Mas pra que
Pra que tanto céu
Pra que tanto mar,
Pra que
De que serve esta onda que quebra
E o vento da tarde
De que serve a tarde
Inútil paisagem
Tom Jobim
A abordagem utilitarista em relação à gestão da água traz
desafios práticos. A abordagem utilitarista deve ser complementada por outras
perspectivas, como o foco em direitos e a ética ambiental, para evitar
injustiças e garantir a proteção dos ecossistemas e das populações mais
vulneráveis.
Entre os aspectos positivos da abordagem
utilitarista, estão a eficiência na alocação de recursos, o foco em benefícios
coletivos, a redução de desperdícios, as justificativas para políticas públicas
de longo prazo. Embora a
abordagem utilitarista possa ser útil em algumas circunstâncias, ela é
insuficiente para lidar com a complexidade e o valor multifacetado das águas. Em relação às águas, ela apresenta
várias limitações. Ela reduz a água a um
recurso econômico, ignora a justiça social e ambiental, falha em considerar o
longo prazo, desconsidera os direitos intrínsecos da água e da natureza,
simplifica questões complexas, gera conflitos éticos e subestima o papel
ecológico da água.
Entre os aspectos negativos de uma postura
utilitarista em relação com as águas estão a negligência para com minorias e
grupos vulneráveis, desafios éticos em situações de escassez, risco de decisões
economicistas, dificuldade em medir bem-estar. Uma abordagem mais holística, que integre aspectos
éticos, culturais, ecológicos e de justiça social, é essencial para garantir
que as águas sejam geridas de forma equitativa, respeitando sua grande
importância para todos os seres.
Se no passado a água significou a própria existência e tinha
forte conteúdo simbólico de contemplação e sacralização, no presente é
valorizada por suas possibilidades mercadológicas e de exploração comercial,
sendo abordada a partir do conhecimento científico e técnico. Na visão e na prática
contemporâneas, é algo a que se recorre para uso, apropriação e acesso, na
perspectiva utilitária. De uma visão de que era de graça, que vem de Deus, dos
céus e não se deve pagar por ela, por ser um bem livre e abundante na natureza,
muda-se para uma relação em que ela é tratada como mercadoria.
Na
perspectiva utilitarista, a natureza é um objeto para ser
usado e consumido, com seus recursos minerais, sua água, os vegetais e animais,
atendendo aos desejos, à demanda e à voracidade do ser humano. Na abordagem utilitarista, a
água é valorizada por suas possibilidades mercadológicas e para exploração
comercial. Cientificidade e tecnicismo predominam. Ela é percebida como um
recurso a utilizar, a ser apropriado privadamente, sem questionar o uso que é feito dela. Essa
apropriação leva a abusos. Nesse tipo de relação, a principal questão deixa de
ser a do sentido e do significado para se tornar a da utilidade: para que
serve? Que serviços presta? Aquilo que é inútil e não serve para nada, não tem
valor de uso. Não é funcional, não contribui para o conforto material e,
portanto, não é valorizado.
No mundo contemporâneo tem prevalecido a força das
corporações e empresas internacionais e o valor de troca da água se impõe sobre
o valor simbólico que é caro aos povos indígenas e a populações tradicionais.
Vozes indígenas formulam
críticas ao utilitarismo. Escreve
Ailton Krenak[1] que
“os povos originários ainda estão presentes neste mundo não porque foram
excluídos, mas porque escaparam, é interessante lembrar isso. Em várias regiões
do planeta, resistiram com toda força e coragem para não serem completamente
engolfados por esse mundo utilitário... Escapar dessa captura, experimentar uma
existência que não se rendeu ao sentido utilitário da vida, cria um lugar de
silêncio interior. Nas regiões que sofreram uma forte
interferência utilitária da vida, essa experiência de silêncio foi
prejudicada.” (pgs 111)
Para Ailton Krenak, “A vida é fruição, é uma dança, só
que é uma dança cósmica, e a gente quer reduzi-la a uma coreografia
ridícula e utilitária. Por que insistimos em transformar a vida em uma
coisa útil?” Ele continua: “Nós estamos, em nossa relação com a vida, como um
peixinho num imenso oceano, em maravilhosa fruição. Nunca vai ocorrer a um
peixinho que o oceano tem que ser útil, o oceano é a vida. Mas nós somos o
tempo inteiro cobrados a fazer coisas úteis.”
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