domingo, 21 de junho de 2020

Olhando nos olhos das pessoas não humanas


Maurício Andrés Ribeiro
Ao projetar filmes realizados em 21 países, a Mostra Animal ofereceu um painel das diversas formas de refletir sobre o relacionamento humano com os animais. Esse é um tema essencial para a saúde e bem estar do planeta, da nossa espécie e dos animais.
As imagens mais poderosas dos filmes são as que captam o olhar dos animais. Seu modo puro e direto de olhar o mundo expressa a verdade daquilo que sentem no momento: alegria, medo, sofrimento, dor, relaxamento, tensão, energia vital, entrega, curiosidade. Olhar nos olhos dos animais é um caminho eficaz para se conectar afetiva e emocionalmente com eles. Há imagens comoventes e  enternecedoras  das relações  que se estabelecem entre as pessoas humanas e não humanas, com os sentimentos de compaixão, de sensibilidade humana.

Qual a fronteira entre humanos e animais?
O filme “O abrigo” mostra  o resgate, por amor, de alguns dos milhares de cães abandonados depois da tragédia na região serrana do Rio de Janeiro. O filme americano “O Reino Pacífico: jornada rumo ao lar” mostra como uma mudança de percepção transforma um grande empreendedor do agronegócio, insensível e brutalizado pela atividade que o sustenta,  num ativista defensor dos animais. A trajetória dele em termos de consciência e ação lembra a do agrônomo José Lutzemberger, que no início de sua vida profissional trabalhou numa multinacional produtora de agrotóxicos e que depois evoluiu para tornar-se um dos mais combativos ativistas brasileiros pelo meio ambiente.  O filme mostra como o relacionamento das  pessoas com os animais se endurece e insensibiliza, torna-se anestesiado e desconectado à medida que se internalizam condicionamentos culturais. 
O filme francês A.L.F. retrata o drama dos ativistas da frente de libertação animal que, em nome dos princípios de defesa dos animais submetidos à vivissecção em laboratórios,  praticam ações que são consideradas terroristas.
Frente de Libertação Animal, o filme.
O filme “O partido para os animais” mostra a dinâmica de trabalho no parlamento holandês e retrata a ação desse partido pioneiro e como introduziu no Parlamento daquele país relevantes propostas para transformar a relação da sociedade com os animais. O Partido dos Animais foi criado ao se constatar que outros partidos e mesmo o partido verde, não conferiam prioridade à sua defesa.
Palavras muito usadas nos filmes projetados são abolição e libertação. Durante muito tempo a escravidão humana foi considerada um fato normal da vida e da economia. Precisou ocorrer um forte movimento abolicionista para que os escravos fossem libertados. Os novos abolicionistas pela libertação animal no século XXI ainda são poucos, mas adquirem força politica a partir da sensibilização, da repulsa à escravidão animal e da força de suas ideias. Vários filmes tratam da vida miserável dos animais de produção, tais como raposas para a produção de peles, vacas leiteiras, galinhas para a produção de ovos, elefantes para o transporte de toras de madeira em desmatamentos,  cães, macacos e ratos em laboratórios de testes. Mostram imagens perturbadoras e estarrecedoras  sobre as situações em que vivem e como são mortos. O filme americano “A testemunha” em sua sequência final mostra os olhares chocados de cidadãos nova-iorquinos ao assistirem os filmes sobre tais situações, exibidos num cine grátis nas ruas da cidade.
Outros filmes, como “A engrenagem”, produzido pelo Instituto Nina Rosa ( responsável pelo clássico filme  “A carne é fraca”) explicam com ciência as cadeias produtivas da carne e os seus impactos ambientais e sociais. Artistas e pessoas com projeção na mídia se expõem corajosamente e emprestam suas imagens para defenderem as causas da proteção aos animais.
O cruel e insensível relacionamento dos humanos com os não humanos tornou-se uma normose cultural e social, ou seja, doença difusa que nem mesmo é percebida como tal. Por outro lado, cresce em todo o mundo  a percepção de que esse tipo de relacionamento precisa ser superado, evitando a crueldade, os abusos e maus tratos covardes. Os organizadores da Mostra Animal prestam um relevante serviço ao promoverem o respeito animal e ao fomentarem um novo modo de percepção e de consciência sobre a relação entre as pessoas humanas e as pessoas não humanas.
Pets e "animais de produção" são tratados de modo distinto pelos humanos.


 

 

 

 

  
 

sexta-feira, 19 de junho de 2020

Pandemia, saúde mental e emocional


Maurício Andrés Ribeiro

A grande transformação proporcionada pela pandemia é uma transformação na consciência humana. A quarentena levou a mudanças no cotidiano. Há mais tempo livre devido ao confinamento e ao isolamento físico.
Aumenta a intensidade e frequência com que se exercita o pensamento nessa  era que pode se chamar noológica, a era da consciência. A oferta de eventos online se multiplica, com assuntos variados que expressam a noodiversidade, em que cada tribo compartilha valores e informações com aqueles que participam da mesma bolha. A seleção  webinars em que participar no dia e o agendamento de quais lives assistir estrutura a programação para o dia.  A grande oferta de lives aumenta o padrão de exigência. Ao menor sinal de vacilo dos participantes, pode-se mudar de canal ou desviar a atenção para outra oferta que está à mão.
Entre os efeitos colaterais da pandemia estão os transtornos da saúde mental, com ansiedades, angústias, medos, depressões.  Cartilha com recomendações sobre saúde mental e atenção psicossocial foi produzida pela Fiocruz com modos de lidar com a pandemia e seus efeitos sobre as emoções e a mente. A cartilha recomenda e muitas pessoas deixam de assistir ao noticiário na grande mídia para não se exporem às energias negativas sobre violência, mortes, corrupção, crimes, que causam sensações e levam a aumento de pressão arterial e efeitos no corpo. Universidades oferecem programas para fomentar o afeto familiar e comunitário, fortalecer as pessoas e reduzir suas fragilidades. Artigo recomenda evitar bombardeio de informações, estabelecer rotina, fazer terapia online, usar a tecnologia para conectar com pessoas, dedicar-se ao que gosta, praticar meditação. O estresse pode reduzir a capacidade de resistência imunológica e abrir caminho para acontecer a doença fisica. Há muitos modos de cuidar do equilíbrio psicológico, emocional e mental: yoga, meditação e exercícios físicos são alguns deles. A pandemia com suas quarentenas tornou-se um grande experimento psicológico. 

Um efeito colateral da pandemia é seu efeito sobre a saúde mental, sobre o equilíbrio emocional das pessoas. Confinadas, isoladas,  convivendo com a presença iminente da morte, do luto, da tristeza  e da doença física,  da insegurança econômica, obrigadas a conviver consigo mesmas, muitas ficam estressadas, sofrem depressão, se suicidam. Aumenta o consumo de álcool e de drogas como modos de alterar o estado de consciência e de lidar com essa situação estressante.  Tratamento psicológico e psiquiátrico entram no cardápio das medidas para lidar com esse estresse mental e emocional. O estresse baixa a resistência imunológica e abre portas para a entrada de patógenos que causam infecções e doenças. Manter um adequado equilíbrio mental, emocional e espiritual fortalece o sistema imunológico contra os vírus e bactérias que de outra forma teriam campo livre para entrar. Meditação, ioga, orações, fé e crenças podem contribuir para fortalecer a imunidadeManter a estabilidade emocional e mental ajuda a fortalecer o corpo, o físico e com isso a fortalecer o sistema imunológico  e aumentar a imunidade para evitar que os vírus causem danos a um organismo que esteja debilitado. Não se estressar, não se preocupar é uma estratégia para se fortalecer diante dos vírus.

Também aumenta a busca por modos não químicos de acalmar a mente e equilibrar os sentimentos de medo, angústia, ansiedade e as emoções, como a meditação, o yoga, a respiração consciente, os exercícios corporais, os hábitos alimentares saudáveis. Para não se estressar e não se preocupar, práticas de meditação e  respiração consciente são valiosas e aplicadas.


A falta de atividades externas leva a introspecção e a viagens para dentro de si, o que abre uma oportunidade para  exercitar o autoconhecimento. A observação e anotação sobre sonhos e suas conexões com os fatos do dia anterior, são atividades de autoconhecimento facilitadas pela liberação de tempos diários. O sonho, o sono profundo, são estados de consciência valiosos para se compreender a realidade, para além do estado  de vigília. No espectro eletromagnético, a faixa visível corresponde ao estado de vigília. A psicologia convencional admite o campo do subconsciente (o infravermelho) e a psicologia yogue reconhece  também o campo do supraconsciente.(correspondente ao ultravioleta).Vários programas de meditação foram veiculados, como modos de manter o equilíbrio mental e emocional e espantar os fantasmas mentais e emocionais soltos pela pandemia. “ Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come, se meditar o bicho some.”
O espectro  eletromagnético  é análogo ao espectro da consciência.
A pandemia ajudou a valorizar a espiritualidade, o Ioga e a meditação como modos de prevenir os distúrbios emocionais e mentais associados à imprevisibilidade e aos riscos de perdas econômicas e afetivas que ela traz.
A dimensão transcendente e espiritual da ecologia se torna mais evidente,  ideias e utopias passam a ser revalorizadas, para além dos aspectos mais utilitários e pragmáticos do ambientalismo, aparentemente mais realista, mas que reflete um conformismo com o status  quo.

 

quinta-feira, 18 de junho de 2020

A pedagogia do susto


 
Maurício Andrés Ribeiro

O principal efeito colateral da pandemia foi uma aceleração na consciência. Explicitou-se a percepção da fragilidade e vulnerabilidade humana. A pedagogia do susto atuou como um freio de arrumação para uma eventual mudança de rumo que adie o fim do mundo humano. Ela freou a imprudência, a arrogância e induziu a uma atitude de maior humildade e de cooperação em esforços conjuntos para alcançar uma vacina ou um remédio. Foi um sinal amarelo que despertou para necessidade de se viver em maior harmonia com a natureza. Talvez ela tenha promovido alguma unidade humana e algum sentido de fraternidade e solidariedade diante da constatação  de que o maior perigo é o ódio, a ganância e a ignorância, como diz Yuval Harari.
A pandemia é um  evento integrante da crise da evolução em que vivemos.
A pandemia não é um evento extraordinário isolado. Ela é um sinal precursor de outros eventos que estão por vir nessa mega crise da evolução  em que estamos, no final da era cenozoica – a era dos mamíferos - caracterizada por perdas aceleradas de biodiversidade, mudanças do clima e outros problemas. É nesse contexto de final de uma era na evolução que se situam as várias crises que vivemos. Entre elas acontece agora a pandemia, que resulta de uma relação estressada do ser humano com os animais e com a natureza.
Estamos  no final da era cenozoica em transição para uma era  em que será crucial a evolução da consciência humana.
O que virá depois da pandemia tende a ser um período turbulento, cheio de sobressaltos, fatos inesperados, emergências, urgências, situações críticas e eventos extremos, incertezas, instabilidade. Um período desordenado, caótico,  imprevisível, com riscos. A palavra normal  e novo normal é enganosa, pois induz a pensar em algo estável, previsível, tranquilo. Saímos da normose para a etapa de  uma crise permanente.
Para atravessar esse tempo instável até chegar - quem sabe? – a um futuro menos turbulento, o melhor caminho não é tentar voltar a um passado nostálgico, romântico, lírico, como se fosse possível retornar à proteção no útero da mãe: não há volta.  Negar a crise é agir como um avestruz que enfia a cara na terra, não quer enxergar e retarda as respostas corajosas e inovadoras que precisam ser dadas às situações emergentes.
Uma postura afirmativa e que encara de frente a realidade emergente, exige capacidade de adaptação, cabeça fria diante de situações extremas, disposição  e espírito para aventurar-se em mares nunca dantes navegados. Essa postura demanda  preparação e investimento. Será preciso apertar os cintos, estar em alerta permanente, com atenção redobrada,  com acuidade no controle e na gestão de cada um, para não afundar na piscina da miséria; redobrar os cuidados sanitários, para reduzir o risco de vida. Repensar e inventar novas práticas na relação dos humanos com o mundo natural e especialmente com os animais. Será preciso ter conhecimento técnico e científico e perícia na gestão. Esse tempo é digital.
O modo de vida básico depois da pandemia  necessita, primeiramente, viver com menos consumismo, com menos viajismo, e viagens supérfluas, com menos turismo, com menos carnivorismo, com menos agressão aos animais silvestres, com menos pressões sobre a capacidade de suporte da natureza. Em  suma, é preciso reduzir as normoses existentes no período anterior à pandemia.
Ao mesmo tempo, trata-se de viver com maior sentido de unidade humana, para além das  diferenças, e com mais fraternidade e responsabilidade. Isso se traduz em atitudes como a austeridade feliz, a simplicidade voluntária, o conforto essencial e a frugalidade.
Será preciso preparo mental,  emocional e espiritual para lidar com imaginação e criatividade com o estresse e as tensões nessa época turbulenta.
O aprendizado e as lições da atual pandemia poderão ser valiosos para se lidar com as próximas e com outros eventos extremos e críticos que se anunciam.

 

domingo, 14 de junho de 2020

Impactos da pandemia no Brasil e na Índia

Maurício Andrés Ribeiro

Desde o início desta pandemia presto atenção ao que está acontecendo no Brasil e na Índia. Intrigou-me saber que a Índia - com enorme população, pobreza e desigualdades, vizinha da China onde se originou o surto - apresentava  baixo número de casos e de mortes quando comparada com outros países aparentemente mais bem equipados para lidar com a doença.
O primeiro caso de Covid19 foi registrado na Índia em 30 de janeiro e o primeiro caso no Brasil foi registrado em 25 de fevereiro.
A India decretou um  lockdown completo por 21 dias, depois prorrogado por mais 15 dias e o Brasil adotou algum isolamento e redução de mobilidade. Governos estaduais e locais  adotaram de modo diferenciado medidas de controle e da mobilidade, entre outras. Na Índia como no Brasil as situações da pandemia variam em gravidade de local para local. Na Índia, o estado de Kerala destacou-se pelos bons resultados. Grande parte da população está em 600 mil aldeias semi autossuficientes e semi isoladas umas das outras. A situação mais grave do coronavirus é na superdensa Mumbai. Os 35% de população urbana da Índia perfazem 490 milhões de pessoas, mais do que o dobro da população brasileira total.
Os instrumentos de que os governos dispõem para atuar na pandemia nessas duas democracias representativas são similares (o que as diferencia da China).
O quadro abaixo traz os números de  coronavirus em 14 de junho. 

Números do coronavirus em 14 de junho de 2020- Fonte:Worldometers Covid19
 
Os números em total de casos, total de mortes, total de casos ativos, total de casos por 1 milhão de pessoas, total de mortes por 1 milhão de pessoas de casos são bem mais baixos na Índia do que no Brasil. Em 14 de junho, a Índia tem 9.000 mortos pelo novo coronavirus, cinco vezes menos do que o Brasil, que tem mais de 42 mil mortos.
 Isso suscita indagações e hipóteses que envolvem tanto a gestão da pandemia como aspectos culturais e espirituais de por que a Índia desde o início da pandemia e até o momento estar com números tão abaixo daqueles do Brasil:
1.      Isso se deve a políticas dos governos federal,  estaduais e locais? Ao fato do governo da Índia ter sido radical em seu lockdown, enquanto no Brasil houve ambiguidade e posições divergentes das autoridades federais, estaduais e municipais? À melhor ou pior gestão da pandemia? O governo indiano teria sido mais eficiente no controle sanitário do tráfego aéreo de pessoas?
2.      Ao fato de na Índia as cidades terem se esvaziado após o lockdown, com o retorno de milhares de pessoas a suas aldeias natais? À distribuição populacional e ao fato  de a maior parte da população indiana ser rural?
3.      A razões comportamentais e ao fato de o povo indiano ser mais disciplinado e mais respeitoso em relação ao coletivo em comparação com o brasileiro, mais individualista?
4.      À milenar história indiana em que houve um aprendizado e know how de lidar com epidemias e com o preparo para enfrentar adversidades e pestes tais como a cólera, peste bubônica e de desenvolver mecanismos de defesa e anticorpos mais fortes e resistentes no sistema imunológico?
5.   Se o contágio depende do estado imunitário e a primeira barreira contra a entrada do vírus no organismo é a mucosa, a alimentação pode ter algum efeito nesse estado imunitário?
6.       A práticas alimentares tais como o uso da pimenta, cúrcuma, cominho e outros condimentos e especiarias fortalecedores da imunidade que atuam como remédios? Ao vegetarianismo e baixo consumo per capita de carne que reduzem a existência de wet markets como os da China e daí reduzem o risco de produzir novas pandemias derivadas do relacionamento de humanos com seres não humanos, animais silvestres e outros?
7.       À consciência do corpo com respiração e posturas corporais adequadas, o hábito de tirar os sapatos ou sandálias antes de entrar em casa e lavar os pés, comer com a mão direita e fazer a higiene com a esquerda, ao uso disseminado de água sanitária; ao uso de lenços no rosto para quem não tem máscara?
8.      À eficácia de medicina ayurvedica, outras medicinas tradicionais, e outros modos de prevenir e cuidar de doenças? A Índia é grande fabricante de remédios alopáticos, ayurvedicos, homeopáticos.
9.      A  práticas e valores espirituais, a meditação e Yoga , fé e crença,  o Namasté ao invés do aperto de mão,  calma, desestresse, coragem, confiança, que fortaleceriam o sistema imunológico?  
10.  A fatores imunológicos  relacionados à genética? Alguns artigos levantam a hipótese de que os indianos podem ter diferenças genéticas que os protegem contra os vírus. 
11. A pandemia na Ásia em geral também intriga os cientistas.Uma hipótese é que o vírus tenha sofrido mutação e que na Asia tenha se espalhado um vírus com menor poder de contágio do que aquele que circula na Europa e nas Américas.
12.   A fatores climáticos e ambientais?
Até o momento atual em 1 de julho de 2020 não  se pode tirar conclusões, mesmo porque a pandemia ainda se encontra em suas primeiras etapas.
Convido os amigos que se interessam por estudos indianos a acompanharem a evolução dessa pandemia e a procurarem entender sua dinâmica aqui e lá. Desconfio que isso poderá trazer boas lições e  que podemos aprender  ensinamentos valiosos com a Índia.

 

 

 

 

Por que comparar Brasil e Índia?


Maurício Andrés Ribeiro

Os dois maiores países tropicais do mundo: Brasil e Índia
 















Há muitos anos estudo comparativamente o Brasil e a Índia. Os resultados desses estudos estão no livro Tesouros da Índia e em artigos publicados no blog Ecologizar.
A civilização indiana é inspiradora para mim, como foi para os Beatles, para Ignacy Sachs, Gilberto Gil, Cecília Meireles, Octavio Paz e  para grandes indianos como Sri Aurobindo, Tagore, Gandhi, Vivekananda entre outros.
Comparar o Brasil e a Índia faz sentido por vários motivos:
·         são os maiores países tropicais do mundo,
·         têm enormes populações,
·         apresentam  deficiências socioeconômicas,
·         são democracias representativas,
·         integram os  blocos dos BRICS e o IBAS,
·         têm grande diversidade, sendo a Índia muito mais diversa do que o Brasil (tudo o que se fala sobre a Índia pode ser verdade e o seu contrário também, dada a enorme diversidade ali existente).
·         Há diferenças na maturidade cultural e ecológica, a Índia com sua civilização milenar que soube ser sustentável, o Brasil na sua adolescência predatória.

Milenar, a Índia soube ser sustentável por meio do poder suave de sua cultura.
·         Há grandes diferenças nos hábitos alimentares, com impactos ambientais, sobre a relação com os animais e sobre a saúde humana.
O consumo per capita de carne é muitas vezes maior no Brasil do que na Índia. Carnivorismo e vegetarianismo têm distintos impactos ambientais.
 Há um déficit de informações e conhecimento sobre a Índia no Brasil. Há preconceitos e ignorância que precisam ser  reduzidos. No campo da cultura, da arte, da música, do Yoga e da espiritualidade, há várias iniciativas relevantes que ajudam a dissolver essa ignorância.
Álbum Oriente-Ocidente - integração de culturas, de Maria Helena Andrés
Aprofundar esse conhecimento em vários campos pode ajudar a reduzir a distância e a intensificar relações de cooperação e intercâmbio, com mútuos benefícios.

 

domingo, 7 de junho de 2020

Ecologizar, o verbo da vez


Maurício Andrés Ribeiro

Definição de Ecologizar por uma criança argentina de Salta num dicionário de verbos.
 O antropólogo, sociólogo e filósofo das ciências francês Bruno Latour deu uma entrevista (O Globo, 28-12-2013), na qual falou que ‘ecologizar’ é o verbo da vez: “Ecologizar é dizer: já que, de fato, não separamos questões de natureza e de política, já que a História recente dos humanos na Terra foi o embaraçamento cada vez mais importante das questões de natureza e de sociedade, se é isso que fazemos na prática, então que construamos a política que lhe corresponda em vez de fazer de conta que há uma história subterrânea, aquela das associações, e uma história oficial, que é a de emancipação dos limites da natureza. Ecologizar é um verbo como modernizar, exceto que se trata da prática e não somente da teoria.  É preciso inovar, descobrir novas formas, e isso se parece com a modernização. Mas é uma modernização que aceita seu passado. E o passado foi uma mistura cada vez mais intensa entre os produtos químicos, as florestas, os peixes, etc. Isso é “ecologizar”. É a instituição da prática e não da teoria.”

Definições do verbo ecologizar podem ser encontradas em alguns dicionários, porém de modo ainda rudimentar. No Aulete, é definido como “Conscientizar para a importância dos princípios ecológicos”. Tal definição ressalta o aspecto da consciência, mas não o de sua aplicação prática.

Uma professora da cidade de Salta, na Argentina, fez um dicionário de verbos. Meninas de 9 a 12 anos foram convidadas a defini-lo e ilustrá-lo e o resultado. Um dos que elas definiram foi o verbo Ecologizar. As definições dadas pelas crianças argentinas refletem com clareza a variedade de concepções. Elas focalizam o mundo animal e vegetal; relacionam o ser humano com o ambiente; chamam a atenção para a responsabilidade humana por cuidar da Terra e do ambiente. Uma delas expressou as ameaças relacionadas com os desequilíbrios ecológicos e climáticos (Pensar que no futuro não existiremos); outra mostrou a importância da consciência ecológica (Usar a cabeça para proteger o meio ambiente); outra, ainda, chamou a atenção para a unidade entre o ser humano e o mundo, cujos destinos se entrelaçam (Pensar que se algo ocorre com a Terra, também acontecerá com o homem); outra enfatizou a importância de conhecer o aspecto original da ecologia, que relaciona bichos e plantas com seu ambiente (Inventar uma “plantologia” e uma “ animalogia”); a relevância da ação humana (Fazer de nosso mundo um lugar melhor). Outras definições apontaram o poder do sentimento, do amor, do afeto, do cuidado com o planeta (Sentir o meio ambiente em suas mãos e cuidar dele); (Unir-se com a vida. Amar o mundo onde vives); (Dar um grande abraço no planeta). As meninas expressaram ideias relacionadas com o medo, com as consequências para o ser humano em sua relação com o meio ambiente, a importância da ciência e do pensamento.

No livro O verde é negócio, Hans Jöhr mencionava a “ecologização” da empresa, do escritório, da fábrica, do processo, do comércio internacional. Alguns pioneiros, como Edgar Morin, propuseram ecologizar o pensamento.
De minha parte, defino ecologizar como a ação de aplicar em todos os campos da vida os conhecimentos das ciências ecológicas. Ainda existe um déficit de compreensão do que seja ecologia. Entendimentos rudimentares a associam a bichos, plantas e sua relação com o ambiente em que vivem. Alguns a associam com a concepção biológica, pois a ecologia se originou nas ciências naturais no século XIX. Entretanto, ao longo do século vinte ela se ramificou em inúmeros campos – ecologia humana, ecologia cultural, ecologia política, ecologia social, ecologia energética, ecologia profunda ou do ser etc. Cada um desses campos tem seu conjunto próprio de conhecimentos e práticas. Ecologizar é um verbo e verbo é ação. Ecologizar é ativar o modo de ação ecológica necessário para direcionar o rumo da evolução. Da mesma forma como a sociedade se informatizou rapidamente no final do século XX, precisa rapidamente se ecologizar no inicio do século XXI.

Por acreditar na fecundidade desse verbo e das potencialidades de sua aplicação, escrevi em 1998 o livro Ecologizar. Em sua 4ª edição, em 2009, o livro desdobrou-se numa trilogia: o primeiro volume aborda os princípios para a ação; o segundo volume aborda os métodos para a ação. E o terceiro volume aborda os instrumentos para a  ação. Como alguém que em sua vida profissional atuou na gestão ambiental, aprendi que o campo da gestão ambiental é um campo de gestão de conflitos, de construção de consensos possíveis e de criação de uma cultura de paz. Naquele mesmo ano de 1998, Bruno Latour perguntava em artigo “Modernizar ou ecologizar? essa é a questão”. Ele abordava o tema a partir de uma visão da ecologia política, de gestão de conflitos de interesses que se manifestam em vários dos temas ecológicos.

 É preciso saudar o fato positivo de que ecologizar esteja sendo hoje proposto por Latour como o verbo da vez.
Definições de ecologizar por meninas argentinas de Salta

 



 


Figura – 4ª edição do livro Ecologizar, trilogia, Editora Universa, Brasilia, 2009.

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Figura – 1ª edição do livro Ecologizar, Rona Editora/Santa Rosa Bureau Cultural, Belo Horizonte, 1998.