quinta-feira, 18 de junho de 2020

A pedagogia do susto


 
Maurício Andrés Ribeiro

O principal efeito colateral da pandemia foi uma aceleração na consciência. Explicitou-se a percepção da fragilidade e vulnerabilidade humana. A pedagogia do susto atuou como um freio de arrumação para uma eventual mudança de rumo que adie o fim do mundo humano. Ela freou a imprudência, a arrogância e induziu a uma atitude de maior humildade e de cooperação em esforços conjuntos para alcançar uma vacina ou um remédio. Foi um sinal amarelo que despertou para necessidade de se viver em maior harmonia com a natureza. Talvez ela tenha promovido alguma unidade humana e algum sentido de fraternidade e solidariedade diante da constatação  de que o maior perigo é o ódio, a ganância e a ignorância, como diz Yuval Harari.
A pandemia é um  evento integrante da crise da evolução em que vivemos.
A pandemia não é um evento extraordinário isolado. Ela é um sinal precursor de outros eventos que estão por vir nessa mega crise da evolução  em que estamos, no final da era cenozoica – a era dos mamíferos - caracterizada por perdas aceleradas de biodiversidade, mudanças do clima e outros problemas. É nesse contexto de final de uma era na evolução que se situam as várias crises que vivemos. Entre elas acontece agora a pandemia, que resulta de uma relação estressada do ser humano com os animais e com a natureza.
Estamos  no final da era cenozoica em transição para uma era  em que será crucial a evolução da consciência humana.
O que virá depois da pandemia tende a ser um período turbulento, cheio de sobressaltos, fatos inesperados, emergências, urgências, situações críticas e eventos extremos, incertezas, instabilidade. Um período desordenado, caótico,  imprevisível, com riscos. A palavra normal  e novo normal é enganosa, pois induz a pensar em algo estável, previsível, tranquilo. Saímos da normose para a etapa de  uma crise permanente.
Para atravessar esse tempo instável até chegar - quem sabe? – a um futuro menos turbulento, o melhor caminho não é tentar voltar a um passado nostálgico, romântico, lírico, como se fosse possível retornar à proteção no útero da mãe: não há volta.  Negar a crise é agir como um avestruz que enfia a cara na terra, não quer enxergar e retarda as respostas corajosas e inovadoras que precisam ser dadas às situações emergentes.
Uma postura afirmativa e que encara de frente a realidade emergente, exige capacidade de adaptação, cabeça fria diante de situações extremas, disposição  e espírito para aventurar-se em mares nunca dantes navegados. Essa postura demanda  preparação e investimento. Será preciso apertar os cintos, estar em alerta permanente, com atenção redobrada,  com acuidade no controle e na gestão de cada um, para não afundar na piscina da miséria; redobrar os cuidados sanitários, para reduzir o risco de vida. Repensar e inventar novas práticas na relação dos humanos com o mundo natural e especialmente com os animais. Será preciso ter conhecimento técnico e científico e perícia na gestão. Esse tempo é digital.
O modo de vida básico depois da pandemia  necessita, primeiramente, viver com menos consumismo, com menos viajismo, e viagens supérfluas, com menos turismo, com menos carnivorismo, com menos agressão aos animais silvestres, com menos pressões sobre a capacidade de suporte da natureza. Em  suma, é preciso reduzir as normoses existentes no período anterior à pandemia.
Ao mesmo tempo, trata-se de viver com maior sentido de unidade humana, para além das  diferenças, e com mais fraternidade e responsabilidade. Isso se traduz em atitudes como a austeridade feliz, a simplicidade voluntária, o conforto essencial e a frugalidade.
Será preciso preparo mental,  emocional e espiritual para lidar com imaginação e criatividade com o estresse e as tensões nessa época turbulenta.
O aprendizado e as lições da atual pandemia poderão ser valiosos para se lidar com as próximas e com outros eventos extremos e críticos que se anunciam.

 

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