis de governo e com a sociedade e integração de sistemas  de informação.

O gerenciamento das águas subterrâneas tem as mesmas complexidades, acrescidas do fato de que é mais difícil detectar a sua presença e conhecer a sua dinâmica.

O gerenciamento integrado de águas superficiais e subterrâneas soma mais complexidade técnica, política e administrativa.

Praticamente todo o volume de água do planeta – nos oceanos, na atmosfera, no permafrost, no gelo, nos seres vivos encontra-se fora do alcance da gestão das águas, que atualmente prioriza a gestão das águas doces superficiais e secundariamente as subterrâneas.

Pierre Weil, meu  amigo com quem colaborei na concepção de um centro de estudos holístico e transdisciplinar, a UNIPAZ,  tinha uma atitude corajosa diante dos problemas que enfrentava. Ele dizia que quando tinha diante de si um problema enorme, difícil de resolver e praticamente insolúvel, ele criava um outro, maior ainda e se propunha a resolvê-lo. Assim, o problema inicial tornava-se pequeno diante das dificuldades do novo problema.

Figura: Fonte USGS. É possível gerenciar integralmente o ciclo da água?

Neste livro, proponho que se enfrente o gerenciamento integral do ciclo da água, que inclui as águas atmosféricas. Ele agrega uma complexidade e uma dificuldade ainda maior aos já enormes problemas envolvidos com o gerenciamento integrado das águas subterrâneas e superficiais.

A gestão integral do ciclo vai além da gestão integrada de recursos hídricos superficiais e subterrâneos. Uma gestão do ciclo integral envolve todos os aspectos, desde a água na atmosfera, as nascentes, a proteção florestal e o uso do solo. Uma abordagem holística e transdisciplinar considera o ciclo integral, inclusive sua fase meteórica ou na atmosfera, pois cada vez mais a gestão de recursos hídricos está dependente do clima e de suas variações.  Tal gestão considera as interconexões entre o que ocorre quando ela escorre superficialmente, se infiltra nos solos e forma os lençóis subterrâneos e  quando se encontra em estado meteórico, no vapor na atmosfera.

A gestão integral do ciclo considera todas as suas formas de presença na natureza: sólida, líquida, gasosa; meteórica, superficial e subterrânea. Ela exige uma compreensão ampla desse ciclo.

A gestão integral do ciclo da água depende de uma boa articulação federativa entre o nível federal, os estados e municípios,  a partir de dados e informações compartilhados. Numa federação, cada ente tem suas responsabilidades. A chuva chove nos municípios, pois ela cai no território da bacia e quem cuida do uso e ocupação do solo são os municípios. Depois ela escorre para riachos e córregos estaduais e algumas vezes chega a rios federais. Quando ela infiltra no solo passa a ser de domínio dos estados, que gerenciam as águas subterrâneas. Enquanto está na atmosfera, ninguém é responsável pelo seu gerenciamento.

Para se lidar de modo integral com a gestão do ciclo, é relevante reduzir as demandas nas diversas atividades econômicas, especialmente o consumo pelo usuário que mais a utiliza, a agricultura irrigada.  Isso implica em inovar em tecnologias e em atuar sobre a economia para reduzir as demandas excessivas que causam estresse hídrico, sobre a cultura e os hábitos alimentares e de vida.

A gestão do ciclo de vida das águas articula seu planejamento e gestão numa perspectiva de longo prazo. Ela compartilha dados e sistemas de informação. Requisito importante para se tornar realidade é evoluir dos estudos técnicos especializados e dos conhecimentos da hidrologia como atualmente praticada, para  a perspectiva de uma hidrologia integral, transdisciplinar, e daí para a Hidrosofia, ou seja, lidar com a água com sabedoria.

A Amazônia oferece um laboratório prático para se testar globalmente  a gestão integral do ciclo da água. Um dos modos de  incluir as aguas atmosféricas na gestão é proporcionar os meios para que a floresta continue a existir e que os rios voadores continuem a prestar os seus serviços ecossistêmicos.

O gerenciamento do ciclo integral das águas é um projeto potencial e virtual que se inicia com a hidratação das mentalidades, da sociedade, da economia, para que a civilização se torne hidrocêntrica, supere a hidroalienação e valorize a hidroconsciência.

O gerenciamento integral do ciclo da água é uma missão impossível, um objetivo utópico? Preferimos acreditar que é um ideal e uma meta  que progressivamente dá seus primeiros passos. Há uma longa caminhada pela frente para que ele se realize.

Nenhum comentário: